Os tempos que correm não são de facilidades para a maioria da população. A vida é difícil, o desemprego espreita a cada esquina, o trabalho nem sempre é gratificante, os encargos para os cidadãos tornam-se cada vez mais pesados, para muitos mesmo insuportáveis. Há quem cometa até actos de desespero que a moral cristã condena.
Provavelmente por essa razão, somos todos os dias confrontados com o aumento dos roubos e assaltos à mão armada que a polícia e os tribunais vão resolvendo com maior ou menor eficácia e competência.
Não deixa, no entanto, de ser bizarro que os grandes desvios de valores, alguns levados a cabo com extrema habilidade, baseados em furos das próprias leis vigentes, mas suspeitos aos olhos de toda a gente, quase sempre fiquem à margem de qualquer prova, terminando impunes, ridicularizando os cidadãos honestos e cumpridores, as autoridades e a própria justiça.
O caso do BPN, envolvendo muitas centenas de milhões, ocorrido tranquila e impunemente ao longo de vários anos com a perícia dos seus administradores e a complacência dos seus maiores accionistas, é o exemplo mais flagrante de oportunismo, de desfaçatez, de falta de moral e respeito, de desprezo pelo cidadão comum que conta e reconta os poucos euros de que dispõe, lutando denodadamente pela sua sobrevivência diária. Por vezes, tentando sair timidamente da sua impotência, o cidadão humilde protesta.
Alguns, mais bem instalados na vida, poderão supor que se trata de inveja dos menos bafejados da sorte perante os que souberam agir inteligentemente e aumentar os seus rendimentos, à custa de trabalho árduo e honesto. Mas não se trata disso. A realidade mostra que teve lugar um roubo monstruoso, disfarçado, planeado e executado a frio, com a conivência de figuras altamente colocadas na sociedade e na vida política nacional. Veremos se a polícia e a justiça, tão céleres por vezes a caçar e castigar o pequeno ladrão da esquina, conseguem mostrar aqui a sua eficácia, contrariando a descrença generalizada da população mais humilde.
Ontem assisti, na TV, a uma pequena entrevista ao General Ramalho Eanes, tendo como epílogo uma pedrada no charco da imoralidade que por aí circula. Figura ímpar de militar e político, exemplo de cidadão impoluto, honesto e sem vaidades, a imprensa deveria colocá-lo e exaltá-lo nas suas páginas primeiras, como exemplo a seguir nos dias de hoje em que a permissividade, a vaidade, o oportunismo e a agiotagem das classes influentes da sociedade se tornaram num lugar comum em que ninguém repara e de que ninguém já quase faz caso... Mas a fofoca sobe sempre mais alto.
O General a quem o país deve bastante, o militar que recusou a distinção honorífica de marechal com que quiseram honrá-lo, ganhou ao Estado, em Tribunal, o direito aos dividendos da previsível reforma militar que lhe cabia receber e lhe haviam sido legal e maliciosamente negados, mas teve, de seguida, a honra de recusá-los, num cúmulo de honestidade que nem parece dos nossos tempos, qual bofetada de luva branca, como alguém já disse, a tantos que andam por aí com reformas milionárias, ordenados duplicados ou mordomias de moralidade e legalidade duvidosas.
Um amigo que muito prezo disse-me, num misto de admiração e mágoa que comparava o General a um D. Quixote, dos tempos modernos...
Aceito, mas discordo num pormenor importante. O General não esgrime contra moinhos de vento, como descreveu o genial Cervantes, mas contra a desonra e a desonestidade, instituídas e aceites como norma, que seguem de vento em popa, por este país fora.
O resultado não será brilhante. E também, à semelhança do imortal personagem, haverá neste Portugal de inversão total de valores morais, alguns oportunistas de serviço que lhe chamarão, como ao herói do livro, o cavaleiro da triste figura.
Mas triste figura é a daqueles que não são capazes de comportar-se decentemente, ou fazem caso omisso destes raros exemplos de honestidade e desprendimento de vaidades, virtudes cada vez mais esquecidas por cá.
Ora aqui está a singularidade oportuna, quase despercebida, do General Eanes, a contrastar com outros oportunismos singulares publicitados na imprensa aos quatro ventos...
Assim vai Portugal, no seu melhor e no seu pior.
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