domingo, 2 de dezembro de 2007

Crónica de ocasião

ALGUMAS IMPRESSÕES DE PARIS

A propósito de um mail que recebi sobre Paris, com textos de Gabriel Garcia Marques sobrepondo fotografias fantásticas, não resisti a enviar ao remetente algumas impressões pessoais sobre essa grande cidade.

Paris é sempre Paris! E, por experiência própria, sei que as paisagens mais bonitas e que nos deixam pasmados -é o termo! -são aquelas que apreciamos de manhãzinha, ou alta noite, provavelmente porque a luz nesses momentos é diferente daquela a que estamos habituados.

Não sei descrever o que apreciei diversas vezes em que me levantava de madrugada e caminhava pelo boulevard De Latour Maubourg, simultaneamente próximo dos Inválidos e da margem do Sena. O meu encantamento era tal que chegava a demorar uns bons dez minutos antes de me decidir apanhar o taxi para Chilly Mazarin, no lado oposto ao aeroporto de Orly, numa corrida de quase três quartos de hora atravessando meia Paris e saindo pela Porte d´Orléans, seguindo uns quarenta quilómetros na Routte du Soleil, antes de chegar ao destino de trabalho. O Laboratório era um espectáculo de construções modernas, colocadas em aparente desalinho num jardim picotado de árvores gigantescas, comunicando entre si, nas zonas mais problemáticas, por túneis, nalguns dos quais circulavam robots, como o que ligava a Embalagem ao Armazém Geral, transportando automaticamente os produtos terminados, etc..

No Inverno, regressava já de noite ao hotel, próximo de Latour Maubourg, geralmente no carro do Director da Fábrica, eng.º simpatiquíssimo que me deixava de passagem, e a meu pedido, na praça centralde Momparnasse. Ali, já no passeio, ficava sozinho, na maioria das vezes, meio absorto, olhando sem objectivo para as pessoas, as montras, os grandes edifícios, entre os quais a enorme Torre que emergia no quarteirão seguinte, o movimento infernal de automóveis e até, num certo ângulo, o metro passando numa ponte, como uma minhoca aflorando à superfície do solo, para logo se enfiar em novo túnel...

Decidia, nas primeiras vezes, jantar num dos numerosos restaurantes para todos os gostos ali existentes e depois, sair a passear sem destino, até regressar a pé, ao hotel, passando pelos Inválidos, umas vezes, outras caminhando em direcção ao Sena, chegando mesmo até à Ille de France...

Transformava-me eu próprio, para usufruir sozinho, de tantas novidades, de tantas maravilhas! Tempos depois, fui modificando os programas. Ficara sem vontade de sentar-me só no restaurante; o prazer da comida esvaíra-se; o aborrecimento da espera, das formalidades, da repetição sistemática dos gestos, das pessoas, das mesas e das ornamentações, sobrepunha-se à variedade dos pratos e bebidas, de que não conseguia tirar grande proveito.

O maior gozo, imagine-se, passou a ser a ida ao Mac Donald´s, comer apressadamente um hamburger e sorver pela caninha uma coca-cola gelada...

Paris também tem destas coisas esquisitas. Nunca me esqueci de algumas destas saídas do M.D. a aconchegar a gabardina e caminhar, apressado, em direcção ao Sena, com o piso gelado, de restos do nevão da véspera. Não tinha levado cachecol -coisa de origem francesa, como muitas outras – e, já quase a chegar ao rio, com a Notre Dame em frente, pelas onze e meia da noite, uma loja miraculosamente aberta, com escaparates no passeio, proporcionou-me a compra que, em tantos anos, mais prazer me deu, na grande cidade das maravilhas e ainda conservo e uso, quando necessário!

Foi com o pescoço já protegido pela «bufanda» adquirida que continuei a minha volta pela margem iluminada, até à primeira ponte que encontrei...regressando de táxi ao hotel!

Ainda outra noite de Inverno, juntamente com com Mr. Dupont, subimos a passo acelerado os jardins da Torre Eifel, desde o início até ao Palácio Chaillot, em cima de neve que cobria a relva, apanhando ali um táxi para ir cear a um restaurante conhecido em Saint Germain...

Um Verão, depois de regressar do Laboratório, recordo-me de sair do metro em Les Halles, calcorrear a pé a distância até ao Centro Pompidou...e sentar-me cansado mas feliz, na esplanada de um café, a tomar uma cerveja fresquinha...mirando os tipos de uma diversidade incrível que desfilavam à minha frente, até ficar farto e voltar para o hotel.

Não sei como descrever o que sentia quando, quase diariamente, passava ao lado da Basílica dos Inválidos, com a sua cúpula doirada resplandecendo no escuro...

Uma manhã, antes de apanhar o táxi, comprei Le Figaro porque, logo na primeira página, vinha uma fotografia a toda a largura dessa cúpula gigante, brilhando amarela, como eu a via, acrescentada de um comentário menos favorável, referindo não sei quantos milhões de francos gastos na sua pintura a oiro, recente!

Fiz menção de guardar o periódico, tão arrepiante era o texto e os números que, entre nós, quase fariam abrir falência ao Banco de Portugal, mas sucedeu um imprevisto. Quando, à noite, cheguei ao quarto do hotel, um queijo Camembert que havia comprado na véspera, desprendia um cheiro impossível de tolerar e não tinha ali à mão, comigo, nada mais que aquelas páginas que eu me preparava para ler no regresso, mais detalhadamente.

Consegui chegar ao avião sem problemas, embora comprometido comigo próprio, mas à saída, em Lisboa, fui logo denunciado pelo taxista que disse:

-Onde é que o senhor comprou o Camembert? É de muito boa qualidade...

-O senhor conhece Paris, claro está...

-Como os meus dedos. Fui lá taxista largos anos!

-Pois este foi comprado anteontem quase ao lado do Panthéon, numa queijaria que expunha pelo passeio. Não consegui resistir, mas não pensei que me desse tantos problemas. Foi a primeira e a última!

-Fez muito bem. Delicie-se com ele, quando chegar a casa.

Abandonei o carro, entrei no elevador, meio comprometido, felizmente sem me cruzar com ninguém, e bati à porta. Um dos meus genros, que com a família me esperava para jantar, veio abrir, tapou imediatamente o nariz e disparou, antes mesmo de me saudar:

-Rápido, rápido, passe a correr para a cozinha e meta o embrulho no frigorífico...

Tive que tomar um banho. Não fui capaz de provar o Camembert. Nem veio para a mesa, naqueles dias mais próximos. Creio que foi retirado, aos poucos, cuidadosamente, do refrigerador e eu nem dei conta do percurso que tomou, nem dos intervenientes...

Mas voltei a Paris, muitas vezes mais. Sozinho, umas, e outras com a família. Até numa delas, a empresa ofereceu uma viagem à Dra. Margarida, da I.G.S., e servi de cicerone!

Paris é uma cidade extraordinária: de luzes, palácios, monumentos, museus, avenidas, lojas, espectáculos, panoramas, personagens de todas as profissões, políticas, e artes, enfim de tudo, e até dos queijos recebidos da província que expõe, serve à mesa e exporta!!!

Bom apetite!

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