quinta-feira, 12 de março de 2009

ASAE


Acudam, senão mato-me!

Ainda há pouco, os abencerragens defensores das antigas tradições d0 atar e pôr ao fumeiro se atiravam à ASAE como gato a bofe, temendo ficar sem as morcelas e as chouriças que usavam nas patuscadas, entre amigalhaços. A ASAE tinha entrado a matar sobre os mixordeiros, contrafactores e oportunistas no aproveitamento do lucro fácil, à custa de muita falta dos requisitos mínimos de higiene, das licenças e dos comprovativos legais exigidos, etc.
Durante anos, a propaganda impiedosa da imprensa fazendo eco da vox populi, foi toda orientada para as deficiências que se verificavam nos cuidados de higiene mais elementares dos restaurantes, causadores de inúmeras diarreias ou intoxicações alimentares, merecedores portanto de castigo adequado. Mas raramente os denunciantes se atiravam aos fabricantes dos acepipes tradicionais, enaltecidos sempre até à exaustão. E entretanto, a culpa de tudo o que de mal acontecia por aí era simplesmente atribuído à falta de fiscalização.
Já o mesmo não acontecia com a ausência dos alvarás de licenciamento dessas pequenas empresas, abertas ao público em desespero, depois de anos de espera sem resultado, no rescaldo da costumada burocracia autárquica. Por esse país fora, milhares de pequenas empresas do ramo funcionavam nesse esquema, guardando na gaveta a cópia comprovativa do requerimento da licença pedida há não sei quantos anos, facto com o qual ninguém se preocupava. Grande número de cafés, pastelarias, pequenos restaurantes e outro pequeno comércio tinham assim as portas abertas, à confiança. O público desconhecia ou, desvalorizava.
Mas logo que a ASAE entrou em força sobre as irregularidades e as ilegalidades que inundavam o País, um coro de protestos se elevou no ar, ameaçando alto e bom som, à portuguesa: acudam, senão mato-me!
As receitas tradicionais culinárias, os enchidos, os queijos, as frutas, os figos secos do Algarve, as mais conhecidas iguarias cozinhadas no país estavam condenadas a desaparecer, mandando para o desemprego os seus pobres e incautos preparadores. Até a consagrada bica corria o risco de deixar o uso da saborosa chávena besuntada com baton, para passar ao copo de papel insípido, a esquentar os dedos. Era o escândalo máximo, para os profetas das desgraças.
Como se tudo isto não bastasse, ficaram ameaçadas as maravilhosas farturas poeirentas e os presuntos curados à pressa, das feiras, os espectaculares pastéis requentados vendidos nas praias, os bolos fabricados pela Ti Maria e vendidos à porta das escolas, ou para as pequenas pastelarias de bairro, etc.
Nas feiras, os ciganos tremeram pela descoberta, finalmente, como se de coisa muito rara se tratasse, da venda de produtos de marca contrafeitos que davam jeito a muita gente, que os comprava bem caladinha, sabendo que não devia.
Os Partidos Políticos da Oposição e os consagrados comentaristas da nossa Comunicação Social ávida de escândalos, atiraram-se à ASAE sem piedade, chamando-lhe desumana, rigorosa em excesso, castradora das tradições gastronómicas regionais, prepotente, exagerada e não sei quantas coisas mais. Até os seus fiscais foram ridicularizados por, em certa altura, na feira de Santarém, se precaverem, pelo sim, pelo não, com colete anti-balas…
Por último, quando tudo parecia entrar na normalidade, a famigerada lei anti-tabaco veio de novo colocar todo o mundo em alvoroço, e prender a ASAE de novo ao pelourinho.
Tardou algum tempo até que a poeira assentasse sobre tantas aberrações, a sua repressão necessária, os comentários de uns tantos, os interesses de outros, as diversas vicissitudes de um processo que já deveria ter ocorrido há várias dezenas de anos, em Portugal e que ninguém tivera a ousadia de implementar.
Hoje, uma das grandes notícias da imprensa diz o seguinte:
A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) recebeu, em 2008, cerca de noventa mil reclamações, mais vinte mil do que no ano anterior, segundo as estatísticas anuais do Livro de Reclamações. Os principais motivos das 93.195 queixas que seguiram para a ASAE dizem respeito ao cumprimento defeituoso ou não conforme o contrato (produto ou serviço defeituoso, atrasos e problemas de garantia), atendimento deficiente, informação pré-contratual insuficiente ou errónea e deficiente assistência pós-venda.
As reclamações relacionadas com falta de requisitos, venda de bens por preço superior ao preço fixado, falta de asseio e higiene em estabelecimentos de restauração e bebidas, falta de higiene e condições de segurança e falta de afixação de preço também reuniram um grande número de reclamações.
Não faço a menor ideia, se o número reflecte ou não alguma melhoria da situação existente há três anos, mas uma coisa é certa: os portugueses começaram, finalmente, a ter consciência dos seus direitos e um deles é o de reclamar para a ASAE ou para a autoridade correspondente, pelos serviços que outros lhes prestam, em más condições. As coisas que não estão bem têm que ser corrigidas e não vale a pena continuarmos todos a enterrar a cabeça na areia, como a avestruz.
Felizmente, contrariando tanto alarido e as anteriores expectativas derrotistas de uns quantos, é possível verificar, passando pelos hipermercados, a melhoria geral notória do fabrico, da diversidade, da apresentação e da conservação dos nossos produtos regionais. Podem ser usados com perfeita segurança, sem correr o risco de eventual intoxicação alimentar. Só pela qualidade poderão sobreviver e suplantar a venda dos concorrentes estrangeiros.

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