quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

PIRATARIA MODERNA


Das Caraíbas ao Corno de África

Longe vão os tempos da pirataria profissional, organizada e avalizada pelos governos interessados como um factor de desgaste, uma guerra encoberta às portas dos inimigos de estimação. Foi assim que, principalmente nos séculos XVI e XVII, os navios espanhóis, e também os portugueses, foram atacados pelos corsários ingleses, franceses e holandeses, para não falar dos turcos, dos chineses, e doutros de menor estofo.

Nas Antilhas, tornadas célebres pela pirataria oficializada, a caça aos tesouros que vinham do México, da Amazónia e do Peru para a Espanha tornou-se o pão nosso de cada dia, e os feitos dessa malta de ladrões foram frequentemente enaltecidos pelos governantes que os armavam e incentivavam na sombra. A História ficou assim cheia de heróis em vez de assassinos, e as histórias de quadradinhos dos dias de hoje fizeram as delícias de uma certa juventude, na última metade do século XX, só vindo a perder interesse pela transposição das peripécias para os ecrãs de cinema e de televisão. Mas ainda se vão vendo por aí os piratas de cara façanhuda, de facalhão e espada, de botas altas até à coxa, casaca cheia de botões e chapéu a imitar os da época...

No ano passado, fui dar um passeio para matar saudades ao Porto, onde frequentara a Universidade, nos anos 50. Resolvi, a certa altura, ir tomar um cafezinho ao Diu, na rua da Boavista, à Cedofeita, porque ali havia passado boas horas de convívio e estudo, com colegas de Faculdade. Não podia ser maior o meu espanto quando, logo à entrada, um pirata com perna de pau e pala negra no olho de vidro fazia as honras da gerência aos clientes. Ainda perguntei a um funcionário por que tinham escolhido o pirata para lhes dar as boas vindas e, já agora, porque não punham a tocar baixinho, de vez em quando, aquela canção brasileira, a condizer, que começava assim:

Eu sou o pirata

Da perna de pau,

Do olho de vidro,

Da cara de mau...

Mas ele encolheu os ombros, começou a rir e eu não tive coragem de continuar.

Nunca mais voltei a lembrar-me de piratas e quejandos, até começar a ler as notícias dos jornais, com os assaltos a petroleiros, paquetes de turismo, rebocadores e até cargueiros com material de guerra, em certa zona do Oceano Índico, à saída do movimentado e estratégico Estreito de Ormuz, no celebrado Corno de África.

A coisa não é nenhuma brincadeira. Vários países já mobilizaram barcos de guerra para proteger as suas embarcações, mas ainda assim a situação está a tornar-se insustentável. Segundo notícia da Lusa, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovou uma nova resolução autorizando por um ano as operações no território da Somália, em cujas costas piratas sequestraram hoje mais um cargueiro turco!

Até que enfim! A única forma de acabar com essa pirataria é enfrentá-la no seu próprio refúgio. Mas creio que não vai ser tão fácil como alguns pensam, porque antevejo que alguma organização terrorista deve estar a financiar esta gente.

Oxalá me engane.

Há duas horas atrás, fui ao Centro Comercial próximo de casa e tive mais um desses encontros surpreendentes, na área dos cinemas, nada menos que uma escultura em tamanho natural, do Capitão Gancho!

As crianças mais pequenas que passavam por ali, perguntavam aos pais que as acompanhavam quem era aquele...e eles lá se iam desenrascando conforme podiam, recorrendo às histórias de quadradinhos que tinham visto em miúdos ou aos filmes com Errol Flynn, de espada em punho, a saltar de corda em corda como um macaco, de veleiro para veleiro, sempre salvo, sempre vencedor, sempre alegre, sempre do lado da justiça e da razão, sempre castigador com as madamas que lhe apareciam pela frente...

Aposto que nenhum deles relacionou, ao menos por alguns momentos, essa «heróica» e mal retratada pirataria de antanho com a que ocorre actualmente no Índico, com gente de cara enfarruscada e metralhadora em punho, assaltando navios pacíficos, roubando, sequestrando e matando tripulantes e passageiros desprevenidos. E contudo, passados séculos, a pirataria é a mesma, servindo interesses inconfessáveis, apenas com outros actores, com meios diferentes e muito mais poderosos.

Será que, neste mundo de contradições permanentes, daqui a uns anos, alguns desses piratas somalis ainda se vão tornar heróis de banda desenhada ou de filmes de casa cheia, nos seus países de origem, em vez de apodrecerem esquecidos na prisão?

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