segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

CRÓNICA DE FUSOS HORÀRIOS


O nosso meridiano

Faltam algumas horas para o fim deste 2007, segundo o calendário gregoriano, implantado há séculos na Europa e em boa parte do mundo, mas que outra parte nem conhece. Em Portugal, neste remanso que não dá sequer para ultrapassar, mesmo em pensamento, mais além desta face rectangular com o nariz de Lisboa metido nas águas cada vez mais lodosas do Tejo, a própria hora do fim do ano vem atrasada, relativamente à meia noite britânica que Greenwish irradia para todos os países do orbe, quer queiram, quer não…

Até podíamos estar a par, mas estamos atrasados! Gostamos de estar atrasados!!!

Sei que esta afirmação poderá chocar muitos portugueses, mas é verdadeira, com as excepções normais que só servem para confirmar a regra. Apesar de termos assinado há mais de um século a Convenção de Londres sobre fusos horários, ao lado dos países ditos cultos da época, nunca conseguimos acertar o passo pelo dos nossos mentores ingleses, nem mesmo à custa de todo o Vinho do Porto obtido nas poéticas ribanceiras do Douro, agora mais célebres ainda, depois dos passeios fluviais turísticos com almoço a bordo e dormida em mansões novecentistas…Nem as gravuras descobertas nas margens do afluente Côa, que os agricultores da região há centenas de anos atribuíam a garatujas de garotos ou a pedreiros desocupados, conseguiram mudar este estado de coisas. Alguns dos nossos governantes e políticos, os construtores das barragens e uma boa parte das gentes das povoações vizinhas também embarcaram nessa, colocando ainda mais a nu a nossa pré história cultural que nem a visita interessada do Rei Juan Carlos e de alguns sábios estrangeiros conseguiu encurtar. Os ingleses, nossos velhos aliados de setecentos anos, é que não estiveram com meias e, com gravuras ou sem elas, continuaram a sua apropriação barata das românticas Terras Durienses, em contrapartida exportando para Portugal, por alto preço, cada vez mais garrafas de Chivas Regal e muitas outras marcas que dão classe e charme às festas das Tias e seus Penduras que levam oxigénio aos exclusivos das revistas da fofoca nacional e enchem de vaidade e glória os pobretanas que não têm onde cair mortos…

Mas nem tudo o que os ingleses fizeram em Portugal foi tão pouco interesseiro como o Vinho do Porto… Que eu até gosto deles! Os caminhos de ferro portugueses, construídos com técnicos e materiais importados de Inglaterra, são complementados por traçados meio anacrónicos, devido aos nossos governos de influência partidária parola que os ingleses não puderam ou não quiseram ultrapassar na totalidade, mas onde deixaram marcas profundas, como por exemplo a Estação do Entroncamento, ainda hoje célebre pelo fenómenos que ali ocorrem e a Estação de Nine, o também célebre quilómetro 9 da ligação á Cidade dos Arcebispos, coisas de que os naturais dessas Terras não têm culpa nenhuma. E Podia dizer muito mais.

Uma coisa boa os ingleses tentaram impor-nos, mas que nem o seu poder, nem a sua organização e a sobranceria de Beresford conseguiram: a pontualidade!

Por pirraça, por feitio ou por inépcia, os comboios nunca conseguiram acertar com os horários. Eu penso que foi apenas por uma questão de feitio! Os maquinistas e os fogueiros preparavam as caldeiras com atraso e atrasavam-se a dar o apito de partida. Logo a seguir, e apesar disso, acontecia virem a correr, ao longe, mais uns tantos passageiros e, por último, o barão ou a autoridade que se faziam esperar estrategicamente e sem os quais a composição não tinha ordem de avançar. Nas estações seguintes, a cena repetia-se, com maior ou menor espavento, tornando infrutíferos todos os esforços dos condutores para diminuir, com o habitual desenrascanço durante o trajecto, o atraso final. De nada valeram, durante século e meio de caminho de ferro em Portugal, as centenas ou talvez milhares de relógios mandados colocar nas estações recém construídas, à boa maneira inglesa. Hoje é fácil saber qual o motivo, verdadeiro ovo de Colombo. Na Inglaterra, havia um Big Ben, na Torre do Parlamento, que todo o Governo, Parlamentares, Religiosos e Povo obrigatoriamente respeitavam, enquanto em Portugal tudo era regido pelos relógios de sol, desde o Terreiro do Paço, primeiro, mais tarde desde o Palácio de Belém e do Palácio de São Bento, espectaculares durante parte do dia, mas realmente falíveis a certas horas e com certos climas sócio políticos…Os relógios mecânicos existiam só para decoração.

Como dizia acima, gostamos de estar atrasados! Está explicado que na nossa Terra, se não tivéssemos sol durante o dia, nem luar à noite, funcionaríamos mais certinhos que os ingleses, pois estes também não precisam de sol nem de luar para serem pontuais. E são-no, mesmo com a tradicional bruma, londrina, galesa, escocesa...

A CE ainda tentou dar uma volta na pasmaceira da Europa dos fusos horários, adoptando, realisticamente, uma hora para a maioria dos países, mas também não teve êxito com o País do Sol. Esse valente empurrão não foi suficiente para fazer-nos sair do atraso de uma hora que persistimos teimosamente em manter. Somos valentes!

Logo, pelas onze da noite, os tristes portugueses que nem o sol esplendoroso que têm consegue fazer sair do Fado da Sardinha Assada, nas Hortas, A Horas Mortas, Fora de Portas…por mais que a Mariza se esforce, lá estarão postados em frente às TVs, a ver as folias da meia noite dos Alemães, dos Franceses, dos Ingleses…e preparando-se para dar uma olhadela ao fogo de artifício que o Jardim faz disparar na Madeira, apesar do chroradinho do orçamento, para turista inglês ver e também deixar uns cobres...

Ainda há por aí os que vão ao casino, os que vão às festas e comezainas de arromba, que dias não são dias e, se não se divertem parvamente nesta altura, já nem são gente…

Mas a maioria, logo a seguir às atrasadas doze badaladas nacionais, depois de uns pobres abraços, diverte-se a partir uns cacos velhos (aqueles que ainda os têm!) e a bater nos tachos com força e alegria inauditas para afugentar os espíritos, o melhor da tradição medieval que se pode arranjar por cá...

Já disse coisas a mais.

Vamos brindar ao NOVO 2008, dirão os que podem!

E muitos, infelizmente, nem isso poderão fazer…

domingo, 30 de dezembro de 2007

À BEIRA DO FIM DO ANO


Barrigas de aluguer à hora

Ontem abri a correspondência do correiodamanha@news.xl.pt e fiquei siderado.

Os títulos das notícias apresentadas eram rigorosamente os seguintes:

Gripe das aves já mata entre humanos

Engravidou menina de onze

Violador detido em flagrante pela PSP

Constâncio abre processo criminal

Portagens sobem 3% para ligeiros

Sovado até à morte

Laranja amarga no preço

Família desviou um milhão

Al Qaeda matou Bhutto

Nem uma notícia alegre ou, pelo menos, decente! Mas, pior que isso, era a descrição pormenorizada e, nalguns casos, propositadamente repetida ao longo dos próprios textos, de cada uma dessas notícias onde a sujeira, a pouca vergonha, a imoralidade total, o radicalismo sem contemplações eram postos a nu com insistência, como se nós não estivéssemos todos fartos dessas porcarias até à medula dos ossos! Ou ainda haverá alguém que não esteja?

Na realidade, que têm feito os senhores da C. S. durante estes anos todos, senão bombardear os leitores e os ouvintes com estas tristezas, a todo o momento e cada vez mais, com a justificação peregrina de que têm o dever de informar, já que a sua liberdade de informação é ilimitada e não pode ser coartada em nome seja do que for, porque os clientes exigem uma informação completa, isenta, de todos os factos…

Exigirão de facto?

Não conheço o Código Deontológico dos Jornalistas. Apenas conheço o Código Geral do Bom Senso que é comum a todos os humanos. E ele diz-me que informar provém de formar. Também me diz que, a informar, se pode desinformar, deformar e muitas outras coisas mais. Por arrastamento, já agora, também se aprende, mesmo sem querer, que a própria palavra formar pode ser utilizada com sentidos menos dignificantes, moralmente falando.

Não vale a pena alongar-me neste lamaçal de porcarias em que a C. S. justificadamente, segundo clama, se mete e quer meter-nos à força, pois não acredito que o cidadão comum bem formado goste de chafurdar nelas, de livre vontade...Fá-lo porque já quase não lhe deixam alternativa! As coisas boas quase não são publicadas, ou são-no com relevo diminuto.

Ontem, pois, ficara sem coragem. Hoje, último domingo do ano e um pouco mais animado, resolvi pesquisar na net qualquer coisa de jeito, na barafunda das notícias….

Para não variar muito, e talvez pela força do hábito, fui direito aos artigos de opinião dos nossos diários ditos de referência. Saltou-me aos olhos, imediatamente, o tom crítico dos franco atiradores encartados, com os seus artigos apontando a tudo o que mexe, fuzilando os seus inimigos de estimação em serviço, naquela senha partidária que na sua cegueira chamam isenção e que caracteriza os invejosos que nada criam, mas tudo deitam abaixo, na sua filosófica sapiência moralista de terra queimada em que, se não é para mim, não é para mais ninguém…Ou então, na sua fingida humildade: só eu sei que nada sei…mas os outros ainda sabem menos!

Depois de correr as diferentes capelinhas da elite jornalístico partidária, seleccionei um artigo de N. B. S. no Diário de Notícias, porque o seu título condizia um tanto com a passagem do ano tradicional e não me arrependi. Chamava-se «À beira das doze passas» e não metia guerras, assaltos roubos, corrupção, mas apenas fazia uma recolha das últimas e anedóticas tricas partidárias produzidas sobre o BCP e a CGD. Do mal o menos, apesar de já estar farto desta guerra de fofoca e respectivos comentários oportunistas que não é a minha. Mas foi o melhor que consegui. Parabéns ao N. B. S!

Saltei para o Público e, logo a frase da semana chamava a atenção para: «A cabeça dos portugueses», da autoria de V. P. V. E não resisti a imaginar o belíssimo espectáculo que se antevê na frase:

"Olhando para a televisão e para os jornais do fim do ano é verdadeiramente desolador verificar em que é que os portugueses ocuparam a cabeça em 2007."

Não pude ler o artigo de opinião, porque o Público só permite, estrategicamente, a sua leitura aos assinantes e eu já estou velho para me enfeudar a grupos que se arvoram de liberdade plena, sempre apregoada, mas encapotadamente a mantêm condicionada. Mas não devo errar se disser que se trata de mais um texto derrotista de bota-abaixo, com que este articulista usa mimar-nos.

Também já não tenho pachorra para comentar esses quadros derrotistas sistemáticos de quem parece que não sabe escrever doutra maneira ou sobre mais nada…e é pena, porque sabe, eu sei que até sabe e bem!

O último título que seleccionei vem em vários jornais e refere-se a uma graçola de A. B. na TV. O A. B. desde há uns anos a esta parte, quase só se dedica a zurzir em todas as direcções, mas especialmente naquela que engloba o partido que está no Governo, de que ele até já foi ministro, há bastantes anos:

«Sócrates foi a barriga de aluguer…» de Angela Merckel !

Já tinha ouvido e lido vários mimos ao Primeiro Ministro, a propósito das coisas mais diversas. Os sindicalistas, por exemplo, e o povo sofredor chamam-lhe ladrão, de vez em quando; as oposições e os patrões, aldrabão e mentiroso! Os juízes chamam-no tirano e anticonstitucionalista; os professores e os universitários, ignorante. Há dias, um senhor do C. M., despeitado pelo êxito de Sócrates na cimeira de Lisboa, chamava-lhe o faxineiro de serviço da C. E., entre outras formosuras.

Mas essa de barriga de aluguer, é o máximo! A P. M. alemã era a Mãe legítima do tratado, ela é que tinha feito todos os esforços para concebê-lo, Sócrates não passava de um oportunista, candidato a ganhar uns tostões, uns encómios…etc., que o seu trabalho e o de Portugal, ao contrário do que dizia a propaganda, fora zero! Fiquei muito triste. Mais triste do que quando ouvira alguém dizer, uma semana atrás, que Portugal, isto é, o Sócrates, tinha tirado o coelho da cartola…e depois já não tinha tirado, etc.

Portugal está bem entregue, nas mãos de tais «expert» da política jornalística caseira, como agora se diz no inglês da América que nos vai colonizando, a par do Brasil, querendo significar hábil, perito, conhecedor, autorizado, versado, entendido, experto, do latim expertu, donde provem o nosso idioma e a tal palavra inglesa usada na imprensa lusa a torto e a direito! Mas expertu (ou melhor expergitu) também deu, em português a palavra esperto, no sentido de acordado, fino, activo, vivo, vivaço, astuto, matreiro! É neste sentido que devem ser chamados os citados derrotistas de serviço em actividade, pois nestes tempos de inseminação artificial, já não há inconcebíveis! E expertos, cada vez eles me parecem menos…

Façamos votos para que o Novo Ano de 2008 seja melhor que este que amanhã acaba, com este governo ou com outro qualquer, que não estou inscrito em nenhum partido, corporação, maçonaria, ordem religiosa, loby empresarial ou bancário, ou sequer alguma capelinha de interesses ocultos…Faço a gestão muito, muito cautelosa da minha reformazita e já chega. Até que Deus queira!

E que viva Portugal, para além de certos sábios, faxineiros e chico espertos em barrigas de aluguer que se perfilam por aí, a escrever artigos à hora!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A FRASE E O COMENTÁRIO

A FRASE

"A administração fiscal converteu-se numa organização cujo principal objectivo é gerir com eficácia um aparato burocrático e legislativo dedicado a extorquir dinheiro aos cidadãos". Manuel Carvalho, PÚBLICO, 23-11-2007

Carta ao Director do Público(23-11-2007…22:29)

:publico@publico.pt

Senhor Director:

Li com alguma apreensão a frase do dia 23-11, escolhida pelo Público, sobre um «aparato burocrático e legislativo dedicado a extorquir dinheiro aos cidadãos». Já tenho lido coisas piores, mas esta também não tem graça. Não conheço, nem boa parte dos leitores, o contexto em que a frase foi escrita mas, de qualquer maneira, fez-me lembrar um e-mail que recebi, pedindo cadeia de transmissão a prevenir os amigos, a propósito dos «criminosos» radares instalados nas portagens das auto-estradas, proporcionando multas de 150 euros ou até a retenção da carta, aos passadores além dos 60Km horários estipulados…

Não há dúvida que Portugal é um país de brandos costumes e, sobretudo, de uma permissividade tradicional relativamente ao cumprimento das leis. Os cidadãos entretém-se, nas horas vagas, a descobrir ou publicitar a maneira de transgredi-las. Só faltava, já agora, a Imprensa também a colaborar nessa rebaldaria, demitindo-se, mais uma vez, da sua função de formação do cidadão comum!

Uma frase como aquela, uma vez escolhida, merecia, por isso mesmo, o comentário adequado, da parte do jornal. É evidente que, se todos os cidadãos pagassem honradamente as suas contribuições, quase poderíamos dispensar a tal máquina burocrática…a fazer o papel de polícia. E assim, talvez cada um de nós pagasse um pouco menos…

Eis Portugal no seu melhor!

Os melhores cumprimentos.

J.Rodrigues

Alfragide


2006, o ano das escutas


Crónica de Camões e do Envelope 9

«Estava a linda Inês posta em sossego,

De seus anos colhendo doce fruto» …

Era assim que Camões, nos imortais Lusíadas, iniciava a sua descrição do drama de Inês de Castro, vítima de um certo nacionalismo exaltado, bacoco e intriguista que haveria de fazer escola no nosso país, desde a época da consolidação da independência até aos nossos dias, sete séculos depois dessa saga!

Os sopradores de segredos da Inquisição, os lacaios dos intendentes do reino, os agentes da PIDE e tantas outras figuras que vieram protegendo a Pátria ao longo dos séculos, dos inimigos internos e externos, deram lugar, nos dias de hoje, à espionite dos telemóveis dos cidadãos pelas polícias, a coberto de licenças judiciais por vezes fictícias, oportunistas, rocambolescas, incríveis.

Milhares e milhares de escutas telefónicas são, por sua vez, devidamente autorizadas, recolhidas, seleccionadas e ouvidas…por uns quantos gatos pingados, os esforçados donos da verdade que nem tempo têm para ler as montanhas de processos que se acumulam nas suas secretárias, quantas vezes destinadas à prescrição legal…

Eu prensava, antes de ver nos jornais, quase diariamente, o repertório das escutas secretas passado na praça pública, que a figura do bufo tradicional no nosso país tinha sido ultrapassada, com o 25 de Abril. Enganava-me redondamente. A situação agora é muito mais refinada!

Cassetes da justiça na posse de particulares, documentos de tribunais nos caixotes de lixo dos ecopontos, envelopes com listas de chamadas interceptadas e certamente ilegalmente violadas por quem de direito, segredos de justiça publicados na praça pública todos os dias por esses famigerados jornalistas que iriam roubá-los à polícia, aos magistrados, aos tribunais, segundo autoridades judiciais estrategicamente incapazes de guardá-los a sete chaves, ou de efectuar inquéritos… bizarra forma de resolver problemas em Portugal!

D. Afonso IV deixou-se levar pelos patrioteiros da ocasião que na sua óptica eram excelentes e avisados patriotas. Naquele tempo não havia computadores, nem cassetes, nem telemóveis, mas as ordens, boas ou más, eram de execução mais célere e a justiça não era exímia em fugas estratégicas de segredos, nem deixava nunca prescrever os prazos.

«Tal contra Inês os brutos matadores» …

Continuava assim Camões, com puro realismo, mostrando que na época os costumes eram bárbaros, tão bárbaros como hoje são permissivos desde o cidadão comum até à própria justiça que deles e para eles é feita.

O caso do envelope 9 e do inquérito que se lhe seguiu, relatado pela imprensa nacional até à saciedade, é o caso mais vergonhoso de incompetência de uma Procuradoria a cargo, segundo se diz e eu creio, de homens honestos e bem intencionados, muito à portuguesa, como sempre, neste Portugal dos Pequeninos… que de boas intenções está o mundo cheio!

E assim, cá nos vamos mantendo, como já dizia o mesmo Camões nos fins do século XVI, nas vésperas da entrega do reino aos espanhóis:

«Nesta apagada e vil tristeza» …

A ARTE EM FÉRIAS

A cultura da parede


Foi já em 2006 e só agora me lembrei, mas não tem nenhuma importância. Também, passado um ano, ainda não percebo nada de Arquitectura. Não percebo nada de Arte. Continuo sem perceber provavelmente nada de nada. Sou assim e, ainda por cima, o caso aconteceu nas férias do ano passado!

Talvez por isso mesmo é que me parecem estranhas as edificações de formas paralelipipédicas gigantescas, de uma monotonia exterior confrangedora que agora cada vez mais atraem a atenção dos arquitectos cujo objectivo, imagino, é tornarem-se notados e talvez apreciados pela concepção e construção desses monstros tão fora do vulgar… coisa que não conseguiriam nunca fazendo planos de construções normais, em zonas habitacionais normais, para pessoas normais…Também há quem diga que os génios são anormais! Mas eu prefiro ser normal, sem génio, em vez de génio anormal! (Onde foi que eu já ouvi isto?) E a minha idade também já não me permite ir mais além. Perdoem-me, pois, as generalizações próprias da velhice...

Muitos desses blocos de betão gigantescos são agora, segundo as elites da cultura, o expoente máximo da Arquitectura Moderna, fruto de gente iluminada que deseja ficar para a posteridade pela «original» obra feita ou, pelo menos, diferente! Nesta altura do campeonato, o arquitecto que perspective um belo edifício de traça antiga, tradicional, está tramado! Não só pelo gosto actual ditado pelos punks, os pinta paredes e outros mais, mas também por uma certa evolução da arte do ferro e do betão, ultrapassando todos os cânones tradicionais, tal como, embora mais lentamente, a própria Ética, tendo ambas a permissividade total como pano de fundo! Vale tudo…até mesmo tirar olhos! E hoje, com o hábito de encararmos com tantas aberrações artísticas, até começamos a achar graça…até, de tanto nos matraquearem o mesmo, lhes darmos por vezes o nosso aval!

Quem o feio ama, bonito lhe parece!

Claro que esta crítica barata não tem nada que ver com a Ópera de Sidney ou a Gare do Oriente, por exemplo, mas apenas com as tais cartucheiras a armar…

A verdade é que, em Portugal, já não há presidente de câmara que se preze que não mande executar um mamarracho destes, na sua sede de concelho! Tal como as famigeradas rotundas, tão úteis umas vezes, quanto outras levadas ao exagero saloio…

Em Portugal, a moda artística, como as outras, pega com uma facilidade espantosa, porque, quando mija um português, mijam logo dois ou três…

Geralmente, aquilo que é bom não pega assim com tanta facilidade.

Depois do genial Álvaro Siza Vieira se meter a gizar (ou a sizar) uns edifícios de aspecto rectilíneo de duvidosa utilidade prática, mas notáveis pelo exotismo e o feliz enquadramento paisagístico que atraíram a atenção dos «críticos» internacionais da especialidade, logo meia dúzia de outros portugueses se puseram a copiá-lo desalmadamente e agora a cópia vai-se multiplicando, com variantes quase sempre no pior sentido…

Já agora, aproveito para render a minha própria homenagem ao Siza Vieira pela concepção e belo enquadramento da sua Casa de Chá nos rochedos da praia do Cabo do Mundo. Reconheço que, se tivesse arquitectado ali um salão tradicional, teria sido um desastre completo! Apesar de ser um pouco bota-de-elástico, começo já a gostar do Álvaro Siza, que consegue criar obra no local adequado como, recordo ainda, por exemplo, a badalada Pala do Pavilhão de Portugal na Expo 98!

Alguns copistas querem de certo ultrapassar os originais do mestre. E conseguem ao menos morder-lhe os calcanhares, com a ajuda dos tais presidentes de câmara rapidamente transformados em mecenas ou mesmo apreciadores de arte moderna consagrados, entre dois ou três períodos eleitorais. Algumas vezes, as rectilíneas, gigantescas e esquisitas obras lá se vão implantando em praças ou áreas de dimensões razoáveis, destoando do conjunto onde ficam inseridas, mas beneficiando da lonjura da vista…de forma a poderem vir a ser apreciadas, no seu tamanho e bizarria, por gentes futuras muito provavelmente de espírito artístico mais evoluído que o meu.

Mas outras vezes, os presidentes querem imitar a câmara da capital, depois de verem, com alguma inveja, o recuperado Chiado do Siza…ou mesmo o Centro Cultural de Belém, este de aspecto paralelipipédico gigantesco, mas felizmente construído a uma distância adequada dos Jerónimos, do Palácio de Belém e das casinhas dos pastéis! Imaginemos, só por um momento, a sua construção no centro de Alfama! Saia asneira da grossa, como as dos tais presidentes!

Em Sines, abriu há poucos meses a Casa da Cultura, concepção magnífica, num edifício moderno recém construído em betão revestido a mármore róseo, cuja inauguração e aspecto interior pude ver na TV e me deixou muito bem impressionado. Alguma coisa, porém, fez com que na minha mente ficasse um sentimento de desconfiança difícil de explicar…

Há dias, resolvi ir a Sines comer um peixinho grelhado, especialidade da Terra, como já há tempos não fazia. Dirigi-me ao Centro, ao local onde costumava estacionar habitualmente o carro, a escassos trinta ou quarenta metros do restaurante e, depois de virar na curva a seguir ao semáforo, agora rotunda em experiência, dei de caras com uma parede monstruosa de uns vinte ou trinta metros de altura e outra e outra, tudo fachadas lisas, sem janelas…Fiquei, numa primeira impressão, estupefacto! Mas não tive tempo para mais, que alguém já buzinava atrás de mim, obrigando-me a dar a volta ao quarteirão para estacionar.

Regressei a pé e devo dizer que, apesar disso, não desgostei do mamarracho. Mas o conjunto monumental foi construído na zona histórica da cidade, quase no centro, ficando rodeado de ruelas de três metros de largura bordadas de casinhas de um ou dois pisos, com cinco ou seis metros de altura…Os dois blocos paralelipipédicos paralelos, separados entre si por uma viela de dois a três metros, pareceram-me autênticos paredões emparedados por sua vez, na era do automóvel, qual arremedo do Castelo, a uns duzentos ou trezentos metros dali, mais baixo, contudo, com as suas muralhas ameadas, sem janelas, rodeado e preservado, na sua grandiosidade, pelas ruelas e as casinhas da Idade Média onde, à época, circulariam contados peões, cavalos e pequenas carroças.

Um dia destes, logo que possa, vou visitar, interiormente, a nova Casa da Cultura. Faço votos para que venha de lá entusiasmado, já que a sua localização me parece um pleno desastre. Como seria diferente, se tivesse sido construída num área de passeio e lazer, ampla, ajardinada, aprazível…apetecível aos seus prováveis utilizadores!?

Mas pode ser que esteja equivocado e que o senhor presidente da câmara, que já foi um médico de excelência comprovada, tenha razão na sua nova opção artística… De uma forma ou de outra, para a História vai ficar, de certeza!

Provavelmente era o que pretendia…

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A ASAE

Alguns comentários dispersos

Durante bastantes anos, a ASAE, ou outro organismo equivalente com obrigação de inspeccionar as lojas, firmas, empresas, explorações da cadeia alimentar, lá ia cumprindo de mansinho a sua obrigação, tão de mansinho que uma boa parte dos vendedores nem davam por ela e os consumidores passavam a vida a atirar pedras à sua quase total ineficácia.

Pode parecer um exagero esta minha afirmação, mas a forma de estar em Portugal, geralmente enquadra-se no meio, bem no meio das circunstâncias. A ASAE não fugia à regra. Para uns, não actuava…e ainda bem. Para outros, não actuava, nem era de estranhar…e era o pior que podia fazer!

Se havia indícios de intoxicação alimentar nalguma escola, a culpa era da ASAE que não fazia nada…

SE as bolas de Berlim vendidas na praia, ou os pastéis de nata da pastelaria da esquina eram uma porcaria origem de futura diarreia, a culpa era da ASAE que só fiscalizava onde não era necessário…

SE as bicas do café eram servidas em chávenas com as marcas labiais de cliente anterior, a culpa era da ASAE que passava o tempo a jogar a bisca em vez de trabalhar como devia…

Se a ASAE deixava passar batatas podres, couves azedas, azeite de vários graus de acidez, a culpa era da ASAE que provavelmente deveria receber luvas dos agricultores, transportadores, distribuidores ou vendedores…

Se milhares de estabelecimentos, por esse país fora, estavam de portas abertas sem alvará, porque as Câmaras demoram anos a concedê-lo sem uma justificação plausível, a culpa era da ASAE que tudo permite…

Se, no campo da restauração, como agora se diz, os cidadãos não ligavam à lei, nem cumpriam as regras de higiene, nem pagavam os impostos devidos, a culpa era da ASAE

Podia estar aqui a apresentar situações conhecidas que encheriam páginas e páginas.

Não vale a pena. Primeiro, porque as situações irregulares são do conhecimento geral e depois porque muito boa gente ainda se riria na minha cara!

É o que está a acontecer com os cumpridores funcionários da ASAE que desde o princípio do ano, puseram de lado a conhecida e tão criticada permissividade e resolveram agir com um mínimo de rigor, ante situações aberrantes…que eram muitas.

Dura lex, sed lex!

A verdade é que, logo depois de uma breve época de aplausos, A ASAE se tornou rapidamente no alvo da crítica geral, no seu ataque sem piedade aos coitadinhos, aos artesãos às empresas familiares, aos feirantes, às tascas, aos ambulantes…e nem o encerramento compulsivo de um conhecido hipermercado conseguiu minorar o estigma já aplicado de só atacar os pobres e favorecer os poderosos…

A guerra passou a correr também na Internet, sobretudo a seguir a um discutível artigo jornalístico de A.B. no Público, culpando por atacado a ASAE, o Governo e sobretudo a CE, a que estávamos escravizados, e nos iria impedir de comer as couves do quintal e as bolas de Berlim do vendedor da praia, e obrigar a tomar a bica em copo de papel, tudo por motivos higiénicos, mas principalmente por pressão encapotada das grandes empresas dos países industrializados, etc…

Uma corrente de e-mails foi logo posta a circular, recolhendo assinaturas de protesto para entregar a um ministro qualquer…a defender hábitos antigos dos portugueses, mas sobretudo os pequenos comerciantes, os pequenos agricultores, os pequenos fornecedores, os pequenos infractores, etc., a pedir a remodelação do Governo que dava ordens brutais à ASAE, finalmente a demissão do seu director, a aprovação de leis e regulamentos mais humanos.

Paralelamente a este pedido com aspecto humanitário a que os portugueses são sempre extremamente sensíveis, recebi alguns e-mails reclamando em especial o caso da bica em copo de papel, um atropelo ao mais elementar tradicionalismo nacional! O mesmo ainda quanto ao fim anunciado da bola de Berlim vendida na praia por ambulantes e ao pastel de nata avulso, sem embalagem, crimes difíceis de perdoar…

A tasca da esquina que não lava as chávenas como deve ser, a mulher que faz os pastéis em casa, para meia dúzia de pastelarias de bairro, e o vendedor das bolas de Berlim cuja mulher trabalha de noite para encher a caixa que ele traz ao ombro, todos têm direito à vida, mesmo que a sua higiene por vezes deixe muito a desejar! Concordo, mas não sei como dar a volta ao texto!

Tinha eu uns doze ou catorze anos e apreciei casualmente, quando ia para o liceu, uma atitude «bárbara» dos fiscais que, tendo analisado sumariamente duas bilhas de leite de uns vinte litros cada uma, derramaram o líquido ali mesmo, no esgoto da valeta, ante os gritos das duas leiteiras e o protesto de vários populares indignados, sendo as infractoras obrigadas, ainda por cima, a ir ao posto de polícia…Só muito mais tarde percebi a essência do problema e, já na Faculdade, aprendi a investigar sumariamente aquela fraude, além do mais, nojenta e perigosa para a saúde pública, agora, no nosso tempo tornada incompreensível, com o leite homogeneizado, pasteurizado, conservado, analisado e embalado higienicamente em pacotes individuais selados, etc.

Lembro-me de que uma das pragas dessa época era o tifo, doença a que hoje nem damos já grande importância, nem à febre de Malta, nem ao carbúnculo, nem às diferentes febres intestinais, nem mesmo à tuberculose e a várias outras tão correntes num passado recente. Embora muito se deva aos antibióticos na erradicação e cura dessas maleitas, a verdade é que o factor principal no seu quase desaparecimento é a mudança radical dos conceitos de higiene e a sua aplicação, nem sempre pacífica!

Quem não se lembra do arroz guardado no depósito de madeira da mercearia, aviado aos clientes tanta vez cheio de gorgulho?

Quem não se lembra de um certo decreto de um passado recente que, contra gregos e troianos, obrigou os padeiros a manusear o pão com luvas ou sacos de plástico?

Ainda se vê por aí, apesar do enorme progresso verificado neste campo, muita porcaria tolerada. Há uns oito ou dez amos, máximo, fui convidado por um grupo de apreciadores de sabores divinais, a uma visita a uma conhecida casa de petiscos muito apreciados, no centro da Amadora, com uma clientela enorme, tão grande como as pequenas instalações situadas numa cave de acesso difícil, sem exaustão, onde se fazia fila desde a rua, pela escada de caracol, para arranjar mesa…Mesas e cadeiras eram de pinho mascarrados de nódoas de todas as cores, sem toalhas nem guardanapos, com pratos meio partidos, rasos de passarinhos fritos trazidos da fritadeira a gás postada em frente sobre um balcão de aspecto indescritível, tanto como o chão, as paredes e o tecto baixo de cimento grosseiro, tudo pintado de óleo queimado por todos os lados. Num dos cantos, um pipo de cinquenta litros fornecia vinho servido em copos a escorrer de água do enxaguamento prévio num alguidar. As carcaças eram atiradas sem cerimónia para as mesas dos comensais pelo dono e a mulher, ambos de aspecto desagradável e mãos com unhas avantajadas e de luto. Os ossinhos eram despejados num saco aberto dentro de um balde, no outro canto…

Provei apenas um passarinho frito, não me atrevi a beber o que quer que fosse e fiz um esforço tremendo para permanecer uma meia hora no local…jurando, à saída, para nunca mais.

Mas, na minha óptica, quem tem culpa de tudo isto não é a ASAE! Somos todos nós que pactuamos com estas mixórdias, que não as denunciamos ou até as escondemos, que defendemos os infractores e até os elogiamos, e pomos os fiscais nas ruas da amargura!

A nossa permissividade quanto à execução das leis é bem conhecida. Tão depressa queremos condenar os criminosos a prisão perpétua por dá cá aquela palha, como os fazemos de coitadinhos, frutos de um momento menos feliz, vítimas indefesas da sociedade ou até das autoridades…

Julgamos na base da lei, mas conforme a ocasião e as conveniências. É como se houvesse várias leis, dentro da mesma!

Há dois ou três meses, um conhecido criminalista da nossa praça e simultaneamente presidente de uma Câmara, escreveu um artigo comentando o exagero, o despropósito, que ele achava cómico, de alguns fiscais da ASAE que tinham feito intervenções na feira da sua localidade de gente tranquila, vestidos de colete anti-bala…

Mandei-lhe o meu comentário, compreendendo a sua posição de autarca defendendo e protegendo os seus munícipes que nele votam, mas discordando da sua opinião, acrescentando que eu, se fosse fiscal honesto e não alinhando em corrupções de ocasião, nos dias que correm, faria o mesmo! Que é preferível ser criticado por vestir o colete, do que chorado por levar um balázio no peito!

A ASAE que se cuide!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

CRÓNICA DO DIA 26


O dia 26 de Dezembro de 2007

Liguei a televisão. Os canais de referência transmitiam excertos das alocuções do Cardeal e do Papa que na Basílica de São Pedro, em Roma, pregara a paz a um mundo displicente e incrédulo, representado na enorme praça por público de diversas nacionalidades, como é hábito, desta vez acomodado também em torno de uma árvore de Natal de razoáveis dimensões…sinal dos tempos.

Escutei o essencial, mas já não tive paciência para assistir até ao fim do programa alongado propositadamente para encher tempo, na ausência de acontecimentos de vulto, nesta altura em que toda a gente está de férias, mesmo que não queira!.

Fartei-me de correr canais, mas nada me entusiasmou. Resolvi sair.

Calcorreei a rua na direcção da papelaria do mini centro comercial próximo da minha casa. O sol já começava a aquecer e, não obstante uma pequena aragem que soprava fresca, o tempo não estava desagradável, o que favorecia a minha boa disposição, naquele momento.

Subi lentamente a meia dúzia de degraus de acesso à porta principal…

Uma folha de papel A4 colada na face interior da vidraça, avisava, em letras maiúsculas manuscritas e mal amanhadas:

NÃO DEMORO

VOLTO JÁ

Eu próprio é que dei uma volta pelo mini centro, convencido de que a funcionária, como é hábito neste país de pequenos vícios, teria abancado tranquilamente a tomar a bica das onze… os clientes que se tramassem, até podiam esperar um pouquinho!

As pequenas cafetarias estavam às moscas e, apenas em frente da Botaminuto, a dona ou sócia da ourivesaria onde vou trocar as correias do relógio de pulso, cada vez mais caras e mais ordinárias, coscuvilhava com a dona da loja dos periquitos (que nunca vi vender nada, já que os tempos não estão para passaradas desnecessárias), ao som das marteladinhas certeiras do sapateiro de consertos rápidos que, nos intervalos ia fazendo chaves com perícia, para alguém com pressa, com os dedos ainda besuntados de cola.

Atrevi-me a interromper aquele quadro cinzento de gangas dos pés à cabeça e caras tristes de fraco negócio, ainda para mais de ressaca da noite de consoada e da comezaina da véspera:

-Desculpem, minhas senhoras, por acaso não sabem dizer-me se a dona da papelaria ainda demora muito? Nos cafés, já vi que não está…

-Não vale a pena esperar por ela, senhor! Hoje não vem. A loja não abre!

-Mas tem um papel na porta…

-Mas não vem! Deve ter-se enganado…

Apetecia-me sentar uma meia hora, na esplanada, ao sol, onde havia muitas mesas vazias e um único utilizador matinal mas, sem jornal, nada feito.

Contornei o Centro Comercial dos Moinhos e dirigi-me, quase como autómato, ao Supermercado São Pedro, que além das muitas variedades de géneros alimentícios, também vende canetas bic, pilhas para lanternas de emergência, jornais e revistas. Estava salvo. Mas foi só por um triz! O dono já andava a recolher os jornais, as revistas e os cadernos de sudoku e amarrava-os com a força desalmada de um danado, depois de uma valente joelhada a aconchegar…

Tinha escapado o Diário de Notícias. Surripiei rapidamente um exemplar do monte e dirigi-me à única caixa de serviço, cuja funcionária me olhou de cima para baixo, com ar de comiseração, acentuando, antes que eu me arrependesse ou a cliente seguinte pusesse as cenouras e as carcaças no tapete rolante:

- Um euro e vinte e cinco!

Ainda tive ânimo para arquitectar a minha vingançazinha merecida, já meio a sorrir para dentro:

-Não tenho trocado! Só vinte euros...

-Não faz mal. Eu troco!

E, num momento, passou-me para as mãos um monte de moedinhas de várias valências que a muito custo consegui meter no porta-moedas que ficou como um trambolho e a pesar que eu sei lá, no bolso do lado esquerdo. Ainda me apeteceu reclamar que não queria nada daquilo, que só aceitava um troco decente, que ela tinha obrigação, etc.

Mas a verdade é que fora habilmente driblado pela espertalhona, nos meus antecipados intentos vingativos!

Sai para a rua com o jornal meio dobrado, a tentar, no meu passo miudinho, não agitar muito as folhas, de forma a ir lendo as gordas. Não havia vento, nem pessoas nos passeios. Que agradável!

Toda a área era minha, mas, logo a cinquenta metros, dobrada a esquina, tudo se altera. Junto a um prédio próximo do meu, com as janelas de vários andares completamente abertas, um carro de bombeiros e uma ambulância manobravam, rodeados por um aglomerado estranho de figuras de diversas idades, a maioria em pijama…algumas de máscara de oxigénio colocada na boca, a combater os efeitos de uma possível intoxicação pelo fumo…

Não quis averiguar o sucedido, deixando essa tarefa para os correspondentes coscuvilheiros e repórteres de serviço. Regressei a casa, com o elevador felizmente já reparado da avaria de véspera, que os degraus são muitos e a minha idade já não está para avarias. E fiquei na sala, sossegadinho, a ler as últimas do dia, até que a minha mulher me chamou para o almoço a dois!

Como me parecia longe o dia de Natal da véspera, com a família toda reunida aos beijos e abraços, os netos em volta do Pai Natal que distribuía as prendas, os flashes de diversas máquinas digitais fazendo competição com as luzes dos candelabros, da árvore, das velas, da fibra óptica e até dos isqueiros de alguns inveterados fumadores…que naquele dia tudo é alegria, tudo se perdoa!

Fico por aqui. Estou a ficar triste.

Lembrei-me de que tenho cerca de duzentas fotos no cartão de memória da Pentax miniatura que me salva nestas ocasiões, para ver e guardar no computador. Como é bom voltar atrás, por momentos, nem que seja em sonhos, quero dizer, em fotografias!...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Crónica circunstancial…

A VÉSPERA DO NATAL DE 2007

Com uma catarreira dos diabos e já farto de estar em casa a curtir conversas de ocasião, queixinhas sobre a colocação dos presentes junto ao tronco da árvore chinesa, e muitas outras coisas que não são para aqui chamadas, decidi sair, com destino inimaginável, a arejar….

O carro estava na rua, à minha espera, frio como gelo, o que fazia com que a minha tossidela se repetisse, cada vez com intervalos mais curtos. Mas esta carripana tem a sua solução própria e banal para estas coisas, pondo a funcionar, logo após a ignição, o ar condicionado automático, sempre regulado nos 22 graus, quentinho, como eu gosto. Ainda não consegui averiguar por quê, uma série de cerca de uma dúzia de espirros seguidinhos começa de mansinho, acelerando sempre a cada esforço que faço para acabar com ela, acabando subitamente, tão enigmaticamente como começou.

Claro que essa temperatura memorizada no automático não tem discussão quando ando sozinho. Mas, se a minha mulher vai ao lado, a sua primeira queixa é de que há calor em excesso e eu devo baixá-la:

-Como podes aguentar isto?

É escusado retorquir que o termómetro do exterior marca apenas 10, que eu sou friorento por natureza, como ela muito bem sabe, etc. Ouve e dá logo a sua sentença:

-Se não queres baixar a temperatura, vira os deflectores todos na tua direcção, que eu não posso receber esse ar quente directamente na cara.

Não tenho outro remédio. Então o fluxo de ar penetra-me nas narinas com alguma violência e começo a espirrar, a espirrar, a espirrar…E ela diz, então:

-Quando é que acabas com isso? Faz um esforçozinho…inspira com força e aguenta…não tens mesmo jeito nenhum! Outra vez…

A verdade é que, quando os espirros são fortes e a série demora mais tempo a passar, fico momentaneamente sem ver nada e o carro é guiado no piloto automático.

-Cuidado! Que se passa contigo? Quase ias para cima daquele carro…

Então eu passo-me e ameaço:

-Se não te calas, paro o carro mesmo aqui!

E ela, sem me dar tempo de executar a manobra:

Isso era o que devias ter feito, antes de sair do estacionamento! Que inconsciência! E agora, com este movimento e sem bermas, como queres parar?

-Não sei! Em cima da tua cabeça! Attt…chim!...

E, como por encanto, acabou a série.

Tal como agora, em que ia sozinho.

No primeiro cruzamento virei à esquerda, depois à direita, logo a seguir de novo à esquerda, automaticamente e, quase sem dar-me conta, encontrei-me metido numa fila enorme de carros, donde já não conseguia sair, na direcção de um grande centro comercial! Após dez ou quinze minutos de para-e-arranca, lá me decidi, que remédio, a procurar um lugar bem racionado num dos pisos do gigantesco estacionamento, tarefa bem difícil.

Estes dias, véspera de Natal, nas grandes cidades, são o diabo! Fica mal trazer o nome deste sátiro para o texto, numa altura em que toda agente deveria lembrar o nascimento do Menino-Deus. Mas, paciência! Até Jesus a perdeu ante os vendilhões do Templo! E quem sou eu para não barafustar com as filas de trânsito, nem com o vizinho que estacionou ao meu lado e roçou no guarda-lamas, nem com a menina da caixa que é uma lesma a despachar os clientes que me antecederam na fila interminável, nem com os carros que vão à minha frente colados uns aos outros, que não andam nem fazem sinais, finalmente com o comando da garagem que deve ter as pilhas a dar o berro…

Numa boa meia hora a roçar com os braços nos restantes compradores do hipermercado onde fora aterrar, a ouvir projectos, reclamações, queixas, gritos de crianças impacientes e censuras de adultos, muito mais…tornados visíveis e audíveis em vários idiomas, menos em chinês, lá consegui comprar uma tablete de chocolate fabricada pela Nestlé e importada da Alemanha, par não dizer que não trazia nada…

Guardei o carro, vi as horas e decidi que ainda era cedo para o regresso. Faltava pouco para as sete. Ainda havia tempo para dar um salto ao Chinês da esquina, a comprar as pilhas para o comando da garagem e, já agora, para os comandos das televisões, dos DVDs, do esquentador, dos relógios dispersos pelas salas…

Embiquei para o Chinês. Também estava cheio de gente das mais variadas idades, mas sobretudo senhoras que se atiravam, como gato a bofe, às árvores de Natal de fibra óptica que estão na berra, ao preço da chuva, muito mais baratas que as tradicionais…

Tradicionais, o quê? Onde é que essas já vão! Os incêndios nas florestas e a propaganda dos ecologistas quase acabaram com elas. As tradicionais já são, de há anos a esta parte, as plásticas, de montar na altura e dobrar para o ano seguinte…junto com a neve de algodão, as estrelinhas que piscam ao som da música, o Pai Natal feito em série, o Presépio de plástico muito bem disfarçado…

E pensando bem que mal há nisso?

Lembrei-me, não sem alguma nostalgia e alguma malícia à mistura, dos meus tempos de miúdo, com o prior da freguesia a invectivar duramente aqueles que montavam a árvore de Natal, que era uma ideia pagã (e nem sequer portuguesa!), que o Presépio era a representação do Nascimento, a única aprovada pela Santa Madre Igreja e a quem todos os católicos tinham obrigação de obedecer, se queriam salvar as suas almas...

Há poucos dias, farto já de ver a propaganda do Millenium BCP na Avenida dos Aliados, enfeitada com a badalada maior Árvore de Natal da Europa, já registada no Guiness e tudo, disse qualquer coisa à minha mulher que desta vez concordou comigo e consegui mudar de canal. Não fixei qual era, mas deu para nos extasiarmos, por breves minutos.

À nossa frente, ocupando todo o ecrã, a enorme Praça de São Pedro, diante do Vaticano, mostrava, bem perto do obelisco central, vários cardeais, com a pompa e a púrpura da ordem, procedendo à inauguração da Árvore de Natal lá do sítio, bem cheia de luzinhas e estrelinhas.

Não disseram qual era a proveniência, mas de certeza se tratava de material plástico, feita na China Comunista. Ou talvez não?!

O Mundo está completamente mudado. Se Cristo viesse cá de novo, era capaz de perder outra vez a paciência e zurzir nos vendilhões do Templo…Mas quem são os modernos vendilhões do Templo? O mais certo era partir para a China Comunista cuja bandeira tem estrelinhas -as mesmas que orientaram (desde o Oriente!) os Reis Magos da tradição - a pregar aos biliões de amarelos, que também são gente de Deus:

-Deixai vir a mim as criancinhas, que delas é o Reino dos Céus!

Por um momento, ultrapassei as minhas divagações e aterrei no balcão do Chinês com a pergunta sacramental,:

-Quanto custam estas pilhas?

-As pila custa três eros!...

Puxei do porta-moedas, mas lembrei-me de que as balanças electrónicas da casa de banho e da cozinha também não tinham pilhas, mas eram das de relógio que eu não tinha visto nas prateleiras. Perguntei de novo:

-Tem pilhas de relógio?

-Sim, ter. Qual quele?

E mostrou-me uma variedade de pilhas redondas de diversos diâmetros e espessuras…que os meus conhecimentos não davam para voltagens nem amperagens de miniatura.

Lá escolhi as que me pareceram mais de acordo com a minha memória visual, paguei, despedi-me e regressei a casa, contente por ter feito, no meio de tanta trapalhada, uma bela acção: comprar pilhas, sem as quais a habitação para por completo!

A minha mulher agradeceu-me com um beijo, quando lhe disse que trazia a pilha da balança electrónica da cozinha.

-Foi transmissão de pensamento! Como descobriste que fazia falta? Nem sabia como fazer o bolo, com a balança avariada!

-Sou adivinho!

E dirigi-me para o interruptor da árvore chinesa de fibra óptica que se mantinha apagada:

-Olha lá, não tens vergonha de manter isto apagado, a esta hora da noite?

O presépio da sala, industrialmente feito em série, ainda do tempo dos espertalhões mas já ultrapassados comerciantes americanos, já estava iluminado, com todos os figurantes em miniatura, pastores com ovelhas aos ombros incluídos, e o coro cantando:

Entrai, pastores, entrai

Na casa do Povoado,

Vinde adorar o Menino

Lá nas palhinhas deitado…

Etc…

Estava na hora. Tocaram a campainha e, dentro de momentos, filhos e netos estavam connosco para reunião familiar.

Acabou a escrita.

domingo, 23 de dezembro de 2007

A MINHA CRÓNICA DO BCP

O papa, os cardeais e a guarda suíça

Há bastante tempo que pensei escrever uma crónica sobre a crise do BCP, os seus manda-chuvas e os críticos de serviço. Por um lado, não sou entendido em coisas de Finanças ou Economia, e muito menos em questões bancárias. Mas por outro, uma tentação persistente vem minando o meu espírito, incentivando-me a entrar no combate, ao perde-ganhas, pela negativa, já se vê, pois mais não sei.

Em dado momento começo a escrever, cheio de genica e, logo a seguir, deito uma olhadela para as novas páginas dos noticiários, e estatelo-me ao comprido!

Depois de vários fracassos, comecei a ler os comentários dos leitores às notícias e ainda os comentários feitos, simultaneamente aos comentaristas de serviço e tudo serviu apenas e só para, mais uma vez, me baralhar.

A partir de certa altura, resolvi guardar em memória todas as notícias que me vinham à mão e respectivos comentários, na intenção de, chegado o momento, aplicar a minha capacidade reflectiva e ver o que podia fazer…A ideia parecia interessante.

Tempo perdido. Há momentos, descobri que o folhetim ainda vai muito longe do fim, que é como quem diz, ainda agora a procissão vai no adro!...

Como é triste, o que está passando no B. C. P, desde os empréstimos por baixo da burra para golpadas mal sucedidas, até ao apego ao poder de certas figuras carismáticas, e à guerra fratricida entre poderosos e sábios que deviam dar ao ZÉ uma lição de entendimento, de gestão acertada, de isenção, em suma, uma lição de profissionalismo e moral, coisas que tanto apregoam aos trabalhadores que «orientam» e cumprem horários com salários bem inferiores e, na prática não aplicam…ou não sabem, ou a sua concupiscência não deixa!

Hoje, os periódicos de referência diziam que saia fumo branco, com a escolha do novo papa. Claro, com letra pequena, aquele que irá papar o maior salário do B. C. P. durante uns tempos, preparando atempadamente a sua choruda reforma para daqui a uns tantos anos de dificultosos e insalubres trabalhos!

Parecia tudo muito bem encaminhado, quando alguns cardeais, também com minúscula, possivelmente da facção PSD, resolveram soprar no trombone que o novo cardeal indigitado era do PS e o governo, que é deste agrupamento, ficaria dono desta porcaria toda e não deixaria comer mais ninguém! Ou há moralidade ou comem todos, mesmo que seja porcaria!

A partir daqui, não me atrevo a adivinhar o que virá a seguir. Deixarei isso para a guarda suíça, os comentaristas encartados cada vez mais a perder o seu aprumo, cada vez mais agressivos, cada vez menos adivinhadores, cada vez mais lançadores de papagaios para os ares…

Se tiver disposição e paciência para isso, ainda hei-de seleccionar uns tantos desses papagaios, puxando-lhes pela guita e fixando-os estrategicamente ao papel, para que o ZÉ, já que mais não pode fazer, neste país de misérias, consiga ao menos desopilar por uns momentos…

Tudo o que aconteceu até aqui e veio a lume na C. S. já dá para umas quantas gargalhadas. Oxalá não me falte inspiração, porque não queria ser eu sozinho a fungar para dentro…

O B.C.P. lá se vai arrastando no meio das notas e das acções, lamaçal fora, aos trambolhões, dando guarida e lucro a uns quantos…não sei até quando. Pobres de nós!

sábado, 22 de dezembro de 2007

Ao correr da pena...


PRAXES E PRAXISTAS

Há algum tempo que tentava a arranjar disposição para escrever duas larachas sobre as praxes e os praxistas. Não foi fácil.

Ainda agora não sei se consegui o que queria.

Sei que, de vez em quando, lá vem a Comunicação Social, sempre ela, a dar mais uma notícia escabrosa sobre o tema. Uma delas, talvez não a última, explicava como uns praxistas tinham convencido um praxado, numa universidade da Província, a atirar-se, de cabeça para baixo, num escorrega que finalizava num pequeno lago com fundo de cimento ardilosamente coberto de lama.

Era suposto isto ser uma graça e sem ofensa, mas as contas saíram furadas e o desgraçado acabou por partir uma vértebra e ficar paralítico da cintura para baixo!

Há tempos, uma brincadeira da praxe, consistia em atirar um caloiro ao ar e apará-lo nas mãos estendidas de colegas mais velhos Uma rapariga de dezanove anos, caiu sobre um entrelaçado de braços frouxos, fracturou a coluna e ficou inutilizada para toda a vida.

Aqui há uns dois anos, uma caloira universitária duma universidade provinciana, apresentou queixa em tribunal, contra uma tropelia de tipo mais ou menos erótico, a que teria sido brutalmente coagida por um grupo de praxistas da treta.

E assim por diante.

O interessante, nestes casos, para não citar tantos outros que têm vindo a lume, nos últimos anos, é que nunca se chega a qualquer solução para acabar com estas macacadas que muitas vezes não são inócuas, chegando a ser ofensivas da integridade física, para não falar da integridade psicológica das vítimas.

Os estudantes do segundo ano das universidades, os «semis» ou semi putos, acham interessante a vingança pelo que passaram no ano anterior, massacrando os novos caloiros.

Os juízes encontram sempre atenuantes para não darem castigos exemplares, e os reitores e conselhos directivos sentem-se incapazes de tomar decisões sobre matérias em que eles próprios, na sua juventude foram exímios praticantes e depois francos contemporizadores e às quais dão sempre a sua aprovação…quem sabe se com medo de perder popularidade entre a «malta estudantil» que gosta da brincadeira e que também vota, afinal.

Mas todas as brincadeiras têm limites. Fui, nos meus tempos de caloiro, em Coimbra, «mobilizado» uma vez para uma «latada» e lá tive que ir, como muitos outros, com o fato virado do avesso e a cara pintada, em cortejo pelas principais ruas da cidade, levando um cartaz, na ponta de uma cana, já não me lembro sobre quê. Porém, um colega muito refilão e que ainda por cima era filho de um catedrático, foi mobilizado para uma hora de gozo numa república transformando-se num autêntico bombo de festa, e onde, para despedida, lhe mandaram lavar um penico, repetidas vezes, disponibilizando-lhe uma vassoura, um esfregão e detergente, chateando-o sempre, no fim de cada operação:

-Você acha que isso está bem lavado? Isso ainda não está bem lavado! Tem que lavar outra vez!

Ao fim de quatro ou cinco lavagens, com o caloiro quase a ter um ataque de nervos, perguntavam-lhe, descaradamente:

-E agora, continua a achar que já está bem lavado?

-Claro que está bem lavado!

-O caloiro tem mesmo a certeza? Acha que está mesmo bem lavado?

-Tenho a certeza absoluta!

-Então, vamos prosseguir. O caloiro garantiu que sim…Encha o penico com água!

E o infeliz, encheu, sem suspeitar de nada.

-Agora beba!

E durante cinco minutos, foi um pratinho de ameaças, com insistências e negativas, com insultos à mistura, que caloiro é besta, é pior que bicho, destribe-se, não merece confiança naquilo que diz, é um incompetente, vai ficar retido na república até amanhã para nova lavagem e novo interrogatório, etc., etc..

No final tudo acabava em beleza, se o caloiro não dava a casca, pois caso contrário, faziam-lhe a vida negra. Se o caloiro era porreirinho, até ia para a farra ou saia dali com alguma bêbeda das grandes, depois de dar largo divertimento àqueles praxistas de serviço… semi putos, putos, e por aí acima, até aos veteranos e ao dux veteranorum, o estudante com mais anos de matrícula, cursando naquela altura, e que presidia a muitos actos da praxe académica. Tive dois colegas que foram dux veteranorum, com dezanove, vinte matrículas, que tratavam por tu alguns dos catedráticos de quem haviam sido colegas e ficaram célebres na Universidade, na cidade e até no País, pelas suas pilhérias, anedotas e outras excentricidades. Apesar disso, com a maior parte dos anos passados nas praxes e nas pândegas…chegaram a formar-se em Medicina e exerceram!!! Longe estávamos dos tempos vindouros com números clausus e notas de ingresso de dezanove e vinte!

Não quero deixar de referir, já agora, o rapanço do cabelo, as palmatoadas e as mobilizações pelas trupes, depois do toque da cabra como era chamado o sino da Torre da Universidade. Os caloiros não podiam andar na rua, depois das seis horas da tarde, ouvido o toque da cabra.

Na Cidade dos Doutores, esses rituais eram, naquela época, quase lei. Os caloiros, mais que os bichos, como eram chamados os alunos do liceu, passavam as passas do Algarve. Os grelados e os fitados, por outro lado, eram quase tomados por doutores, embora muitas vezes as fitas não correspondessem ao êxito escolar. Era tal a influência da praxe, com todas as suas histórias e anacronismos, na vida escolar coimbrã que, uma vez, um catedrático de Letras que se deslocara de comboio a Coimbra para fazer uma conferência, foi abordado pelo trinca bilhetes da estação de caminho de ferro que lhe segredou, como a prestar-lhe um grande serviço:

-Ó senhor doutor, se é caloiro fuja, que ainda há um bocadinho passou ali uma trupe e rapou o cabelo a um…

Apesar de todas essas patetices, não tenho ideia de ninguém ficar fisicamente inutilizado, nem haver memória de queixas ao tribunal. É preciso ensinar os jovens de hoje a brincar, sem consequências trágicas. E, se isso não é já possível, então é preferível acabar com as praxes estúpidas, perigosas, destruidoras da personalidade e da sã camaradagem…ou, em última análise, com todas ao mesmo tempo, em qualquer estabelecimento de ensino.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Os fósseis dos nossos primeiros antepassados

O COMENTÁRIO

Os fósseis dos nossos primeiros antepassados descobertos e identificados na Europa, em Kostenki, nas margens do Don, são alvo, hoje, de uma publicação dos 15 cientistas envolvidos, na Revista Science, segundo o jornal Público.

Espectacular!

Foi mais fácil, apesar do clima e dos quarenta e cinco milhares de anos passados, estudá-los, que abrir o túmulo de D.Afonso Henriques para eliminar de vez as dúvidas que persistem sobre as características físicas do Fundador da Nacionalidade e mesmo sobre a identidade das ossadas nele contidas que alguns contestam!

Coisas miudinhas da enorme burocracia portuguesa onde o oportunismo e a falta de bom senso campeiam e muito funcionário «responsável» é o reizinho do seu chinelo!

(Comentário enviado ao Público.pt e publicado, em 14-1-2007)

A NOTÍCIA

Paleontologia
Fósseis confirmam que homens modernos já estavam na Europa há 45 mil anos
12.01.2007 - 19h48 PUBLICO.PT

Os humanos modernos saíram de África e chegaram à Europa, pelo menos, há 45 mil anos, afirma um estudo de uma equipa internacional coordenada pela Academia Russa de Ciências e pela Universidade do Colorado, em Boulder.

As conclusões basearam-se na análise de pedras, ossos e utensílios encontrados debaixo de antiga cinza vulcânica em Kostenki, nas margens do rio Don, na Rússia, disse John Hoffecker, da Universidade do Colorado, em comunicado no site da instituição.

Naquele local, onde os cientistas acreditam ter encontrado os primeiros vestígios do homem moderno na Europa, foram também identificadas conchas perfuradas e marfim gravado que poderá representar uma pequena fugira humana. Esta será a primeira peça de arte figurativa do mundo, segundo John Hoffecker.

“A grande surpresa é a presença tão antiga de homens modernos num dos locais mais frios e secos na Europa”, acrescentou. “Este é um dos últimos locais que esperaríamos ver ocupados por quem viesse de África”.

“Ao contrário dos Neandertais, os humanos modernos tinham a capacidade para criar novas técnicas para se adaptarem aos climas frios e à escassez de alimentos”, disse o investigador. “Os Neandertais, que terão ocupado a Europa ao longo de mais de 200 mil anos, parecem ter deixado a porta aberta para os humanos modernos”.

Os resultados da investigação – que envolveu 15 cientistas - são publicados na edição de hoje da revista “Science”.

COISAS DO ARCO-DA-VELHA

A ENTREVISTA, OS RECADOS E O LUCRO

Já várias vezes escrevi sobre recados, via Comunicação Social, a este ou àquele. Mas desta vez, lembrei-me de um caso ocorrido há uns tempos atrás, já pouca gente se lembra. O Inspector Geral da Administração Interna, não tendo coragem para expor directamente ao Ministro, os seus próprios problemas, resolveu mandar uns recados via entrevista a um distinto semanário, como agora vai sendo hábito, no aproveitamento simultâneo que este vem fazendo na capitalização em seu proveito, do descontentamento alheio…

Como resultado imediato, conseguiu por todos os sindicatos, organizações profissionais, partidos da oposição e outros, contra o desgraçado Ministro, desta forma obrigado a vir a terreiro quando não contava. Mas a vida de político é isto mesmo: bombos e festas por um lado, picardias e traulitadas por outro. «Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele», como diz o povo, na sua infinita sabedoria que cada vez aprecio mais.

Bem vistas as coisas, entrevistas e recados é o que está a dar na Comunicação Social. Geralmente, com este sistema mata dois coelhos, de cada vez. Por poucos patacos, enche umas boas páginas com temas que eventualmente vão agradar aos leitores superficiais e coscuvilheiros e, por via disso, consegue aumentar o número de leitores que eventualmente começava a decair…

Na realidade, a técnica para obter uma entrevista deste tipo tornou-se quase um lugar comum e nem necessita de estudos ou pesquisas. Com uma sociedade cada vez mais virada para o lucro fácil e o confronto de ideias superficiais -ou parvoíces – a propósito de tudo e de nada, com a correlação séria entre os factos e as notícias (que dá trabalho, inegavelmente) cada vez mais a perder terreno para a bisbilhotice e a intriga que todo o mundo apreende e explora num ápice sem qualquer esforço…a entrevista rasante e fofoqueira tem a vantagem de chegar facilmente a toda a gente e, ao mesmo tempo, servir ao entrevistado, via imprensa cúmplice, para escoamento de prosápias, ou de ressentimentos, ou de acusações aos inimigos de ocasião, mesmo quando convenientemente embrulhados.

Alguém, portanto, sai sempre sujo no retrato feito neste tipo de entrevistas. Provavelmente, em muitas delas, será esse o objectivo subjacente na artimanha jornalístico-informativa, o que é sempre deplorável. Pode ser quem está no ponto de mira, ou até vir a ser o entrevistado, por simples ricochete.

Mas numa coisa tenho que tirar o chapéu à Comunicação Social: saber tirar lucro a dobrar e nunca perder a embalagem para a próxima. Faz-me lembrar uma certa definição que li uma vez, há muitos anos, no Borda de Água:

«Judeu: indivíduo que, com uma pedra, mata dois coelhos…e ainda quer a pedra!»

Os judeus que me perdoem.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

76 cêntimos por dia!


A BICA, O SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL E O BENFICA

C. M.: Salário mínimo sobe 76 cêntimos por dia…

Em termos práticos dá para pagar uma bica e uma carcaça na padaria…

«O título é muito interessante! O dinheiro atribuído é insignificante. Mas podiam, já agora, colocar outro ainda mais sugestivo: 9,5 cêntimos por hora de trabalho e assim por diante. Então o câmbio oficial de referência para os senhores é a bica? Estavam desgraçados os pobres do S. M. N., se regessem as suas compras por aí! Eu ganho mais e tomo café em casa, de marca branca. Ou não tomo!»

Foi este o meu comentário ao C.M., limitado aos caracteres que me permite. Mas apetecia-me continuar, pelas duas razões referidas: a primeira, porque o título é, propositadamente redutor; a segunda, porque o termo arranjado para comparação, no subtítulo, é simplesmente anacrónico, do meu ponto de vista.

Efectivamente, todas as frases são factualmente verdadeiras mas, como sempre, sujeitas a diversas interpretações, portanto controversas. É bem difícil, concedo, ser-se jornalista a cem por cento de ética, em certas notícias.

Neste caso, o senhor jornalista redactor, quase tenho a certeza, está incluído, no mínimo, na classe média, com ordenado várias vezes o do S. M. N., habituado à bica, como o pobre à água da torneira, quando a tem. Por isso a escolha da bica, como termo de comparação, ou letra de câmbio, poderá servir para a classe média já que, para os mais necessitados, a bica é um manjar dos deuses, em fim de festa! Também há aqueles que se deleitam com proventos de muitos salários mínimos; esses bebem muitas bicas ao dia…e outras coisas muito mais caras.

Mas pode colocar-se a questão de outra maneira mais favorável ao jornalismo de notícia fácil. Quem ganha o salário mínimo não tem cheta para comprar o Correio da Manhã, nem uma só vez por mês, se for económico, tiver senso comum e não viva às custas da família. Quem compra o jornal é, no mínimo, um membro da classe média e muito poucos, no nosso país, o compram, mesmo assim, diariamente.

Poderei admitir que, provavelmente, mesmo inconscientemente, a notícia foi preparada para eles, para os que têm dinheiro para o vício da bica? Já agora, não seria adequado referir também outros vícios da classe média, como por exemplo o tabaco? Para quantos cigarros dá o aumento diário do S. M. N.?

Para o próximo ano, só para dar apoio ao autor da notícia, vou mandar uma carta ao Governo, com cópias aos Sindicatos e à Cip, propondo o aumento do S. M. N em número de bicas, e ainda uma outra às redacções dos jornais nacionais, afim de prepararem antecipadamente o comentário adequado …Refiro-me, claro está, às bicas da tasca da esquina, que as das estações de serviço das auto-estradas não se destinam ao Zé Pagode, mas à classe média alta portuguesa, ou aos que se preocupam em imitá-la, aos sábados e domingos!

Mas nem só de bicas ou de cigarros, vive o homem, ainda que muitos abusem disso! E estes não é à custa do S.M.N., de certeza…

Então como deveria ter sido redigida a notícia, para ser totalmente isenta? Nem eu sei. Só sei que, se fosse eu a redigi-la, não teria incorrido no exagero ridículo da bica, um atentado e um gozo, mesmo a baixo custo, à pobreza escondida que por aí grassa.

Agora, vira o disco e toca o mesmo...

Como resido nos contrafortes ocidentais de Lisboa, tenho fatalmente que passar pela Segunda Circular, quando me dirijo à Gare do Oriente ou por aí. E, se é sábado ou domingo de tarde, tenho de certeza que sofrer o meu Calvário, com a afluência dos furiosos da bola que ocupam a estrada a pé, vindos de metro, de carro, de autocarro, de trotineta, ao Estádio do Benfica!

Gostaria de saber como é que muitos deles fazem esticar o S. M. N. de forma a poder entrar na sua famosa Catedral da Bola e desfrutar do desafio, prévia aquisição dos barretes, cachecóis, camisolas, bandeiras, chaveiros, carteiras, cornetas e bebidas com as cores ou a águia do Glorioso estampada, este ano quase de certeza destinado a disputar com os leões do Sporting o Título Nacional de Futebol da 2ª Circular, na análise de um perspicaz comentarista desportivo da nossa praça.

Longe vão os tempos em que o Benfica dependia, em boa parte, do pé descalço nacional que fornecia as palmas, os vivas, os jogadores a pataco e algumas cenas com piropos indecentes e pancadaria à mistura, a que não seria estranha a utilização da pinga a martelo, para animar as hostes, e que por vezes até seria em excesso. Daí que o Benfica tenha sido chamado, pelos inimigos vizinhos mais figadais (futebolisticamente falando), o Clube dos Homens do Garrafão! Até que o Benfica destronou o Sporting dos Violinos e começou a ganhar campeonatos em série e até duas taças de Campeão da Europa, dizendo então, orgulhosamente, os milhões de adeptos que, quem não era do Benfica, não era bom português, nem bom chefe de família…

Nessa altura, nem sequer havia salário mínimo! Nem muitas outras necessidades imprescindíveis.

Coisas incompreensíveis desta vida… mais curta que comprida, como diz o Zé.

Deixemos, pois, o Salário Mínimo Nacional para segundas núpcias, nas imediações da Segunda Circular. Muito mais importante aqui é o Futebol que talvez consiga equilibrar um dia o nosso orçamento, com a exportação de muitos Figos, Decos, Cristianos, Tiagos, Simãos, Sousas, Costas e tantos outros talentos do Coicebol, como dizia, há cinquenta e tal anos atrás, um saudoso professor de Português que eu tive, na realidade um cegueta incapaz de prever o futuro grandioso do País nesta disciplina onde o desgraçado Salário Mínimo Nacional é cruelmente ridicularizado todos os dias até à exaustão.

Ali mesmo ao lado do Estádio do Glorioso, com os seus 60.000 lugares ocupados a peso de ouro (não sei como!) nos dias importantes, fica o maior Centro Comercial Português, dentro do qual a sua loja âncora -o Hipermercado Continente –faz diariamente o seu negócio milionário. Nas saídas das suas caixas registadoras, de tempos a tempos, almas dedicadas do Banco Alimentar Contra a Fome pedem pacientemente aos clientes a dádiva de alguns géneros alimentícios para ajuda daqueles que, muito provavelmente, nem salário mínimo têm, nem bica, nem nada! …

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Crónica do Dragão-e


Um fim-de-semana no Porto

Fui ao Porto nas três horas do costume, viajando certinho e calmo pela autoestrada 1, sem qualquer novidade. O pior bocado foi depois de Coimbra e de Aveiro, com a fila interminável de camiões, por vezes ultrapassando-se mutuamente e causando alguns engarrafamentos desnecessários, até à chegada a Gaia. Optei pela Ponte do Freixo e lá fui embalado na fila tripla, passando ao lado do Estádio do Dragão-e, encostado ao grande Centro Comercial Dolce Vita, coisa que não há em Lisboa, numa associação contra natura incompreensível para o cidadão comum…Dali ao lado sai a via rápida para o Mercado Grossista e o Município de Gondomar, o do Major. Um pouco acima avista-se a famosa Torre das Antas, como um charuto azul envidraçado.

Depois do almoço, no sábado, lá foi a família toda a caminho de Gaia, onde a Carolina, acompanhada por colegas de curso, representava uma peça de teatro de Alexandre O´Neil, no Auditório Municipal, em cartaz há cerca de quinze dias. A miudagem, adorou. E, no final, resolveu pedir autógrafos aos artistas, visitar os camarins e ir ao palco ver a engrenagem do pano e os adereços utilizados na representação. Assim se passou a tarde.

À noite, lá estava na TV o Dragão-e (campeão-e de Portugal, da Europa e do Mundo não sei quatas vezes), vomitando fogo contra o inimigo Vitória de Guimarães, enquanto nos deliciávamos com as francesinhas, a minha montada num bife tenrinho e encharcada num molho acre e picante espesso bem agradável que decidi acompanhar com dois finos da ordem. Não consegui decifrar a receita. Também um pouco porque não pude concentrar-me, com o pessoal a gritar Porto! Porto! de vez em quando, só tendo acalmado com o final de «dois e zero»…Grande vitória, carago!

Já passava das dez quando saí com a família da Galiza, esta ali ao virar da rua Júlio Diniz, decidido a retirar o carro do parqueamento particular onde o havia deixado, por absoluta falta de espaço na rua. Lá, no Porto, como em Lisboa! Tirando a pronúncia, claro, de que os naturais se orgulham, pois dali tomou nome Portugal, como repetem a cada passo, para dar ânimo!

Com o problema dos «gangues» da noite, após a desvairada propaganda da Comunicação Social, cheguei a estar um tanto preocupado, que uma pessoa não é de ferro. As diversas entradas do parqueamento estavam fechadas, apesar de várias advertências em grandes parangonas referindo o encerramento às vinte e quatro. Num vão de porta, um segurança abrigado por detrás de uma porta envidraçada, lá veio esclarecer-nos de que a única entrada do Parque, aquela hora, era pela rampa de circulação dos carros e, rápido como o vento, retirou-se para o interior do edifício, que o frio começava a apertar. Lá andamos a procurar a entrada na zona mal iluminada, até que conseguimos chegar aos automóveis, finalmente. O parque era grande, com três pisos recheados de colunas, tantas e tão juntinhas como eu nunca tinha visto, (nem na Mesquita de Córdova!) dificultando em extremo as manobras, e com uma calha de saída bem apertadinha. Não se via vivalma. Não se ouvia uma mosca (também aquela hora e com aquele frio, era difícil). O isolamento era total. A sensação de nos encontrarmos na Nova York de Al Capone esteve presente nos nossos espíritos e só desapareceu quando nos vimos no exterior do tétrico edifício… E sair sem um arranhão na chapa foi uma vitória de estalo.

Ainda pensei, por um momento, torcer o volante do carro para os «Áliados», para ver o novo arranjo urbanístico da praça-avenida, marca R.R., que desconheço, mas lembrei-me a tempo de que estava lá instalada a maior Árvore de Natal da Europa, carago! Já em casa, tive a confirmação de que o pessoal da Invicta tinha andado por lá até às tantas, e o que evitou os engarrafamentos no local foi o desafio do FCP ser à noite!

No domingo, depois de um almocinho leve e sem bebida alcoólica, meti-me a caminho para Lisboa onde cheguei sem novidade. E ao abrir o portátil, cá tinha a minha dose de mails para ler e responder.

A vida é cheia de banalidades e de rotinas. Esta crónica também. Hoje não deu para mais.

Lagartixas com os dias contados?

O presente envenenado…


É claro que podemos sempre, em tudo o que se faz -e o que se não faz -ver um presente envenenado!

Lembro-me de um colega que tinha uma mulher que era uma jóia e lhe aturava todas as maluqueiras, e de quem ele suspeitava que lhe dava pastéis para envenená-lo! Um dia chegou mesmo a visitar-me para ver se, muito em segredo, metia uma cunha ao director do Laboratório de Polícia Científica que tinha sido meu professor de Química Orgânica, afim de mandar investigar com brevidade um pastel que guardava religiosamente num frigorífico! Acabou numa esquizofrenia muito acentuada e faleceu com um AVC provavelmente acelerado por essa e outras manias que não conseguia ultrapassar.

Postos casos extremos como este, penso que devemos, habitualmente, começar por tomar como normal aquilo que vemos e depois ir corrigindo as nossas opiniões sem a pretensão de antecipar o futuro, a não ser naqueles casos de evidente falta de senso...

Vem isto a propósito (ou não), de um mail contendo um vídeo que um amigo me enviou, todo escandalizado com o seu custo incrível, de pura propaganda turística a uma gigantesca obra em projecto prestes a ser aprovado, para descanso e lazer de nababos, a construir em terras quilométricas, de protecção ambientalista feroz e concluindo, decidido:

-Como é possível?

No entanto, achei o custoso vídeo uma preciosura e também uma espectacular obra de artista de marketing, já se vê! Para uma obra de milhões, prevendo turistas aos milhões e com muitos milhões, é necessário, nos dias de hoje, um vídeo de milhões! E não de tostões!

Aqui não está o mal.

O mal, acredito piamente, é que vão à vida muitas lagartixas da zona, apesar de todos os cuidados levados em conta e de todos os protestos havidos e para haver.

Se até nós, quando mijamos para o chão, destruímos o micro ecossistema local de algum formigueiro que vivia feliz até à nossa chegada!...

Como em tudo o que se faz, há sempre um verso e um reverso e, na maior parte dos casos, só com muito
bom senso se podem pesar os benefícios e os prejuízos, o que nos permite seguir em frente sem remorsos.

O ideal seria podermos manter sempre tudo aquilo de que gostamos e aumentá-lo até ao infinito, sem ceder nada em troca...mas isso é impossível! E, na minha óptica, a vida humana (e, se possível só depois, a sua qualidade) deve ter sempre, sempre, prioridade sobre as coisas que nos rodeiam e sobre os outros bichos.

Mas as decisões, todos sabemos que nem sempre são fáceis de tomar. E cometem-se muitos erros, pelo meio.

Só para acabar, cá vai esta:

Nos finais da Segunda Guerra Mundial e nos anos que se lhe seguiram, houve uma tentativa de acabar com a malária, utilizando DDT que tinha uma eficácia tremenda sobre o mosquito Anhophelles, o veículo do terrível mal. Os resultados foram espectaculares e pouparam-se muitos milhões de vidas, chegando a pensar-se que seria questão de uns poucos anos até erradicar a doença da face da terra! Ao fim de algum tempo, porém, vieram as contra indicações ao DDT -para o meio ambiente e especialmente para o homem -com a O.M.S. a proibir terminantemente o seu uso maciço e, posteriormente, até nos insecticidas caseiros dos países civilizados. Desde então para cá, a malária não só não regrediu, como ganhou terreno nessas zonas, apesar de todos os esforços, e anualmente morrem largos milhões de pessoas nos países afectados, sem que a comunidade em geral ou os ambientalistas protectores das lagartixas e das aves raras em particular, se preocupem muito com isso, pois é lá um problema dos selvagens e do terceiro mundo...

É que na Europa, onde somos muito saudáveis e felizes, praticamente não existe malária, devido aos cuidados tidos com os arrozais e à secagem quase total dos poéticos pântanos do antigamente e seus fantásticos ecossistemas, feita quando ainda não havia tantos ecologistas de serviço!...

Onde é que eu vi, ou li, que as armas de arremesso são quase sempre de dois bicos?

Um abraço, amigos !