domingo, 1 de fevereiro de 2009

RESCALDO DE INTERESSES


O Cidadão, o Estado e a Justiça

Ouvi há pouco as palavras sensatas de Manuel Alegre, fazendo um apelo à responsabilidade e à cidadania e a uma reflexão sobre a justiça.

A verdade é que se está a instalar no País um clima geral de desconfiança contra as autoridades públicas e o próprio Estado, devido ao poder cada vez mais activo, mais pressionante das grandes empresas e dos grandes interesses sobre a coisa pública, ou a própria banca, ao qual alguns responsáveis não conseguirão resistir como deveriam. Esse clima de suspeição permanente só poderá acabar com uma actuação rápida e perfeitamente esclarecedora da Justiça, em cada caso que se apresente.

A corrupção não é um exclusivo da Nação Portuguesa, mas com o mal dos outros podemos nós bem.

O que necessitamos todos é de fazer um esforço para cortar os tentáculos do polvo que ameaça estrangular a nossa vida social, porque não existem apenas os grandes casos mediáticos que de vez em quando surgem na imprensa ou nos ecrãs da TV, mas também os que pululam por todo o lado, os pequenos vermes que corroem o tecido público e empresarial português, quase desde as suas bases. A pequena corrupção tornou-se um hábito, quase uma normalidade da qual já ninguém faz caso. Por outro lado, é difícil extirpar esse sentimento de quase normalidade que desde há muito se enraizou na mentalidade de boa parte da população. Realmente, ela pensa que tudo não passa de uma questão de escala, e se o pilha-galinhas rouba o quintal, o caseiro rouba nas contas do senhorio, os empresários e os banqueiros roubam nos negócios e os políticos fazem o seu Agosto no topo da escala. Pensa ainda que, aqueles que estão a meio da carreira, serão tão bons ou tão maus como os de cima, quando chegar a sua vez. E porque haveriam, os que chegam ao topo, de ser supostamente, à partida, de uma honestidade total?

Ela sabe também que não se é santo porque se é humilde, poderoso, bem parecido ou letrado, mas apenas porque se é, basicamente, moralmente bem formado e honesto.

.Sabe ainda que a diferença das sequências é que o pequeno ladrão é frequentemente apanhado e a Justiça fá-lo pagar a sua culpa com língua de palmo, e que o grande roubo, o grande suborno e a grande corrupção são de contornos difíceis de identificar, mesmo de cair nas mãos da Justiça, sendo ainda mais complicados depois de provar à face da lei, embora particularmente os julguem por demais evidentes.

Nem sempre é assim mas, verdade ou mentira, a Justiça perde-se nos meandros da investigação e do formalismo burocrático durante anos e anos, para chegar, muitas vezes, a fracos resultados. A leitura final que a população faz muitas vezes, com grande consenso, quando se fala de crimes de colarinho branco, é uma suspeição generalizada, haja condenações ou absolvições.

Também a mesma demora dos processos acontece com as queixas de cidadãos ou pequenas empresas cujos julgamentos se vêem postergados para as calendas e, quando chegam as últimas sentenças, muitos milhares de euros e vários anos gastos, sejam elas favoráveis ou não, já não interessam a ninguém. Todos os pleiteantes maldizem, no fim, a hora em que recorreram ao Tribunal.

Não quero dizer, com estes exemplos comezinhos, que a nossa Justiça é má. Pelo contrário, o seu profissionalismo é de louvar. A Justiça é feita quase sempre com extremo rigor. Mas chega sempre ao cidadão, tarde e a más horas.

Por isso o mesmo cidadão comum pensa, talvez com alguma razão, que o demasiado formalismo e burocracia de que o sistema judicial enferma, e uma certa cultura conservadora dos seus diversos actores são as grandes causas do mal-estar existente na aplicação da Justiça, atempada. Já alguém disse que a justiça portuguesa era demasiado lenta e virgulista.

Extrapolando as considerações de Manuel Alegre, direi ainda que os problemas principais da Sociedade portuguesa, Justiça incluída, residem na melhoria da educação e da cultura dos cidadãos. Há que atacar aí, a longo prazo, com insistência e determinação. Mas quanto tempo vai ser necessário ainda, para levar a carta a Garcia?

Por isso, e simultaneamente, há que incentivar a Justiça, dar-lhe melhores condições, promover a formação moderna dos magistrados, reduzir a metade a burocracia legal existente. Um trabalho ciclópico, sem dúvida.

Mas uma Justiça que demora anos e anos a dar uma sentença, na era dos jactos e dos computadores, serve muito mal o País, mesmo que tenha os melhores juízes do mundo.

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