quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Crónica enviesada de espectáculo

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

É o dia 12 de Dezembro de 2007. Há pouco, sem querer, navegando distraída e mecanicamente na net, fui parar à frase do dia do Público.pt, a beleza que a seguir transcrevo, com a data do dia 13 e tudo, o que não é de admirar, porque as revistas que se prezam trazem sempre a data antecipada de uma semana, no mínimo…

“Queira-se ou não a Assembleia da República tem má imagem e pouca credibilidade, sendo o órgão de soberania mais desprestigiado. Por múltiplas razões: do facto de ser o mais ‘exposto’ e polémico centro de poder, até ao antidemocrático preconceito contra a instituição”. José Carlos de Vasconcelos, “Visão”, 13-12-2007.

A frase do conhecido e emérito analista não alerta para nada de novo, mas é um interessante ponto de partida para a crónica. Vamos ver o que posso fazer disto.

Antes de mais, pegando na maneira de tratar estes temas pela Comunicação Social, ocorreu-me logo perguntar, como os entrevistadores encartados das nossas TVs aos desgraçados que têm a pouca sorte de lhes cair na rifa:

-De quem é a culpa?

Mas também qualquer senhor deputado em pleno uso das suas prerrogativas, se fosse entrevistado, diria logo, sem papas na língua, mesmo antes de responder directamente ao que quer que fosse:

-Estou de consciência tranquila!...

Está visto. Este estado de espírito acusador da Comunicação Social, simultaneamente polícia, advogado de acusação e juiz, muito mais que informador atempado, preciso, verdadeiro, e isento, faz tremer como varas verdes os incautos que lhe caem nas garras inquisitoriais, não vá o diabo tecê-las…

(Lá estou eu a resvalar para críticas caricaturais à Comunicação Social!)

A verdade é que nem sempre a C.S. pergunta de quem é a culpa, e nem sempre a resposta é a de alguém que se supõe de consciência tranquila.

Hoje, por efeito provavelmente, ou também, das novas tecnologias, a culpa é cada vez mais difícil de atribuir, mesmo com escutas adequadas. E, pelas mesmas razões, com tantos esconderijos técnicos a baralhar-nos, o facto de o indigitado estar de consciência tranquila cada vez mais soa a falsete…

A consciência já deu o que tinha a dar! Ninguém acredita nela. Isso era dantes, na época dos pecados veniais ou mortais, das confissões semanais e pascais e das missas obrigatórias ao domingo, porque as igrejas, nos dias de hoje, ficam meias desertas ou até fechadas por falta de sacerdote ou sacristão, que os bispos e cardeais não são para aqui chamados e só descem às paróquias nos dias de festa…

Ontem, não sei porque carga de água, resolvi sintonizar a TV no Canal 2, programa em directo da Assembleia da República, de certeza aquele que tem menos tele audiência, muito menos, de longe, que as maiores pepineiras que ali se publicitam! Ainda hesitei, por instantes. Valeria a pena estar a perder o meu tempo a ouvir piropos e lugares comuns, à mistura com acusações, devoluções e palmas orquestradas de véspera? Ou ainda a pura propaganda de caça ao voto para inglês ver, claro, porque o português há muito que já não tem pachorra para isso? Muito mais interessante seria ver a «Floribela» ou os «Morangos Com Açúcar», isto para não falar na transmissão de um qualquer desafio de futebol, mesmo da terceira divisão. Mas atrevi-me.

Consegui assim, com algum esforço, aguentar meia hora. Mas deu para confirmar a ideia que tinha em mente e concluir pestes.

Como é possível branquear, como agora se diz, a opacidade da Assembleia da República perante o cidadão comum? Acaso os senhores deputados já se debruçaram sobre isso, ou continuam a pensar que os portugueses são todos analfabetos e incultos, como nos tempos do Eça e do Ramalho, e sempre dispostos a pagar ordenados e reformas acima do comum dos mortais, a troco de uns copos de vinho a martelo? Por que desprezam tão descaradamente aqueles que tanto acarinham na altura de eleições legislativas? Acham que basta dizer ao Zé Povo que trabalham afincadamente no remanso dos gabinetes?

De repente, ocorreu-me uma ideia luminosa. A «malandreca» Comunicação Social bem poderia entreter-se a filmar o trabalho aturado dos senhores Deputados da Nação nos gabinetes, em vez de publicitar os medonhos e caricatos debates da Assembleia, reduzindo esta, no seu areópago, muito simplesmente, às votações rápidas e eficazes dos textos discutidos e burilados nos bastidores, e às sessões solenes! Era o ovo de Colombo!

Não pensei duas vezes. Na minha ingenuidade, e muito rapidamente, meti-me a passar ao papel essa ideia para enviá-la a quem de direito, qual quadratura do círculo, isto sem ofensa para um determinado programa televisivo com três comentaristas encartados mais um lançador de biscas, os quais, de tão conhecidos e repetidos, já só conseguem fixar os olhos atentos de alguns telespectadores distraídos dos anúncios dos restantes canais.

Mas cheguei atrasado. Os portugueses, tirando a gesta da chegada à Índia por via marítima, no primeiro lugar, chegam sempre atrasados! Dei-me conta, simplesmente, de que estava a esquecer a necessidade imperiosa que o Canal 2 tem de preencher o seu largo tempo de emissão, de forma educativa e económica, nesta época de contenção pública de despesas em que os melhores humoristas são pagos a peso de ouro.

E o espectáculo caricato, ou grotesco, proporcionado em certas sessões da Assembleia pelos senhores deputados, já foi pago antecipadamente por todos nós, para uma programação de quatro anos…

Mesmo assim, nessas ocasiões, prefiro a Floribela.

Como a grande maioria dos portugueses, aliás.

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