sábado, 27 de dezembro de 2008

PAI NATAL


No campo das contradições

Há uns setenta anos, ninguém, em Portugal, sabia quem era o Pai Natal. Mesmo as renas eram animais quase só conhecidos dos nórdicos, e apenas os estudiosos, fora da Escandinávia, sabiam da sua existência.

Os presépios eram o louvor da Igreja e dos fiéis em honra do Nascimento de Cristo, desde os tempos medievais, e os animais mais utilizados na representação foram sempre, até aos dias de hoje, o burro, a vaca, o camelo, e as ovelhas...

A invenção do Pai Natal vestido de vermelho, sentado num trenó carregado de prendas e puxado pelas renas, teria que ser, fatalmente, dos Lapões, dos Suecos, Noruegueses e Finlandeses. A Comunicação Social e o Comércio desenfreado, incentivado sem dúvida pelas apetências e habilidades americanas, devem ter concorrido, decisivamente, para a sua institucionalização na maior parte dos países do Globo.

Hoje não há beco por esse mundo fora onde o Pai Natal não seja conhecido de graúdos e miúdos, viajando pela neve real das zonas geladas ou mais ou menos algodoada das zonas tropicais, ao encontro do pinheiro nórdico ou plastificado, com a sua estrelinha prateada no cimo, e as bolinhas e luzinhas a piscar em redor...

Os presépios, a pouco e pouco, apesar da resistência da Igreja, foram sendo relegados para segundo plano ou mesmo transformados em puro negócio de supermercado, subsistindo algumas maravilhas de arte nas catedrais, ou fechadas à chave, e aqueles que a devoção dos fiéis ainda constrói por aí, especialmente nos meios rurais.

Agora, em vez de presépios, as árvores de Natal, já plásticas na sua maioria, ocupam as praças, as ruas, as casas dos fregueses, com a miudagem dedicada ao seu enfeite...

Também a antiga tradição das prendas no sapatinho colocado de véspera na chaminé, ao lado do Menino deitado nas palhinhas, foi à vida, trocada pela descida do Pai Natal, depois da meia-noite, descarregando os brinquedos e zarpando num ápice, sem ser notado, sem deixar nem um ligeiro salpico de fuligem...

Nem isso já existe. As crianças agora nascem espertas, não engolem essas do sapatinho, nem do Pai Natal, nem quaisquer outras mentiras poéticas bem intencionadas. Hoje é pão, pão, queijo, queijo! As coisas não têm piada nenhuma, mas os comerciantes adoram! O Pai Natal é uma forma de embelezar a casa, de presentear os filhos, os familiares e os amigos com prendas a demonstrar amizade, ao menos de uma maneira fugaz, nesta quadra especialmente concebida para celebrar a fraternidade entre os homens, que deveria comemorar-se durante todos os dias do ano.

Também não é assim que acontece.

Os mísseis e os aviões espalham a destruição e a morte na própria Terra onde Cristo nasceu para pregar e lembrar aos homens que são todos irmãos. Pelo que vemos, nem sempre com resultados positivos. E no resto do Mundo as coisas não correm de melhor forma.

Num País que é o topo da civilização que nos rege, um maníaco, disfarçado de Pai Natal, lembrou-se de fazer das suas, levando a morte como prenda a uma família e amigos que comemoravam a noite sacra em volta da árvore enfeitada e iluminada... Ao bater à porta, perfeitamente uniformizado, uma criança de oito anos abriu, sorridente, para dar-lhe um beijo, levando um tiro como retribuição. Igual prenda sofreram oito familiares e amigos, na maioria crianças! Este Pai Natal assassino, foi a seguir incendiário, e acabou por cometer suicídio, pouco tempo depois.

No Iraque, No Paquistão, na Índia, no Afeganistão, na Somália, no Zimbawue, na Guiné-Conackri, no Sudão, na Palestina, em meio mundo (e até à nossa volta) a morte, a violência, e a fome fazem das suas. Estes flagelos cá estão a lembrar-nos que a vida é transitória e deve ser bem gerida, mas que não tem qualquer valor para muita gente, tanto faz que uns comemorem o Nascimento do Menino Deus ou que outros se regalem com a chegada do Pai Natal carregado de prendas, ou não liguem nenhuma á efeméride.

Não há respeito nem amizade por ninguém, queixamo-nos nós, de vez em quando. E, no entanto, ainda somos uns felizardos, no meio destas misérias, neste campo de tantas contradições que é o mundo em que vivemos.

Mesmo na minha frente, tenho um pequeno presépio de cores vivas, em madeira, execução manual de mãos habilidosas de indígenas humildes e respeitadores das tradições ancestrais dos Andes Peruanos, com as diversas figuras nas posições habituais, sem armas, sem drogas, perfeitamente ingénuas, sem intenções ocultas...

Como gosto de permanecer a olhá-lo, esquecendo tudo, tranquilamente, e a imaginar as sensações que devem ter passado pelas mentes dos seus simples executantes...

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