sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

CORRUPÇÃO, DENÚNCIAS E VEREDICTOS


Tristezas não pagam dívidas

A imagem que a imprensa diária passa aos leitores é que Portugal é um país de corruptos. Não admira que assim seja. A imprensa vive dos leitores, e apregoar coisas boas ou decentes não vende. Seria mesmo muito estranho se, num país que a imprensa rotula de corrupto, diariamente, o que é bom e decente ocupasse a maioria das suas páginas.
Mas não sei se foi a imprensa que sugestionou a população, ou foi esta que orientou a imprensa para os textos demolidores.
A verdade é que a maioria da população também diz o mesmo que a imprensa, desde que a liberdade de expressão se tornou lei, no nosso país, e até com mais acutilância. Basta viajar num autocarro, puxar pela língua a um condutor de táxi, a um lojista, a um comentarista de futebol, até a um funcionário público, para ouvir, não tarda nada, a expressão consagrada:
-São todos uns corruptos!
Ninguém escapa ao labéu, com a mínima excepção dos dialogantes e seus familiares. O certo é que também a expressão, com o uso frequente, e a maior parte das vezes injustificada ou fora de contexto, se tornou um lugar comum que quase podemos comparar ao conhecido filho da puta que as mães honestas, em certas zonas de fala tradicional mais livre, chamam tranquilamente aos próprios filhos.
E sendo assim, fazendo da corrupção um lugar comum a torto e a direito, com razão ou sem ela, o mais que a imprensa tem conseguido é entreter o público com as suas telenovelas, mas às quais ele dá uma importância sempre mais diminuta, à medida que lhe são apresentados mais folhetins. O Zé encolhe os ombros e sentencia de novo:
-Deixá-los lá! É tudo a mesma choldra! Que se amanhem e não chateiem!
Todos sabemos que não é assim, que os grandes corruptos não são a maioria da população, que as denúncias também nem sempre são feitas pelos melhores motivos, e que a justiça entre nós não vale grande coisa, nos casos mais badalados, num arrastar de processos e recursos sem fim. A colorida difusão dos segredos de justiça por uma imprensa que se alimenta de fontes fidedignas anónimas, completa o quadro.
Por essas e por outras, a população desvaloriza a corrupção que lhe apresentam. E também porque ela própria se habituou a uma certa corrupção existente em todas as profissões e em todas as classes, sem a qual não se faz nada, ou tudo tende para a estagnação, mesmo desde os tempos da «Outra Senhora»… Recordo que, nessa época, havia duas testemunhas sempre disponíveis à entrada dos cartórios, para atestar a identidade dos desconhecidos que iam reconhecer as assinaturas, a dois escudos e meio cada, e outras cenas mais indignas se passavam em numerosas repartições…
No país da cunha generalizada, novidades mais graves sucederam, nos tempos da democracia. E assim, nas autarquias, os presidentes e os vereadores, se fizeram obra, serão desculpados pela opinião pública e reeleitos, mesmo que hajam cometido irregularidades ou se tenham abotoado com algum. As gentes dizem apenas:
-Ao menos estes trabalharam e deixaram resultados! Valem mais que outros que só badalam e não fazem nada!
Acabo de ler um par de comentários interessantes sobre dois aspectos diversos em que a imprensa e a justiça andam às turras (ou às aranhas), sobre este mesmo tema geral que engloba a corrupção: a denúncia, feita veredicto final e o veredicto popular, suscitado pela publicação do segredo de justiça na praça pública.
O primeiro comentarista insurge-se contra «a vitória dos corruptos» denunciados pela imprensa, e por ela condenados, mas que não chegam a ser condenados pela justiça, nem penalizados pela opinião pública, na sua acção política. O segundo põe a nu o abuso, a falta de respeito e de civismo da imprensa pelo segredo de justiça, fazendo suspeitos e culpando-os ante a opinião pública, antes do veredicto judicial.
Ora, independentemente destas ou de outras opiniões, o Povo humilde também tem uma opinião própria sobre aquilo que se passa no País, embora os políticos, os letrados e os comentaristas a desvalorizem quase sempre, ou mesmo não lhe liguem nenhuma.
Há dias, por muito incrível que possa parecer, alguém me dizia que, para meter tudo isto na ordem, já nem o Salazar bastava. Talvez só o Marquês…
Ele acabaria de vez com a fofoca, com os corruptos, com os violadores ou abusadores do segredo de justiça, com as demoras dos processos, mas depois só teríamos a justiça da forca, para distracção.
Fiquei pensativo.
Mal por mal, é preferível aguentar uns quantos corruptos, tolerar a imprensa com a sua fofoca, o seu rol de desgraças, ou as suas denúncias de fontes anónimas, e a justiça com o seu formalismo ridículo, os seus atrasos e também alguns falhanços.
É triste os portugueses não conseguirem dar a volta ao texto.
Mas como tristezas não pagam dívidas e o Carnaval está aí…

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