segunda-feira, 23 de março de 2009

OPORTUNOS, HERÓIS E OPORTUNISTAS


Reflexões de circunstância

É interessante constatar o que nos diz o dicionário sobre estas palavras oportuno e oportunista e confrontá-lo com o sentido maldoso que frequentemente lhes é dado na linguagem corrente, sobretudo à segunda.
Na verdade, tantas vezes vai o cântaro à fonte, que um dia se parte. Uma vez, e outra, e outra, as palavras oportuno e oportunista foram utilizadas no mau sentido, tantas vezes que hoje o significado mais generalizado é esse mesmo, aquele que todos estamos já a pensar...
Efectivamente, os significados das palavras, como as coisas na vida, como a própria moral que julgamos imutável, evoluem ao longo dos tempos, em que as circunstâncias acabam sempre por ter uma importância acrescida naquilo que acontece ou se faz, apesar de alguns continuarem a afirmar que não, que há princípios que não mudam nunca. Devem ser muito poucos.
Ontem, por acaso, deixei correr o pensamento livremente, sobre os grandes feitos da História Mundial ou mesmo da História Pátria, engrandecidos em todos os compêndios, arquivados e fechados a sete chaves em todas as Torres do Tombo que há por aí, ou expostos em museus para apreciação dos estudiosos, e também dos turistas ou de muitos papalvos.
Cheguei à conclusão, talvez considerada estúpida por muitos, de que tudo não passou ou passa de um oportunismo mais ou menos sério, mais ou menos oportunista!
Assim, vistas as coisas por um prisma menos idealista do que aquele que muitas vezes utilizamos, acabamos por desmontar milhões de mitos ou de mistificações que vêm registados na História, nos próprios Livros Sagrados das diversas Religiões, e reduzir tudo às dimensões terrenas com as quais nos comparamos diariamente, nesta vida que a tecnologia endeusada, que tudo supervisiona, ainda não conseguiu descodificar e fabricar e portanto eternizar, mas onde os milagres são cada vez menos.
Deste modo, é possível, pois, que grandes heróis não tenham passado de meros aproveitadores de oportunidades, simples oportunistas a uma escala superior à da maioria dos seus compatriotas.
Dessa maneira, D. Afonso Henriques, por exemplo, foi um grande oportunista! Soube ver e aproveitar ao máximo as oportunidades que lhe apareceram, e tornar-se rei. Não só. Ele próprio e os seus apaniguados fabricaram mesmo óptimas oportunidades para conseguir o seu intento, contra todas as regras morais ou civis estabelecidas na época, os tratados, as escrituras, os juramentos, as normas da igreja, as próprias bulas papais. Foi um grande traste, um oportunista sem vergonha, como afirmaria o Egas Moniz, de corda ao pescoço ante o rei de Leão, também não sabemos se ele próprio com intenções reservadas ou não...
Contudo, D. Afonso conseguiu o seu desiderato, conseguiu pôr um país no mapa, conseguiu transformar-se no maior herói nacional, o pai da própria nacionalidade, e tudo à custa de muitas trapaças, de faltar à honra da palavra dada quando isso lhe convinha, do seu oportunismo feroz, da sua ambição desmedida de ser rei um dia, o que tudo justificava, na sua óptica e dos seus conselheiros...ainda por cima numa época em que valia tudo menos tirar olhos. Ou também.
E, no entanto, todas essas falcatruas nós hoje pomos de parte como coisas de somenos importância histórica, para endeusarmos a figura do nosso primeiro rei, mostrando a sua visão, a sua coragem e determinação, coisas que teriam ficado no esquecimento total se não fossem coroadas de êxito...se ele não tivesse sido oportunista, isto é, coroado.
Ora D. Afonso Henriques foi um homem de muitas qualidades e defeitos, como tantos outros em escalas diferentes, talvez. Assim como aos Santos só se reconhecem as virtudes, aos Heróis só se enaltecem os feitos grandiosos e, quando muito, passam-se os restantes em rodapé.
Não vamos chamar, portanto, ao D. Afonso Henriques um oportunista, nem ao Mestre de Avis, nem ao Vasco da Gama, nem ao Magalhães, nem mesmo ao D. Sebastião. Este, quando muito, seria um oportunista falhado!
Também não vamos chamar oportunista ao Serpa Pinto, nem ao Manuel de Arriaga, nem mesmo ao Salazar ou ao actual Presidente da República!
Mas que poderemos chamar aos donos do falido BPN senão, no mínimo, oportunistas? E no entanto se, por circunstâncias favoráveis, o BPN, apesar das suas trapaças e malabarismos, tivesse sido um sucesso, como seriam eles apreciados pela Sociedade? Muito possivelmente não seriam tratados apenas como sábios empreendedores clarividentes, apenas com algumas insignificantes, banais oportunidades perdidas, no meio de tantos êxitos, de tantas virtudes?
A Sociedade é muitas vezes injusta e até perversa, nos seus julgamentos, e as palavras também são perigosas, quando se faz mau uso delas. E ainda mais quando se fazem generalizações.
Há dias, num artigo de opinião, um desses derrotistas profissionais que agora estão na moda, afirmava sem papas na língua que Portugal, outrora uma nação de oportunidades, era agora simplesmente um país de oportunistas. Também nem tanto!
Provavelmente auto excluía-se, está visto, embora ainda não tivesse pensado, como outros, na ideia de emigrar...
Achei, pois, exagerado. Poderia ter dito, com mais certeza e pontaria, parafraseando o um ditado popular que o Aleixo celebrizou: não são todos os que vês, nem estão todos os que o são...
Enfim, deixemos os nossos heróis e as nossas figuras públicas em paz.
O certo, porém, infelizmente, é que cada vez há menos oportunos e mais oportunistas por aí. E não creio que seja só fruto da crise…

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