segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

CHUVA MIUDINHA


O boletim da convicção

Após vários dias de sol, a chuva miudinha vem fazer-nos uma visita prolongada, segundo avisa o Boletim Meteorológico. Por vezes engana-se, mas tenho a convicção de que agora vai acertar.

O boletim da convicção é uma coisa tramada!

Podem vir os argumentos mais valiosos e convincentes, que não conseguirão nunca desmontar a sua estratégia que reside precisamente em não ter estratégia nenhuma. A convicção existe, e pronto!

É minha convicção, desta vez, que, não só a chuva miudinha vai continuar, como é costume, sempre que se apresenta, como vai transformar-se em bátegas a atordoar-nos por alguns dias, para alegria dos agricultores que anualmente, de há uns tempos para cá, aumentam as suas queixas da escassez de água.

Ainda bem. Há uns anos atrás, por causa da falta de chuva na altura prevista, tivemos uma seca de truz, com a água a ser racionada e distribuída pelos bombeiros às povoações mais desfavorecidas. A minha convicção é que, no próximo ano, não vai haver seca generalizada, em Portugal. Palavra do meu boletim de convicção.

Mas, voltando à chuva miudinha, os brasileiros chamam-lhe garua, palavra que não vem nos dicionários honestos, como muitas outras de uso corrente. Os africanos designam-na por cacimba, palavra que os portugueses usaram, mas já substituiram definitivamente pela chuvinha e, sobretudo, pela expressão simultaneamente mais prosaica e certeira de chuva molha tolos.

Os portugueses são fantásticos para arranjar expressões precisas, caracterizadoras, marcantes para toda a vida. Neste caso, andaram à chuva, no meio ou à volta dela, sem qualquer protecção, já se vê, e molharam-se, os tolinhos! Já D. Afonso Henriques os tinha avisado sabiamente que quem anda à chuva, molha-se, mas eles não aprenderam, ou desvalorizaram os oportunos conselhos do nosso primeiro rei. Mal agradecidos!

O guarda-chuva, está claro, não é usado pelos tolos, neste caso. Pensam que não vale a pena levar, nem abrir, que a chuvinha não molha nada. Além disso, o guarda-chuva custa a abrir, a dobrar e a fechar, a palavra é composta, coisa que não acontece na maioria dos povos que inventaram uma palavra simples e assim não se molham nunca, como acontece com os nossos aliados ingleses que não dispensam a umbrella. Até os franceses tão dados a rococós, e que foram durante muitos anos os nossos mentores, simplificaram para parapluie e nuestros hermanos espanhóis, muito parecidos connosco em tantas palermices, arranjaram a simplificação apressada do paraguas...

Seja por influência dos ingleses, dos franceses ou dos espanhóis, a verdade é que não saio à rua sem o dito, nestes dias de chuva miudinha, porque não quero fazer de tolinho, como boa parte dos portugueses que se julgam sábios quando saem, nestes dias, e lhes sai o tiro pela culatra...

Ontem mesmo, adivinhando o que aí vinha hoje, visitei o meu chinês de estimação, no quarteirão em frente, e fui comprar um desdobrável, ao preço da chuva, pensava eu...mas ao preço da chuva, como se dizia dantes, já nem a própria chuva se consegue, nos tempos que correm.

Mas há contradições do diabo.

Tenho verificado ultimamente que até os chineses lutam com grandes dificuldades para manter as suas lojas abertas. Os supermercados estão a ficar inundados de artigos chineses, importados directamente da origem, a preços sem concorrência. Só falta já colocarem os rótulos e os letreiros em mandarim ou pequinês, nos artigos e nas prateleiras...

E como dirão eles chuva molha tolos?

Para comprar o guarda-chuva, ontem, não precisei de falar chinês, bastou-me fazer o gesto...

Acabou-se-me a pedalada e apetece-me sair, mas andar à chuva, nunca.

Olho pela vidraça e vejo que ainda continua a cair a mesma chuvinha pegajosa...

Logo o boletim meteorológico teria que acertar, desta vez!

Chatice!

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