quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

CANCROS DE ESTIMAÇÃO


Variações de estilo e de gravidade

O cancro é uma coisa tramada, como diria certo escritor bem conhecido da nossa praça.

Ontem foi o dia mundial de luta contra o cancro e as notícias a respeito desse tema foram escassas. Parece que, de tanto se tornarem um lugar comum, foram sendo relegadas para segundo plano. As primeiras parangonas são sempre das novidades, geralmente más, e o cancro já passou por aí, há muitos anos. Agora banalizou-se, não é novidade nenhuma para ninguém, e raras são as famílias que não têm alguém a padecer da doença ou que não tenha falecido dela. De tão conhecido, passou à história antiga da comunicação social, não obstante a sua importância cada vez maior, na saúde dos cidadãos.

De tempos a tempos, lá vem uma noticiazita de mais um estudo, geralmente caricato, como o de há três dias, referindo enigmaticamente que uns «maduros» canadianos haviam descoberto, numa dessas pesquizas a metro que agora se fazem, que o excesso de relações sexuais aumentava as probabilidades de cancro da próstata. Estou a ver a aflição de uns quantos marmanjos, como o «gigolo» do Algarve, que fazem do sexo a sua profissão principal, e a pena que se apoderou das turistas que lhes vão fazendo a corte. O desemprego estaria à vista.

Logo uma estação de TV se apropriou do filão e trouxe um médico especialista à cena, o qual, tranquilamente e para desconsolo do jornalista de serviço, desmontou a «cabala» como agora se diz por aí, para gáudio e serenidade dos passarões mais activos. Não creio que tenham dado luvas à TV ou ao respeitabilíssimo médico comentarista. Ponho as mãos no fogo. Mas, imitando algumas brincadeiras de mau gosto com que certos opinantes pretendem cativar-nos a atenção, não me admiro que outrem pense de forma diferente e mande alguma carta anónima ao M.P., qual metástase insidiosa doutro dos cancros agora muito em voga entre nós...

Certo, certo é que, em Portugal, cerca de 40.000 novos casos de cancro autêntico são diagnosticados, anualmente, daí resultando à volta de 22.000 óbitos.

O cancro da próstata não está entre os três primeiros mais mortíferos, nem o do colo do útero. No entanto, as notícias mais profusas e anedóticas a este respeito foram produzidas durante vários dias, relativamente às incidências de um concurso para aquisição da respectiva vacina, tendo os relatos das caricatas discussões que sempre aparecem pelos motivos mais suspeitos ou risíveis, acabado drasticamente, de um dia para o outro, logo que o Ministério da Saúde adjudicou finalmente a compra da dita a um fornecedor encartado.

A verdade é que, por estas e por outras, o cancro, como doença pouco menos que incurável ou dificilmente curável, tornou-se o paradigma de todas as coisas malignas que nos afligem, a maior parte das quais nada têm a ver com a doença. E assim, temos o cancro do desemprego, o cancro do fraco desenvolvimento económico, o cancro da fuga ao fisco, o cancro da fuga ao segredo de justiça, o cancro das luvas por baixo da mesa, o cancro das fraudes dos exames, das escrituras, das acções e dos negócios bancários, dos contratos públicos, etc., milhões de cancros e finalmente, como essa avalanche dos cancros daria pano para mangas, o cancro da corrupção em geral e da suspeita lançada como um cancro da pele com metástases sobre tudo e todos os que mexem com negócios ou influências...e até, por tabela, sobre muita gente séria.

Infelizmente, foram estes cancros da vida social portuguesa e não os da primeira linha e que dão cabo da nossa própria vida, aqueles que ocuparam as páginas principais da nossa imprensa, para confusão dos leitores.

Hoje mesmo, ao abrir a net, dei de caras com a seguinte notícia:

Portugueses são «recordistas na fuga ao Fisco» na OCDE A progressiva melhoria da eficácia da administração fiscal nos últimos anos não foi suficiente para melhorar a posição portuguesa nos pouco abonatórios rankings internacionais: as dívidas fiscais representam 38% do total das receitas tributárias.

Fiquei perplexo, porque o dia mundial de luta contra o cancro foi ontem. Mas qual deles?

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