Leitores, literatos e votantes
Um dia destes, li um interessante artigo de opinião sobre a crise que agora também parece ter chegado à imprensa nacional.
Dizia o articulista, por outras palavras, que durante a época das vacas gordas, a imprensa, escrita ou rádio televisiva, tinham descoberto e explorado o filão da propaganda para aumentar as vendas, em detrimento da captação dos leitores que eram, no fundo, a sua própria razão de ser. A caça aos anúncios de todo o tipo, muitos deles de qualidade discutível e de moralidade duvidosa, conduziu a guerras acirradas entre vários protagonistas, e ao esvaziamento dos leitores, já de si muito limitados, em prejuízo dos coleccionadores de talheres, de brinquedos, de CDs e até de livros ou de enciclopédias a metro, destinados a enfeitar as estantes dos novos ricos ou remediados que nunca terão lido grande coisa.
A crise económica veio trazer ao de cima muitas dificuldades que estavam encobertas pelo crédito sempre em alta, supondo-se que o dinheiro nunca mais acabava. As vítimas começaram a cortar no acessório, antes de racionarem a alimentação, e assim, numa primeira medida de emergência, acabaram com os talheres, os brinquedos, os CDs, os livros, as enciclopédias…e por último os jornais de que eram o suporte!
Não admira que algumas empresas editoriais comecem a apertar o cinto e, logo a seguir, a reduzir pessoal. Assiste-se agora ao fenómeno que parecia apenas passar ao lado dos redactores e dos comentadores da nossa praça. Gritaram logo aqui d´El Rei, ou ameaçaram com as greves que dantes se limitavam a descrever e a comentar de poleiro, etc.
Claro que estar de fora destes problemas teve as suas vantagens. Deu-lhes uma visão mais alargada e sem pressões, destes problemas, mas colocou-os finalmente como observadores pouco atentos da sua própria realidade. O argueiro do olho do vizinho…
Tudo parecia seguro pelos talheres e pelas enciclopédias, e nada mais incerto. A única coisa válida teria sido, segundo o citado articulista, apostar a tempo e horas numa boa imprensa, cativando leitores de texto inteiro, deixando mesmo de lado o marketing da oferta tentadora, os anúncios enganadores ou libidinosos e os títulos bombásticos. Agora, como escasseia o dinheiro para dar talheres, e falham os anúncios de que toda a gente também estava a ficar farta, restam os títulos bombásticos que encantam os papalvos que passam devagarinho ao lado dos quiosques, mas não se atrevem a comprar…
As próprias revistas da fofoca que pululam por aí numa profusão de títulos e capas com as banalidades mais banais que podem imaginar-se, também começam a sentir os efeitos da crise, para já iniciando a diminuição paulatina das páginas e das fotos, enquanto não chegam medidas mais drásticas. O mesmo pode dizer-se dos jornais desportivos. Até os jornais gratuitos, dependentes da publicidade, mas com gastos limitados, estão a tomar medidas de contenção de despesas e a reduzir tiragens. Alguns já foram...
E assim, à imprensa cheia de lucros e de importância que ainda há poucos anos se gabava de ser o quarto poder, capaz de deitar abaixo ou fazer eleger os seus preferidos, resta agora uma fase de adaptação, com um pouco mais de seriedade, comedimento e humildade.
Uma mensagem, desses muitos milhares que circulam na Internet, dizia, entre outras coisas, que os nossos eleitores eram os grandes culpados dos fracos eleitos que tinham, dos quais tanto se queixavam, simplesmente porque não liam os jornais! Quereria significar assim que, provavelmente para o seu autor, os jornais seriam os detentores absolutos da verdade? E que toda a população deveria ler jornais diariamente, o ano inteiro, no mínimo e sobretudo na altura das eleições?
Realmente, o número de leitores a sério de jornais, em Portugal, é irrisório, muito inferior ao daqueles que os compram e que passam os olhos a correr, pelas gordas das páginas principais. Os leitores fiéis, de verdade, são uma insignificância, porque no país não existe essa tradição, porque a literacia geral não vai mais além, e também porque, finalmente, os artigos publicados não são suficientemente apelativos. Acresce que a rádio e a TV obrigaram a imprensa escrita a um esforço de melhoria que nem sempre foi conseguido. Por último, a chegada e expansão dos telemóveis e da Internet veio criar a todos os tipos de imprensa grandes dificuldades, qual ultimatum com curta data de expiração, qual faca apontada ao peito, com uma ameaça bem implícita: ou se modificam a tempo, ou morrem!
Também a falácia corrente de que os portugueses não percebem nada de política nem de qualquer outra coisa, não passa disso mesmo. Os eleitores já não ligam nenhuma aos programas partidários, mas também não votam assim tanto a olho.
Provavelmente o panorama em Portugal é idêntico ao da maioria dos países democráticos, onde a propaganda política nunca se faz de programas partidários na mão, mas com personalidades cativantes, bem falantes, defensores acérrimos de argumentos e com as suas promessas encantadoras. Os principais partidos há muito arquivaram os respectivos programas e, muito antes ainda, as razões e os princípios sociais, económicos, políticos que presidiram à sua fundação. Só meia dúzia de caturras se lembram deles, para consumo puramente teórico, ou os directores de Marketing das campanhas que os desenterraram para mandar gravar algum chavão esquecido nas canetas, nas T-shirts, ou nos sacos plásticos de propaganda que fizeram época. Agora nem isso.
Realmente, tem razão o articulista. A grande maioria do povo que vota não lê jornais, não vê o Canal 2, nem as politiquices da Assembleia da República ou das mesas redondas da TV, discute o futebol e as telenovelas, contorna as leis e o fisco o mais que pode, diz mal de tudo e de todos mas, entre muitas qualidades que também tem, adora à sua maneira o país onde nasceu e possui um sexto sentido político invejável que o protege das mil e uma patranhas que os oráculos da Terra pretendem impingir-lhe, já que adivinhar é proibido.
É o que há, e não há volta a dar-lhe.
Se os portugueses fossem todos leitores inveterados, literatos de alma e coração e votantes exemplares, provavelmente não se sentiriam iguais a si próprios, como diria La Palisse…
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