La Palisse não teria dito melhor
Ao ler a crónica com este título (o subtítulo é meu) de um eminente comentarista, invadiu-me uma tristeza infinita e o desejo de escrevinhar duas linhas de desabafo. Não quero acrescentar nada ao que foi passado à opinião pública, porque realmente os podres da Sociedade Portuguesa reflectem-se na Política, na Economia, na Justiça, na Educação, na Administração Pública e em todos os itens que nos lembremos de enumerar. É uma desgraça pegada, que o articulista toma como referência para fechar o seu texto extremamente derrotista de vários parágrafos, com uma tirada tão verdadeira e cabal, como banal e ridícula: A verdade é só uma. Estamos definitivamente condenados ao triste fado dos desgraçadinhos. Estávamos em crise antes desta crise começar, vamos ficar em crise depois da crise passar.
Estou de acordo. É evidente. É mesmo intuitivo. Mete-se pelos olhos dentro. O próprio La Palisse não teria dito melhor!
Mas o que me entristece não é a constatação que o articulista faz destas misérias. É, sobretudo, a ligeireza, a vulgaridade com que são ditas, a repetição absurda, persistente, que se faz delas, contribuindo para entranhar ainda mais nas gentes a sensação quase tradicional de impotência, de desânimo, de impossibilidade de sair do atolamento que parece nascido propositadamente há trinta e cinco anos, segundo este e outros comentaristas saudosistas e derrotistas de profissão, quais profetas das desgraças dos tempos modernos:
-Olhai, oh gentes! Quando virdes estes sinais, o fim está próximo!
O que me entristece é que este desânimo dos portugueses, este derrotismo permanentemente acentuado com a desvalorização sistemática das nossas possibilidades, de tudo quanto é genuinamente nosso, iniciado há muito, mas acentuado de há cento e tal anos a esta parte, não encontra contrapartidas válidas nas classes mais cultas e poderosas do país, moralmente responsáveis pelo seu engrandecimento ou, pelo menos, pela sua saída do fosso. Pelo contrário, o seu entretenimento preferido é a desvalorização do país, à qual a imprensa se junta alegremente, de bombos y platillos, com a justificação ingénua, tradicional e de certo modo até irresponsável, de que a informação tem que ser dada, os males devem ser relatados, o esclarecimento das populações deve ser feito na íntegra, todos os podres devem ser publicados, doa a quem doer, para que sejam conseguidos ou preparados os remédios necessários, etc.
Conversa fiada. Palavras que são tomadas como a verdade plena, mas que soam efectivamente, a quem estiver atento, apenas a uma meia verdade. A outra metade é aquela que nunca aparece: a que reflectiria o esforço de elevação, a tentativa de exaltar o que de bom existe no íntimo do povo português, permanentemente acabrunhado, vergado ao peso das porcarias que lhe mostram todos os dias até à exaustão. Não quero, nem por sombras, dizer com isto que não devam ser mostradas. Mas não chega! Elas fazem parte da tal meia verdade transformada de forma aberrante em verdade plena, desde que os escritores donos do culturismo inoperante do século XIX se armaram em pitonisas, em salvadores de uma nação de analfabetos que, mais de cem anos depois, conseguiu apenas obter uma literacia medíocre, à custa da Democracia e dos dinheiros da CE.
A lição de descrença e derrotismo veiculada por essa geração de gente que sabia escrever e bem viver, mas não soube fazer, foi bem passada à imprensa nacional, que ainda hoje se revê nas virtudes e nos vícios dessa época.
Foi o analfabetismo, o desânimo e o derrotismo, adicionado à inépcia dos governantes, que conduziram o País às peripécias que conhecemos, desde meados de um século cheio de transformações sociais e políticas, para cúmulo acompanhadas do romantismo contemplativo, piegas e inoperante.
A maioria dos países europeus, vítimas de diversas guerras destruidoras, ou períodos revolucionários sangrentos, soube elevar-se acima das suas desgraças e dos seus erros. Portugal, escapando milagrosamente a esses cataclismos como entre os pingos da chuva, conseguiu o feito espectacular de manter-se na cauda do pelotão, vitimando-se de forma permanente e masoquista, esperando que algum milagre, ou algum salvador oportuno, o viesse um dia redimir das suas misérias, sem trabalho, nem esforço próprios.
Está tudo podre, repete uma e outra vez o articulista, não fazendo mais do que repetir, ele próprio, o que o Eça, o Ramalho e outros badalavam há cento e cinquenta anos e que sempre foi permanentemente publicado até à exaustão, tornando-se hoje um lugar comum da imprensa e das conversas banais.
Está tudo podre… e daí? Também eu poderia escrever todos os dias, por encomenda, uma crónica com esse título. Mas para quê, se toda a gente sabe, se já a minha trisavó dizia o mesmo?
O que me entristece ainda é que alguns perdem o tempo com estas constatações simplistas e a maioria, em lugar de reagir, vai atrás repetindo, repetindo e ampliando alegremente, como se nada pudesse acontecer mais, como se nada mais pudesse fazer…
É que sair da podridão exige esforço, imaginação, inteligência, trabalho árduo de todos os portugueses. Se eles não interiorizarem isso, nunca o conseguirão. Podem os nossos sábios ditar sentenças ou praguejar contra a Justiça, a Economia, a Política, enfim, contra tudo o que quiserem, porque elas fazem parte do país que somos. A única forma de dar a volta ao texto é fazer acreditar o povo nas suas capacidades, incentivá-lo, meter na sua cabeça que pode fazer tanto ou melhor que os outros, que pode conseguir chegar ao pelotão da frente, como fizeram os seus antepassados, se trabalhar para isso. E cabe à imprensa da linguagem tradicional miserabilista, do coitadinho permanente, do desgraçadinho, do insignificante, do incapaz, um papel importantíssimo na modificação das mentalidades derrotistas, modificando também a sua. Não é tarefa fácil, numa altura em que sobram os problemas do dia-a-dia de cada um.
O discurso diário do velhinho, secular «está tudo podre» pode ficar só para os masoquistas que gostam de repeti-lo, sem honra nem proveito.
Poderão estar certos de que, por essa via do negativismo permanente, sob a capa de um louvável patriotismo inoperante de retaguarda, nunca o País chegará a parte nenhuma, nem eles conseguirão sair da podridão que descrevem, a não ser que consigam emigrar. Essa é, aliás, a ideia que já passou pela cabeça de alguns desses eminentes patriotas, pese embora o pesado lastro de oitocentos e cinquenta anos de História…
A resolução dos problemas nacionais ficará, como sempre, a cargo dos resistentes de boa vontade.
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