terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

BARCELOS E O SEU GALO


Pequena crónica irónica


Há alguns anos, resolvi dar um passeio a Barcelos, no tempo em que a cidade era muito mais pequena e muito menos populosa que hoje, mas sempre bonita. No entanto, o que mais agradavelmente me impressionou, nessa visita, foi a apresentação de alguns ranchos folclóricos minhotos, trajando e cantando à moda das suas freguesias de origem Era o tempo em que Pedro Homem de Melo comentava na TV essas danças regionais, com muito conhecimento, grande detalhe e até uma certa graça.

A pouco e pouco, o turismo começou a deixar de lado este tipo de programas pedagógicos que valorizavam o bairrismo e até o nacionalismo das populações ou das povoações da Província, de modo que, muitas delas nunca mais voltaram a ter representação condigna nos ecrãs da TV. De Barcelos, por exemplo, ficou a propaganda do Galo e pouco mais.

O certo é que actualmente, o Galo de Barcelos é mais conhecido que o bacalhau, à Gomes de Sá. Também não admira. Ainda não se havia descoberto o bacalhau em Portugal e já o galo se mostrava por aí, mesmo feito de barro e com pintinhas azuis e vermelhas. Como surgiu o carinho pelo Galo de Barcelos é outra conversa, coisa que pouco interessa à maioria dos nossos compatriotas.

De qualquer modo, tanta popularidade como esta do Galo de Barcelos, que já se tornou um ícone de referência de Portugal de Aquém e de Além-Mar -neste caso com a intervenção dos emigrantes da região -deixou-me intrigado e fui pesquisar a sua origem. Não foi nada difícil, como antigamente, quando era necessário recorrer a bibliotecas, a arquivos e a conservatórias, varrendo o pó dos papéis e arriscando-se a um ataque de asma. Agora, na época da Internet, senhora absoluta da publicação generalista dos segredos mais bem guardados, incluindo os da justiça, nada mais fácil que clicar no Google, inscrever Barcelos e, se não houver disposição para mais, ir ao site correspondente da Wikipedia.

Eureka!

Lá está a lenda do Galo de Barcelos, numa das suas versões mais conhecidas. Não sei quantas mais histórias haverá por aí, mas pouco interessa. Esta já dá pano para mangas, tão bem congeminada foi, como todas as lendas...

Segundo a Wikipedia, encontra-se no Museu Arqueológico de Barcelos o cruzeiro que a lenda diz ter sido oferecido como reconhecimento, por um galego de passagem pela cidade, peregrino de Santiago condenado por grave crime que não cometera e salvo da forca, apesar do nó já dado no pescoço e tudo, através do milagre de um galo morto e assado que cantou, dando testemunho da sua inocência, ante um juiz convencido do contrário pelas aparências e pelos boatos populares. Ainda hoje há julgamentos populares, mas milagres é que já não.

Enfim, galos desses que cantam a atestar a inocência dos indiciados de crime grave é que também já não há mais por aí. Valha a verdade que hoje não é acepipe nenhum comer galo assado no espeto, destronado que foi pelos frangos de aviário, mesmo em Barcelos. E também já não existe forca, a não ser no Iraque, utilizada para o famigerado Saddam Hussein. Teve galo, o ditador Iraquiano, mas não cantou em sua defesa! Seria pedir demais a um bicho desactualizado, sem o curso de formação adequado.

O Galo de Barcelos, com a popularidade que adquiriu, aquém e além fronteiras, deveria simplesmente ter direito a inscrição no Pavilhão Nacional. Tal não aconteceu em 1910, porque, na euforia da sucessão de acontecimentos da Proclamação da República, nem o Columbano Bordalo Pinheiro se lembrou de desenhá-lo na bandeira. Além do mais, Columbano tinha as suas afinidades com as Caldas da Rainha e não com a bonita e histórica cidade e Barcelos onde actualmente já soam apenas buzinas e são muito poucos os galos autênticos que cantam. Tarde piaste!

Para contrabalançar, estimulando o ego dos portugueses e as exportações tão necessárias, nesta época de crise, os oleiros do concelho inventaram um galo que assobia ou faz que canta como um pífaro, o que entretém por alguns minutos os miúdos de 5 anos, por essas feiras fora, enquanto não o deixam escacar-se no chão...

Barcelos merecia muito mais!


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