Os segredos da praça pública
Alguém dizia, há muitos, muitos anos, que a melhor forma de promover a divulgação de um segredo, era recomendá-lo a um amigo e, por ordem de eficácia, colocava a esposa, os familiares mais chegados e os amigos íntimos. A esposa comunicava imediatamente à vizinha ou à melhor amiga, com idêntica recomendação e assim a coisa era transmitida em segredo, numa proporção geométrica, de uma forma rapidíssima. Os familiares mais próximos transmitiam aos mais afastados e estes aos amigos mais chegados, etc. Os amigos íntimos passavam o segredo aos seus próprios amigos íntimos, estes aos seus próprios e assim por diante. Desta forma secreta e eficaz, um segredo «bem guardado» era posto na praça pública num abrir e fechar de olhos, sem possibilidade de quaisquer denúncias, pelo secretismo obrigatório das fontes, jurado entre todas e cada uma, ou resultando em denúncias de todos contra todos, sem possibilidade de tirar um fio condutor relevante!
Também na publicação de notícias secretas, nunca é possível ser culpabilizado ninguém, pela simples ocultação obrigatória das fontes. Como a lei determina que as fontes não podem ser reveladas à justiça, este acaba por ser o único segredo efectivamente guardado, nesta mistela de segredos de polichinelo, o que é altamente ridículo e até imoral. Mas como o segredo é a alma do negócio, assim se explica como este é o único que funciona tão bem. Se este segredo fosse violado, lá se iam por água abaixo as luvas do traidor e o negócio do publicista. Evidentíssimo!
Claro que já estou a ver os defensores das liberdades e do segredo de justiça, e os jornalistas a apontar baterias contra estas minhas apreciações. Dirão logo que as fontes têm que ser protegidas, a bem da investigação, dos investigados e da própria justiça, etc., etc. Mas eu respondo já que não há maior atropelo às investigações e ao curso da própria justiça que a protecção de fontes desta natureza.
Todos os dias saem desenvolvimentos dos casos em investigação, na imprensa diária, para gáudio dos prevaricadores ou até já arguidos em processos, que assim ficam com tempo para ocultar as eventuais provas ou fugir a tempo. E a Justiça, guardiã dos segredos, não consegue guardá-los, quanto mais investigar a sua fuga ou reparar as suas consequências.
Esta constatação que o cidadão comum aprecia todos os dias, a propósito de qualquer processo de relevância, é simplesmente triste e desmotivadora de quem desejaria que uma investigação se realizasse com rapidez e eficácia e a justiça fosse aplicada sem vírgulas e recursos, tantas vezes suscitados por factos descritos na comunicação social.
Também aqui, não estou muito de acordo com esta, quando afirma em sua defesa, que, logo que um segredo chega às suas mãos, deixa de sê-lo. Por quê? Porque a comunicação social está fora da justiça geral dos cidadãos?
É evidente que, se a publicação de um segredo de justiça fosse punido, desapareceria o negócio e as luvas dadas às fontes ocultas não serviriam para nada! Igualmente acabaria a maior parte das fugas dos suspeitos, a destruição de numerosas provas e, do lado contrário, a suspeição atirada para cima de inocentes e o avolumar de processos longos, com anos e anos de recursos e burocracias sem fim.
Outra coisa ridícula que terminaria de vez, seria a instauração de inquéritos a tudo o que mexe, começando nos próprios promotores da justiça, advogados, auxiliares e de tudo o que gira à sua volta.
Uma notícia «bombástica» saída nos diários de hoje, diz que, nos bastidores, há movimentações que deixam os magistrados preocupados. Em causa está uma reunião entre o chefe das secretas com o PGR, suspeitas de escutas ilegais e uma tentativa de contacto com o é a suspeita de escutas feitas pelo SIS à Procuradoria-Geral da República…
Não sei por quê, lembrei-me logo daquela linha telefónica oculta sob a alcatifa, descoberta, durante obras casuais, no gabinete de um anterior Procurador-Geral.
Também me deixa triste o «secretismo» do badalado caso Freeport. A carta rogatória enviada pela justiça portuguesa foi mantida em segredo durante quatro anos, pelos ingleses, mas foi logo publicada, assim que a resposta destes chegou a Portugal!
Belo segredo! Extraordinário civismo e eficácia das nossas gentes!
Tudo isto, evidentemente, com todo o seu ar de seriedade, o seu aparato ou, como diriam os ingleses, coma sua pompa e circunstância, soa a falso, para não dizer mesmo que cheira a podre, porque, se os guardiães responsáveis não conseguem manter o segredo de justiça, se nunca conseguem encontrar os delatores, com tantos meios postos à disposição, peçam para alterar a lei e acabem com ele de vez. Poupavam assim o tempo dos cuidados ineficazes e dos inquéritos inconclusivos. O segredo deixava de ter qualquer importância. E, ao menos, deixavam de fazer a triste e ridícula figura que fazem, ante uma opinião pública cada vez mais descrente.
Provavelmente, o único prejuízo resultante do fim eventual do segredo de justiça seria a perda de luvas, por parte das actuais importantíssimas fontes ocultas que alimentam a imprensa…
Mas quem sou eu para dar alvitres?
sábado, 7 de fevereiro de 2009
TODOS CONTRA TODOS
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