segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

CRÓNICA DE FUSOS HORÀRIOS


O nosso meridiano

Faltam algumas horas para o fim deste 2007, segundo o calendário gregoriano, implantado há séculos na Europa e em boa parte do mundo, mas que outra parte nem conhece. Em Portugal, neste remanso que não dá sequer para ultrapassar, mesmo em pensamento, mais além desta face rectangular com o nariz de Lisboa metido nas águas cada vez mais lodosas do Tejo, a própria hora do fim do ano vem atrasada, relativamente à meia noite britânica que Greenwish irradia para todos os países do orbe, quer queiram, quer não…

Até podíamos estar a par, mas estamos atrasados! Gostamos de estar atrasados!!!

Sei que esta afirmação poderá chocar muitos portugueses, mas é verdadeira, com as excepções normais que só servem para confirmar a regra. Apesar de termos assinado há mais de um século a Convenção de Londres sobre fusos horários, ao lado dos países ditos cultos da época, nunca conseguimos acertar o passo pelo dos nossos mentores ingleses, nem mesmo à custa de todo o Vinho do Porto obtido nas poéticas ribanceiras do Douro, agora mais célebres ainda, depois dos passeios fluviais turísticos com almoço a bordo e dormida em mansões novecentistas…Nem as gravuras descobertas nas margens do afluente Côa, que os agricultores da região há centenas de anos atribuíam a garatujas de garotos ou a pedreiros desocupados, conseguiram mudar este estado de coisas. Alguns dos nossos governantes e políticos, os construtores das barragens e uma boa parte das gentes das povoações vizinhas também embarcaram nessa, colocando ainda mais a nu a nossa pré história cultural que nem a visita interessada do Rei Juan Carlos e de alguns sábios estrangeiros conseguiu encurtar. Os ingleses, nossos velhos aliados de setecentos anos, é que não estiveram com meias e, com gravuras ou sem elas, continuaram a sua apropriação barata das românticas Terras Durienses, em contrapartida exportando para Portugal, por alto preço, cada vez mais garrafas de Chivas Regal e muitas outras marcas que dão classe e charme às festas das Tias e seus Penduras que levam oxigénio aos exclusivos das revistas da fofoca nacional e enchem de vaidade e glória os pobretanas que não têm onde cair mortos…

Mas nem tudo o que os ingleses fizeram em Portugal foi tão pouco interesseiro como o Vinho do Porto… Que eu até gosto deles! Os caminhos de ferro portugueses, construídos com técnicos e materiais importados de Inglaterra, são complementados por traçados meio anacrónicos, devido aos nossos governos de influência partidária parola que os ingleses não puderam ou não quiseram ultrapassar na totalidade, mas onde deixaram marcas profundas, como por exemplo a Estação do Entroncamento, ainda hoje célebre pelo fenómenos que ali ocorrem e a Estação de Nine, o também célebre quilómetro 9 da ligação á Cidade dos Arcebispos, coisas de que os naturais dessas Terras não têm culpa nenhuma. E Podia dizer muito mais.

Uma coisa boa os ingleses tentaram impor-nos, mas que nem o seu poder, nem a sua organização e a sobranceria de Beresford conseguiram: a pontualidade!

Por pirraça, por feitio ou por inépcia, os comboios nunca conseguiram acertar com os horários. Eu penso que foi apenas por uma questão de feitio! Os maquinistas e os fogueiros preparavam as caldeiras com atraso e atrasavam-se a dar o apito de partida. Logo a seguir, e apesar disso, acontecia virem a correr, ao longe, mais uns tantos passageiros e, por último, o barão ou a autoridade que se faziam esperar estrategicamente e sem os quais a composição não tinha ordem de avançar. Nas estações seguintes, a cena repetia-se, com maior ou menor espavento, tornando infrutíferos todos os esforços dos condutores para diminuir, com o habitual desenrascanço durante o trajecto, o atraso final. De nada valeram, durante século e meio de caminho de ferro em Portugal, as centenas ou talvez milhares de relógios mandados colocar nas estações recém construídas, à boa maneira inglesa. Hoje é fácil saber qual o motivo, verdadeiro ovo de Colombo. Na Inglaterra, havia um Big Ben, na Torre do Parlamento, que todo o Governo, Parlamentares, Religiosos e Povo obrigatoriamente respeitavam, enquanto em Portugal tudo era regido pelos relógios de sol, desde o Terreiro do Paço, primeiro, mais tarde desde o Palácio de Belém e do Palácio de São Bento, espectaculares durante parte do dia, mas realmente falíveis a certas horas e com certos climas sócio políticos…Os relógios mecânicos existiam só para decoração.

Como dizia acima, gostamos de estar atrasados! Está explicado que na nossa Terra, se não tivéssemos sol durante o dia, nem luar à noite, funcionaríamos mais certinhos que os ingleses, pois estes também não precisam de sol nem de luar para serem pontuais. E são-no, mesmo com a tradicional bruma, londrina, galesa, escocesa...

A CE ainda tentou dar uma volta na pasmaceira da Europa dos fusos horários, adoptando, realisticamente, uma hora para a maioria dos países, mas também não teve êxito com o País do Sol. Esse valente empurrão não foi suficiente para fazer-nos sair do atraso de uma hora que persistimos teimosamente em manter. Somos valentes!

Logo, pelas onze da noite, os tristes portugueses que nem o sol esplendoroso que têm consegue fazer sair do Fado da Sardinha Assada, nas Hortas, A Horas Mortas, Fora de Portas…por mais que a Mariza se esforce, lá estarão postados em frente às TVs, a ver as folias da meia noite dos Alemães, dos Franceses, dos Ingleses…e preparando-se para dar uma olhadela ao fogo de artifício que o Jardim faz disparar na Madeira, apesar do chroradinho do orçamento, para turista inglês ver e também deixar uns cobres...

Ainda há por aí os que vão ao casino, os que vão às festas e comezainas de arromba, que dias não são dias e, se não se divertem parvamente nesta altura, já nem são gente…

Mas a maioria, logo a seguir às atrasadas doze badaladas nacionais, depois de uns pobres abraços, diverte-se a partir uns cacos velhos (aqueles que ainda os têm!) e a bater nos tachos com força e alegria inauditas para afugentar os espíritos, o melhor da tradição medieval que se pode arranjar por cá...

Já disse coisas a mais.

Vamos brindar ao NOVO 2008, dirão os que podem!

E muitos, infelizmente, nem isso poderão fazer…

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