sábado, 14 de março de 2009

ESCRITA SEM SAL


O sal no pão, sem razão

Ao abrir as notícias e os respectivos comentários, deparei com mais um curto artigo que me fez rir. Digo mais um, porque artigos destes que me causam riso aparecem com certa frequência.
Não é de estranhar. Entre a catadupa de notícias com que somos brindados diariamente, mal fora se uma ou outra, no meio do mar de tristezas que nos apresentam, não tivesse características hilariantes. Não me refiro só às notícias, mas também aos comentários e aos artigos de opinião. Quem tem a obrigação de produzir artigos a metro, diariamente, ou pouco menos, nem sempre tem imaginação suficiente para escrever coisas interessantes. E assim, muitas vezes saem pepineiras do arco-da-vélha.
O artigo referenciado, por sinal sob a rubrica «a voz da razão» e o título «Chamem a polícia», começava assim:
Que bonito: o país caminha para a bancarrota e o Parlamento discute o sal no pão. Sal em excesso faz mal, dizem os deputados, que trataram de reduzir os níveis da coisa. Sem esquecer, claro, outras ‘recomendações’ para combater a obesidade nos petizes.
E terminava desta forma:
Se comemos, ou não comemos, frutas e legumes; se fumamos, ou não fumamos, em frente a crianças e animais; se fornicamos, ou não fornicamos, cumprindo as regras de segurança. Num país que sempre apreciou a servidão, a liberdade já deu o que tinha a dar.
Desatei a rir!
Não porque o que ali se escrevia não fosse verdade, em boa parte, mas apenas por ver quanto é fácil, infelizmente, utilizar essa verdade para conclusões diversas ou até perversas. E sempre a rir…
Realmente, o articulista não contesta a verdade do efeito maléfico do excesso de sal no pão contra o qual os médicos nutricionistas lutam sem êxito, que todos conhecemos mas de que não fazemos caso, que os padeiros esquecem por causa do sabor e do negócio, de que a imprensa séria devia fazer-se eco, numa atitude pedagógica responsável e abstrai, pura e simplesmente, ou faz notícias de rodapé.
Há dias fiquei a saber, por exemplo, que em Portugal, o pão era o mais salgado da Europa e que, de uma forma geral, os portugueses consomem quase o triplo de sal que os nossos compatriotas europeus. Também venho notando, só não nota quem é cego, que as crianças, magrinhas de antigamente, se transformaram em verdadeiros batoques, com tendência a aumentar…Sabemos, por outro lado, que os portugueses não ligam nenhuma a isso, como não ligavam ao tabaco, nem se preocupavam com o mal que estavam a fazer às crianças e aos restantes fumadores passivos que também têm os seus direitos!
Ora a liberdade de cada um é sagrada, em democracia. O sol quando nasce é para todos, lá diz o povo, nas suas palavras mais simples e mais compreensíveis que todas as constituições do mundo. E, se os fumadores e os pais portugueses são irresponsáveis e a imprensa não se importa com isso um pepino, ou até reage às avessas, não vejo mal nenhum que seja o Estado a tomar medidas que os próprios não tomam de motu próprio, ainda para mais impostas pela CE, para defender as crianças e os que não fumam, silenciosos a quem os «agressores» sovam alegremente.
Mas tenhamos em conta que as refeições nas cantinas escolares são da responsabilidade das autoridades, tal como a gestão da saúde pública, para a qual a maioria dos contribuintes paga ou já pagou a sua cota parte. E que todas as leis, por mais mesquinhas que pareçam, passam obrigatoriamente pela Assembleia da República.
Infelizmente já começamos todos a estar fartos das parvalheiras que todos os dias se ouvem nessa mesma Assembleia da República ou se publicam na Imprensa Diária, sobre a crise. Para nossa desgraça, porém, ela não se resolve com simplistas decretos de circunstância, nem com jocosas tiradas jornalísticas tentando imitar os conhecidos treinadores de bancada, ou soprando maledicências a quem passa.
Não posso deixar de rir de novo ante a frase final do artigo referenciado onde se diz que em Portugal, a liberdade já deu o que tinha a dar…
Discordo! Infelizmente, no nosso País, ainda há muita gente a conduzir em contramão.
Que escrita sem sal!

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