quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

ANO DE EXCESSOS


Nem sempre os segundos contam

Não há dúvida de que este foi um ano de excessos, com ataques terroristas em locais insuspeitados, demissões de governos não previsíveis, crise económica e financeira que já levou bancos à falência e países à beira da banca rota, milhões de pessoas a morrer de fome, desemprego a tentar a escalada e muitas outras coisas que dariam para encher várias páginas.

O sentimento geral de frustração e de insegurança alia-se a um recrudescimento de um certo radicalismo em todas as circunstâncias, a que não é estranha a globalização imposta pelas tecnologias da comunicação em que vivemos.

Alguém me dizia, há tempos, que eu culpava a imprensa de muitos sucessos, quando ela era apenas o veículo, a cara dos acontecimentos...Mas eu insisto.

A imprensa, por mais neutra que possa parecer quanto aos eventos que relata ou comenta, é sempre intervencionista. Se não fosse ela, grandes faixas da sociedade, a nível mundial seriam ignorantes do que acontece e estariam proibidas de intervir, ou de receber simplesmente os benefícios e as desgraças daí resultantes.

Quando, há muitos anos, um eminente cientista e filósofo disse mais ou menos, para escândalo de muito boa gente, que o bater das asas de uma borboleta no Arizona originaria uma catástrofe na Cochinchina, ninguém, até os mais avançados em conjecturas, poderia prever que pormenores muito mais insignificantes viriam hoje a ser ainda mais determinantes, na vida de cada um. E, à medida que o tempo passa, mais e mais se acentua a interdependência das populações, neste universo em que o equilíbrio que gera o bom senso, e a liberdade se tornam cada vez mais difíceis, exigindo de cada um mais regras, mais inteligência e cooperação com os semelhantes, mais abdicação daquilo que até há cinquenta anos julgávamos intangível, em troca de novas tecnologias, novos vícios, novas necessidades, novas comodidades e novas misérias...

No meio de tantas conjecturas, do acelerar constante dos novos conhecimentos, sentimos, por vezes que a Humanidade se desumaniza, se transforma em números, em estatísticas, em matemática pura, abstracta, sem alma, navegando no macro e no micro sem consideração pelo Eu, pelo Presente, pela Vida. É certo que grandes sábios da Matemática, da Física, da Química ou da Biologia sempre trataram de fazer essa Matemática inteligível mas, para o comum dos mortais, a sua linguagem não passou de frases ininteligíveis ou de lugares comuns, sem sentido. Por outro lado, a Matemática mais comezinha também por vezes desespera os sábios e nem sempre é apreendida pelas maiorias.

Por exemplo, uma notícia, veiculada na imprensa de hoje, dá conta de que o ano de 2008 vai ser, exactamente, maior que os antecedentes, porque a Terra se atrasou, no seu movimento de rotação. E assim, «na passagem de ano, o último minuto de 2008 contará com 61 segundos!

Não se trata de um bónus, mas de uma necessidade de acertar o Relógio do Homem com o Relógio da Terra.»

“Nós usamos, ao nível internacional, uma escala de tempo atómico e essa escala é muito mais precisa do que a Terra. Para que não existam grandes diferenças entre a escala de tempo atómico e a rotação da Terra é necessário haver pequenos acertos”.

Tão simples como isso, tão complicado como a notícia faz crer, ou vice-versa, tudo dependo do sábio ou do ignorante, do literato culto ou do alfabetizado iliterato que passam os olhos pela notícia...

Hoje é dia de Natal do ano de todos os excessos, até de um segundo a mais antes do fim.

Uns dias atrás, os guerrilheiros do Hamas lançaram mísseis provocatórios sobre território israelita e, nesta madrugada de oração e respeito para islamitas e cristãos, a aviação judaica mandou-lhes uns petardos de retaliação que causaram vítimas, enquanto o Papa e M. Abbas, em plena zona sagrada de Jerusalém, davam honras ao Senhor, como se pregassem no deserto...

Porque, afinal, quem dará importância a estas palavras de paz proferidas para multidões?

A imprensa globalizadora e hipócrita fá-las ressoar, de uma ponta à outra do planeta, mas como se fizessem parte de um gigantesco anúncio comercial ante o qual todas as boas intenções e todas as celebrações moral e secularmente impostas são desvalorizadas em luzinhas e balões, em festejos, em ágapes lautos e escandalosos, em trocas de presentes sem significado, enfim, num simples e geral encolher de ombros...

Talvez esta barafunda artificial e a sua furiosa publicação comercial sejam, sem dar-nos conta, os maiores excessos deste ano, maiores que todas as crises económicas e financeiras que se adivinham por aí. Também elas, como todas as outras, não terão solução à vista sem o regresso da paz às consciências.

E a paz armada, que a humanidade sempre desejou aplicar, nunca foi nem será remédio definitivo, como todos os radicalismos, como todos os excessos...

Então por que será que o Homem, sabendo isso, se obstina, teimosamente, na aplicação das soluções erradas que vem fazendo, desde o exacto momento da sua criação?

Ou alguém pensa por aí agora que, com este excesso de um segundo no tempo de rotação da Terra, de tantos em tantos anos, virá a regeneração da Humanidade?

Sem comentários: