terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Doutores sem trabalho

Doutores sem trabalho-C.M. de 4-12-2007

A taxa de desemprego entre os indivíduos com habilitações académicas superiores era, no terceiro trimestre, de 8,3 por cento (que compara com 6,5 por cento registado no segundo trimestre), com as mulheres a serem mais penalizadas – há uma taxa de desemprego de 9,6 por cento entre

LICENCIADOS E DESEMPREGO


A situação actual é difícil. Portugal nunca, que eu saiba, passou por tantas dificuldades a nível de emprego, como actualmente. Nos velhos tempos, a agricultura braçal e barata a soldo ou não de terra tenentes, ocupava as gentes iletradas e, à medida que elas se iam alfabetizando, transferiam-se para o funcionalismo público das vilas e cidades, com armas e bagagens. Por isso e por outros atavismos, a Função Pública engrossou sempre, em Portugal, como solução ao desemprego e ao clientelismo político, valendo-se, pelo meio, da cunha ou do nepotismo familiar.

Simultaneamente, ser doutor, no nosso país, passou assim, de um simples grau académico conseguido por uma minoria geralmente de mais posses, para um patamar superior da sociedade. Os licenciados eram poucos e, num meio de analfabetos e mais tarde de iletrados, ter uma licenciatura tornou-se uma distinção, uma exigência ou status que permitiu, durante muitos anos, entrar pelo topo nos melhores empregos, de necessidade e produção questionáveis.

A alfabetização do país, a generalização e banalização dos cursos superiores, com grande predomínio pelos de Letras e Direito, vieram alterar bastante este estado de coisas. O mercado de licenciados, durante algum tempo preenchido com o professorado, tornou-se, por fim, excedentário e o crescimento das áreas tecnológicas, sem as bases imprescindíveis de cursos técnicos pouco frequentados durante a época das vacas gordas, verificou-se insuficiente para absorver esse excedente.

Por outro lado, a mecanização e industrialização da lavoura trouxe para as cidades uma leva de gente em busca de melhor alfabetização e melhores condições de vida. Os doutores, que durante tantos anos pairaram nos céus da empregabilidade, tiveram, nestes últimos anos, que aterrar nesta realidade dura e crua dos dias de hoje, com o desemprego a atingir todas as classes sociais e os emigrantes, como sempre, a desempenhar os trabalhos mais penosos, que trabalhar é para o preto, dito que nos ficou da época de «Senhores de Meio Mundo», que a outra metade era dos espanhóis, segundo o tratado de Tordesilhas…

Como sempre, os portugueses somos os últimos a aperceber-nos dos problemas que nos tocam (porque julgamos orgulhosamente que nunca chegarão até nós), com muitos anos de atraso relativamente a outros países que já passaram pelo mesmo. Mas isso, que poderia servir-nos de exemplo na prevenção e resolução de situações idênticas, de nada nos vale na nossa simultaneamente soberba e mesquinha ignorância…

Lembro-me de, quando era adolescente, nos anos cinquenta de Salazar em que Portugal se gabava, também orgulhoso, do pleno emprego, ler um artigo sobre a desgraça dos licenciados desempregados em França, estando muitos deles a fazer de porteiros de hotéis, canalizadores, etc...coisa impensável no nosso país de meia dúzia de doutores. Mesmo agora, nesta crise de muitas centenas de milhar de desempregados (grande parte deles licenciados), muitos preferem encostar-se às paredes, com medo que os parentes lhes caiam na lama…

Tenho pena deles e até lhes desejo boa sorte e emprego rápido. Mas, por outro lado, era bom que mudassem de estratégia e puxassem um pouco mais pela cabeça (e até pelos braços, eventualmente), que a necessidade aguça o engenho, como diz a sabedoria popular, já que os tempos são outros, o estado conta cuidadosamente os tostões, a família não tem posses que permitam aguentá-los indefinidamente sem fazer nada, os emigrantes apanham as migalhas, o funcionalismo público também já deu o que tinha a dar e até as cunhas começam a estar muito falsificadas…

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