quinta-feira, 5 de março de 2009

MAGIAS E OUTRAS TROPELIAS


A realidade às escuras

Há vários dias que não escrevo. Entretido a ler as patacoadas que outros escrevem, revi-me nalgumas delas e enchi-me de dúvidas.
Escrever patacoadas é fácil, e há tanta gente por aí a escrever patacoadas que me senti triste, só de pensar que alguém poderia pensar de mim o mesmo que eu penso desses prolixos!
Durante alguns períodos de euforia, eu tinha interiorizado que sabia escrever qualquer coisa de jeito e, de repente, caí na fossa, como dizem os brasileiros, onde fui encontrar os meus comparsas de ofício, todos mais ou menos enterrados no lamaçal de generalidades que as letras permitem, donde só alguns génios da escrita conseguem sair.
Após uns quantos dias de modorra, dedicados apenas à leitura de notícias e respectivos comentários, fiquei curado pela via do absurdo, isto é, descobri que os escrevinhadores que andam por aí botando figura, não são melhores nem piores do que eu, que afinal só me vanglorio para mim próprio e não chateio ninguém com os escritos que me servem de distracção saudável, e apenas são lidos por meia dúzia de familiares e amigos. Eles sabem muito bem que não pretendo convencê-los, da mesma forma que não me preocupo nada se metem as minhas patacoadas no lixo! Esta é a minha primeira diferença para qualquer escritor prolixo. Em segundo lugar, esses profissionais que me entretenho a ler diariamente, por gozo, escrevem as notícias que me impingem, em longos textos pagos a metro. A mim, ninguém me paga nada, sou um escritor amador puro, e por isso canto de poleiro, mas baixinho!
A leitura das novidades expostas em páginas e páginas feitas a martelo, às quais me dediquei durante estes dias, apenas veio confirmar uma ideia fixa que tenho, de há vários anos: não vale a pena perder muito tempo com ela, é sempre a mesma coisa!
E, no entanto, quantas vezes o Zé-Povinho já foi considerado analfabeto ou, ultimamente apenas, iletrado, por esses profissionais da escrita, só porque não deita o olho para as suas prosas?
Mas, olhando bem, o povo é capaz de ter razão. Passa os olhos rapidamente sobre as gordas, porque o resto é palha, faz intimamente os seus comentários generalistas, acusando, no seu tribunal supremo e sem apelação, os políticos de serem todos iguais, ineficazes, oportunistas e corruptos; os jornalistas de serem pouco mais do que fazedores de notícias e comentários avulsos, para ganhar a vida; a Justiça de lenta e virgulista, os advogados de pachorrentos e aproveitadores das circunstâncias, e por aí fora. Provavelmente ninguém, nenhuma profissão escapa a este severo julgamento popular. E assim, para o Zé que ama a sua Terra com todas as suas forças, este é um autêntico país de merda!
Por essas e por outras, entretém-se a ler os jornais desportivos logo de manhã, no caminho para o emprego, continua logo a seguir, nos intervalos do trabalho, nas filas de espera para a consulta médica, nos guichés das repartições de finanças, em frente aos mini pratos ou à bica da hora de almoço…Sempre é mais agradável e inócuo ler as «falcatruas» dos árbitros nos jogos do seu clube favorito, que páginas e páginas de crimes, roubos e aldrabices, terminadas quase sempre nas inúmeras folhas dos invariáveis anúncios de vende-se ou compra-se, estes cada vez menos. Ainda por cima, ultimamente aparecem a complementar estas folhas, as ofertas de serviços, com fotografias e textos altamente sugestivos das misérias humanas. A ética jornalística ou um elementar senso pedagógico já não conseguem impor-se, nem ao menos nas páginas de anúncios.
Sendo assim, que mais resta para ler, aos homens adultos, que os jornais e as revistas desportivas cheias de banalidades, aldrabices, apitos e penalidades por marcar, e à malta feminina as revistas das fofocas, das telenovelas, das modas, dos passatempos da gente fina e das suas intrigas tão interessantes…Ao menos, até ver, não metem tiros, nem cenas de faca e alguidar, nem correrias atrás de ladrões, muito menos a eventualidade das investigações policiais e de processos sem fim, ou as eternas fugas do segredo de justiça, ou ainda os relambórios extensos sobre apalhaçadas discussões políticas que já nem conseguem fazer rir ninguém…Coisas decentes já não são relato da imprensa que temos.
A imprensa da lamúria e da maledicência tirou ao povo português os últimos resquícios de riso de que ainda dispunha, e eram já muito poucos. Os estrangeiros que nos visitam bem sabem que somos um povo triste, quer chova, quer faça sol, com crise ou sem ela. Com escritores e jornais deste calibre, que só relatam tristezas e factos aberrantes, que outra coisa seria de esperar?
Por momentos penso que estou a ser exagerado.
Nos velhos tempos da República de 1910, desenvolveu-se uma certa imprensa histriónica, mas a censura do Estado Novo calou-lhe o bico, num abrir e fechar de olhos. Mais tarde ainda apareceram «Os Ridículos», o «Sempre fixe», a «Gaiola aberta» e mais duas ou três ridicularias que tiveram o mesmo destino. Após o 25 de Abril, parecia que a alegria iria sorrir aos portugueses, mas foi sol de pouca dura.
A propensão atávica para a má-língua, a desgraça, o derrotismo, o afundamento moral no nosso mar de lacras tradicionais, não permitiria que saíssemos a apreciar este sol brilhante que seria tão bom saber aproveitar… Verdade seja dita que nem fisicamente conseguimos aproveitá-lo com dignidade, mesmo nas praias, onde milhões se entretém pachorrentamente, a escurecer a pele, isto é, a fazer cancros da derme, enquanto deitam o rabo do olho, mais para as deficiências físicas dos vizinhos do que para as belezas em exposição ou que se passeiam diante da vista…
Efectivamente, não há por aí nenhum pasquim de jeito para fazer sorrir seja quem for. E, como de um círculo vicioso se trata, também ninguém arrisca a meter-se nisso.
Este país é uma tristeza completa!!!
Também é certo que escrever um simples texto para fazer rir meia dúzia de descontraídos (fauna que quase não existe em Portugal) é muito mais difícil do que alinhavar duas tretas para fazer chorar milhões de portugueses. A lágrima está mesmo ali, logo ao canto do olho, e sai com extrema facilidade, quase sem mexer um músculo da face. Rir exige esforço de compreensão, ultrapassar barreiras sociais e até arrostar, por vezes, com algumas consequências desagradáveis, riscos que os portugueses não correm, por preguiça, por conveniência, por receio. Até o nosso Carnaval é cauteloso, medroso, medido, convencional, sem rastos de espontaneidade interior, com necessidade de ser espicaçado por artistas brasileiros, nem que sejam de terceira ordem…
O mal é muito antigo. D. Afonso Henriques levou tão a sério a construção e emancipação da nacionalidade, que deixou a sua herança profundamente arreigada no espírito dos portugueses, por séculos e séculos. Nem o Gil Vicente, com as suas farsas brilhantes e hilariantes conseguiu dar a volta ao texto! Desde os Descobrimentos até agora, a tristeza foi sempre a crescer, com o endeusamento do fado a ocupar a mente dos portugueses, a desencorajá-los, a colocá-los de joelhos ante as menores dificuldades que a vida lhes apresenta, como se já não bastassem as rezas em Fátima.
Seria necessário um passe de magia para dar ânimo a esta gente triste.
Um título da imprensa de hoje pretende trazer um pouco desse ânimo aos portugueses. «O mágico Luís de Matos volta à antena da estação pública com um programa de 13 episódios onde junta ilusões, património, figuras públicas e um ancião que surpreende os transeuntes com os seus truques.»
A personagem "mágico incógnito" deu o ponto de partida para a apresentação do novo programa de Luís de Matos, que a RTP1 estreia no domingo. A figura de um idoso que no meio da rua, "perde a cabeça" ou liberta pombas é uma das suas criações para o formato que se chama "Mistérios".

Onde é que eu já vi isso, de um mágico a libertar pombas do lenço, por geração espontânea? E coelhos da cartola?
O velho actor cómico Raul Solnado ainda vai dar um jeitinho, para compor o ramo.
Mas tenho dúvidas de que o Luís de Matos e o Solnado consigam desterrar a tristeza geral, mesmo com as magias e as anedotas em que são peritos.
As maiores anedotas vêm das notícias seguintes:
Apagão em Lisboa alerta para mudança climática. Portugal adere a iniciativa de sensibilização. Dia 28, monumentos vão ficar às escuras e reduzir os consumos de energia. Durante uma hora, Lisboa sofrerá um apagão e os principais monumentos da cidade ficarão às escuras.
No dia 28, esta será a forma da capital portuguesa aderir à Hora do Planeta, uma iniciativa da organização internacional de ambiente WWF, que tem por objectivo alertar os líderes políticos para a necessidade de adoptarem medidas urgentes contra as alterações climáticas.
Cristo-Rei, Ponte 25 de Abril, Mosteiro dos Jerónimos, Palácio de Belém, Museu da Electricidade, Torre de Belém, Padrão das Descobertas, Castelo de São Jorge e Paços de Concelho ficarão apenas iluminados pelas estrelas entre as 20.30 e as 21.30.

O Centro Cultural de Belém também aderirá à iniciativa, apagando as luzes durante quinze minutos.
Pessoalmente, fiquei na dúvida se Portugal é só Lisboa, se o Cristo-Rei ou a ponte 25 de Abril pertencem ou não à capital (a grande ou a pequena), se o Centro Cultural de Belém tem desconto no apagão, se as estrelas iluminarão alguma coisa, já que é lua nova a 26…
De qualquer forma, vou também colaborar, apagando a luz das escadas durante quinze segundos, porque durante mais tempo, seria perigoso. Ficaria muito sensibilizado para a mudança climática, se entre as 20.30 e as 21.30 aparecesse um sol radioso.
Igualmente fácil e sensibilizante seria fazer um simulacro de incêndio do quadro principal dos hospitais do país inteiro, como defendeu o PANBP a propósito do Hospital de Covões de Coimbra, onde ardeu o quadro eléctrico principal, originando um corte de quatro horas no fornecimento de energia que poderia ter tido graves consequências. Deviam ter efectuado um simulacro...
Dois médicos, um deles delegado de Saúde de Albergaria-a-Velha, passariam entre 15 a vinte atestados médicos falsos por mês, assegurando as boas condições de saúde de alunos propostos para exames de condução, apurou o CM. Foram constituídos arguidos pela Polícia Judiciária de Aveiro, assim como os responsáveis da escola de condução, que pagaria aos médicos, e o funcionário que se encarregava do esquema. Este processo, agora concluído, foi remetido para o Ministério Público, que ficará encarregue da dedução da Acusação.
O diabo que o carregue! Mas onde é que eu terei visto uma coisa destas, em quantidades industriais? Já me recordo que ocorreu em Guimarães, com cerca de quinhentos alunos que não queriam sujeitar-se a exame no dia marcado e adoeceram súbita e simultaneamente na véspera…Que aconteceu depois?
A imprensa e o M.P. já se preocupam agora com quinze a vinte casos. Estão a melhorar, não haja dúvidas!
Depois destas amostras de tropelias sem valor comercial que ajudam a compor as páginas dos nossos diários e que, como disse, já não fazem rir ninguém, só me resta finalizar com a notícia mais badalada por toda a imprensa ocidental, analisada e comentada até à saciedade, procurando descobrir sempre o que ardentemente se deseja e raramente apreciar a realidade evidente. Trata-se das poucas linhas da Nota Oficial do Granma, órgão do Partido Comunista Cubano, dando conta, sem direito a comentários, da recente remodelação governamental, em que os ministros depostos «foram libertados» simplesmente das suas funções…
Foi a melhor anedota que li na imprensa nacional, durante estes dias.
É a nossa realidade às escuras.
Fico por aqui. Já escrevi patacoadas a mais.

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