terça-feira, 17 de março de 2009

SÓCRATES E A CICUTA


Importância do peso na governação de Sócrates

Ao longo de vinte e cinco séculos, poucos filósofos terão sido tão referenciados como Sócrates, apesar de não ter deixado nada escrito pelo seu próprio punho, para a posteridade. Os seus discípulos Platão, Xenofonte e outros se encarregaram de divulgar as lições do mestre e até as causas e os pormenores da sua morte decretada por envenenamento com cicuta. A visibilidade de Sócrates, o criador da maiêutica, não tem sido, no entanto, famosa, em Portugal, nos últimos tempos, devido à ignorância geral e também pela existência de um outro Sócrates, o político que tem absorvido a maioria dos títulos da nossa imprensa diária.
Claro que o nosso primeiro-ministro não é nenhum filósofo, e seria muito difícil sê-lo num país que foi pátria de navegadores e de homens corajosos, mas nunca se distinguiu na Filosofia (de que os gregos praticamente foram os grandes inventores), a não ser pela filosofia barata com que se exercitam, por dá cá aquela palha, sem honra nem proveito.
Em Portugal, a Filosofia é outra. A de procurar sempre, por todos os meios, nunca chegar a parte nenhuma!
Não foi assim, na época gloriosa dos Descobrimentos, em que os portugueses, com garra, perseverança, estudo e muita coragem, navegavam por esses oceanos fora e chegavam sempre ao porto almejado. Agora que já nem temos barcos para navegar a sério nos largos mares que nos banham, nem sequer nos nossos rios poluídos pelas suiniculturas e cada vez com menos água, entretemo-nos a filosofar sobre as mesquinhices do dia-a-dia, o que já não é nada mau, nos tempos de crise que correm. Que me perdoe o Eduardo Lourenço, provavelmente a excepção, o único filósofo português de renome, em toda a História do País.
Certamente para contrariar ou compensar essa falta do conhecimento de Sócrates em Portugal, o nosso Primeiro-Ministro, o único que os portugueses actualmente conhecem, é explorado pela imprensa até à exaustão. Poucos nomes devem ter sido por ela usados com tanta frequência, como este, à excepção talvez de Cavaco Silva, na sua época de primeiro-ministro. Se quisesse referir aqui as vezes que ela inscreve o nome de Sócrates nas suas páginas, não seria capaz de fazê-lo, tantas são. Muito menos se desejasse citar as vezes em que Sócrates aparece na Internet, por bons ou, geralmente, por maus motivos.
Por passatempo puro, não resisto, contudo, a lembrar alguns títulos corriqueiros com que nos brindou ultimamente a imprensa diária:
Sócrates disse
Sócrates ameaçou
Sócrates está nervoso
Sócrates assumiu atitude provocatória
Sócrates é mentiroso
Sócrates é teimoso
Sócrates leva comitiva
Sócrates é suspeito de peculato
Sócrates não é engenheiro
Sócrates não assinou projectos
Sócrates aprova decreto
Sócrates insiste
Sócrates vai a Bruxelas
Sócrates apoia os seus amigos
Sócrates orienta o partido
Sócrates foi insultado
Sócrates não terá maioria absoluta
Sócrates anda enganado
Sócrates defende o orçamento
Sócrates apoia a Ministra
Sócrates está cercado pelas preocupações com a crise
Sócrates seria um ídolo nacional, se o país merecesse…
Sócrates disse que o número não é argumento
Sócrates queixa-se muito de que o perseguem
Sócrates tem uma casa…
Sócrates vive cada vez mais num universo paralelo…
Enfim, Sócrates para aqui, Sócrates para ali, mais estas belezas:
Sócrates enfadou-se
Sócrates não gosta que gostem dele
Sócrates vai correr na Maratona de Lisboa
E, finalmente,
Sócrates engordou 11 quilos! (com foto e tudo!)
Estes títulos, só por si, não valem grande coisa.
Ora um Primeiro-Ministro tem que ser devidamente apreciado na praça pública, pelo que de bom ou de mau executa na governação do país e não pelos quilos de engorda.
O pior é que a maioria dos artigos que esses títulos encabeçam não vale um pepino. São puras superficialidades, por vezes sobre temas que até exigiriam reflexões profundas…
Não há dúvida de que somos um povo de gente muito rigorosa, mas apenas naquilo que não devemos, isto é, no acessório, no que não tem importância nenhuma. E só assim se compreende que existam no país tantos jornais e revistas de fofoca e tão poucos de coisas sérias.
Anormalidades nacionais ou ridicularias?
Ora, voltando ao Sócrates de há dois mil e quinhentos anos, nunca o grande filósofo grego se terá metido em tais alhadas! Consta que foi militar, combatente e cidadão exemplar e não se conhecem citações acerca de participações em provas desportivas populares ou fofocas de circunstância. Durante toda a sua vida, até às vésperas de ser executado, ou ao momento de beber a poção fatal de cicuta, não consta que alguém se tenha preocupado com o seu peso…
Platão, tão minucioso nas descrições do mestre e das suas lições, não diz nada a esse respeito.
Coisas da Grécia antiga e do Portugal de hoje.

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