A cultura da parede
Foi já em 2006 e só agora me lembrei, mas não tem nenhuma importância. Também, passado um ano, ainda não percebo nada de Arquitectura. Não percebo nada de Arte. Continuo sem perceber provavelmente nada de nada. Sou assim e, ainda por cima, o caso aconteceu nas férias do ano passado!
Talvez por isso mesmo é que me parecem estranhas as edificações de formas paralelipipédicas gigantescas, de uma monotonia exterior confrangedora que agora cada vez mais atraem a atenção dos arquitectos cujo objectivo, imagino, é tornarem-se notados e talvez apreciados pela concepção e construção desses monstros tão fora do vulgar… coisa que não conseguiriam nunca fazendo planos de construções normais, em zonas habitacionais normais, para pessoas normais…Também há quem diga que os génios são anormais! Mas eu prefiro ser normal, sem génio, em vez de génio anormal! (Onde foi que eu já ouvi isto?) E a minha idade também já não me permite ir mais além. Perdoem-me, pois, as generalizações próprias da velhice...
Muitos desses blocos de betão gigantescos são agora, segundo as elites da cultura, o expoente máximo da Arquitectura Moderna, fruto de gente iluminada que deseja ficar para a posteridade pela «original» obra feita ou, pelo menos, diferente! Nesta altura do campeonato, o arquitecto que perspective um belo edifício de traça antiga, tradicional, está tramado! Não só pelo gosto actual ditado pelos punks, os pinta paredes e outros mais, mas também por uma certa evolução da arte do ferro e do betão, ultrapassando todos os cânones tradicionais, tal como, embora mais lentamente, a própria Ética, tendo ambas a permissividade total como pano de fundo! Vale tudo…até mesmo tirar olhos! E hoje, com o hábito de encararmos com tantas aberrações artísticas, até começamos a achar graça…até, de tanto nos matraquearem o mesmo, lhes darmos por vezes o nosso aval!
Quem o feio ama, bonito lhe parece!
Claro que esta crítica barata não tem nada que ver com a Ópera de Sidney ou a Gare do Oriente, por exemplo, mas apenas com as tais cartucheiras a armar…
A verdade é que, em Portugal, já não há presidente de câmara que se preze que não mande executar um mamarracho destes, na sua sede de concelho! Tal como as famigeradas rotundas, tão úteis umas vezes, quanto outras levadas ao exagero saloio…
Em Portugal, a moda artística, como as outras, pega com uma facilidade espantosa, porque, quando mija um português, mijam logo dois ou três…
Geralmente, aquilo que é bom não pega assim com tanta facilidade.
Depois do genial Álvaro Siza Vieira se meter a gizar (ou a sizar) uns edifícios de aspecto rectilíneo de duvidosa utilidade prática, mas notáveis pelo exotismo e o feliz enquadramento paisagístico que atraíram a atenção dos «críticos» internacionais da especialidade, logo meia dúzia de outros portugueses se puseram a copiá-lo desalmadamente e agora a cópia vai-se multiplicando, com variantes quase sempre no pior sentido…
Já agora, aproveito para render a minha própria homenagem ao Siza Vieira pela concepção e belo enquadramento da sua Casa de Chá nos rochedos da praia do Cabo do Mundo. Reconheço que, se tivesse arquitectado ali um salão tradicional, teria sido um desastre completo! Apesar de ser um pouco bota-de-elástico, começo já a gostar do Álvaro Siza, que consegue criar obra no local adequado como, recordo ainda, por exemplo, a badalada Pala do Pavilhão de Portugal na Expo 98!
Alguns copistas querem de certo ultrapassar os originais do mestre. E conseguem ao menos morder-lhe os calcanhares, com a ajuda dos tais presidentes de câmara rapidamente transformados em mecenas ou mesmo apreciadores de arte moderna consagrados, entre dois ou três períodos eleitorais. Algumas vezes, as rectilíneas, gigantescas e esquisitas obras lá se vão implantando em praças ou áreas de dimensões razoáveis, destoando do conjunto onde ficam inseridas, mas beneficiando da lonjura da vista…de forma a poderem vir a ser apreciadas, no seu tamanho e bizarria, por gentes futuras muito provavelmente de espírito artístico mais evoluído que o meu.
Mas outras vezes, os presidentes querem imitar a câmara da capital, depois de verem, com alguma inveja, o recuperado Chiado do Siza…ou mesmo o Centro Cultural de Belém, este de aspecto paralelipipédico gigantesco, mas felizmente construído a uma distância adequada dos Jerónimos, do Palácio de Belém e das casinhas dos pastéis! Imaginemos, só por um momento, a sua construção no centro de Alfama! Saia asneira da grossa, como as dos tais presidentes!
Em Sines, abriu há poucos meses a Casa da Cultura, concepção magnífica, num edifício moderno recém construído em betão revestido a mármore róseo, cuja inauguração e aspecto interior pude ver na TV e me deixou muito bem impressionado. Alguma coisa, porém, fez com que na minha mente ficasse um sentimento de desconfiança difícil de explicar…
Há dias, resolvi ir a Sines comer um peixinho grelhado, especialidade da Terra, como já há tempos não fazia. Dirigi-me ao Centro, ao local onde costumava estacionar habitualmente o carro, a escassos trinta ou quarenta metros do restaurante e, depois de virar na curva a seguir ao semáforo, agora rotunda em experiência, dei de caras com uma parede monstruosa de uns vinte ou trinta metros de altura e outra e outra, tudo fachadas lisas, sem janelas…Fiquei, numa primeira impressão, estupefacto! Mas não tive tempo para mais, que alguém já buzinava atrás de mim, obrigando-me a dar a volta ao quarteirão para estacionar.
Regressei a pé e devo dizer que, apesar disso, não desgostei do mamarracho. Mas o conjunto monumental foi construído na zona histórica da cidade, quase no centro, ficando rodeado de ruelas de três metros de largura bordadas de casinhas de um ou dois pisos, com cinco ou seis metros de altura…Os dois blocos paralelipipédicos paralelos, separados entre si por uma viela de dois a três metros, pareceram-me autênticos paredões emparedados por sua vez, na era do automóvel, qual arremedo do Castelo, a uns duzentos ou trezentos metros dali, mais baixo, contudo, com as suas muralhas ameadas, sem janelas, rodeado e preservado, na sua grandiosidade, pelas ruelas e as casinhas da Idade Média onde, à época, circulariam contados peões, cavalos e pequenas carroças.
Um dia destes, logo que possa, vou visitar, interiormente, a nova Casa da Cultura. Faço votos para que venha de lá entusiasmado, já que a sua localização me parece um pleno desastre. Como seria diferente, se tivesse sido construída num área de passeio e lazer, ampla, ajardinada, aprazível…apetecível aos seus prováveis utilizadores!?
Mas pode ser que esteja equivocado e que o senhor presidente da câmara, que já foi um médico de excelência comprovada, tenha razão na sua nova opção artística… De uma forma ou de outra, para a História vai ficar, de certeza!
Provavelmente era o que pretendia…
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