terça-feira, 30 de dezembro de 2008

AÇORES

Estatuto, cenas e actores

Mais uma telenovela parece ter chegado ao fim, com a promulgação do Estatuto dos Açores. Digo parece, porque ainda poderá ter continuação a pedido de vários interessados, quando o Estatuto tiver que ser aplicado, em determinadas condições.

Mas, para além do que possa acontecer no futuro, o que já se passou foi um perfeito drama ou, se quisermos, um conjunto de cenas trágico-cómicas levadas a cabo por actores de primeira plana do nosso circo político-mediático.

Houve, efectivamente cenas com actos para todos os gostos, onde não faltaram as cambalhotas de trapézio, as palhaçadas do costume, as ameaças do domador, as incompetências das feras, o fim de cena com o seu ar de tragédia...

E no entanto, cá vamos todos, cantando e rindo, levados, levados sim, como se nada... como se se tratasse só de um circo!

O Presidente da República promulgou finalmente o documento, contra sua vontade, mandando os correspondentes recados aos partidos políticos que o encostaram à parede. Depois do burro morto, como diz o povo...

Agora, durante vários dias, a imprensa, os comentaristas ou analistas políticos vão entreter-se com o tema e entreter a população com as suas teorias, os seus próprios recados, as suas bizarrias, as suas jogadas, as suas fofocas...

E na altura própria, também o Tribunal Constitucional poderá intervir, abrindo a possibilidade de novas cenas, de novos actos com toga e tudo.

Cá estaremos todos, de ânimo levantado, para aguentar estas tropelias todas, sem piar! E por quê piar, se fomos nós todos que votamos nestes actores?

Várias «ligeirezas» ocorreram, durante todo este processo legislativo, a nível partidário, a nível parlamentar e a nível presidencial.

Em primeiro lugar, não se compreende a falta de estudo exaustivo da Constituição pelos deputados, assessorados pelos melhores constitucionalistas. Esse estudo deveria igualmente ter sido levado a cabo pelos Partidos e pelo Parlamento, para não deixar quaisquer margens para dúvidas, no que se refere ao diploma a votar e à sua aplicação futura. Os Partidos e o Parlamento, cuja obrigação é defender a constituição que votaram favoravelmente, já não a conhecem, já não se revêem nela, ou já a desvalorizam? Felizmente que o Tribunal Constitucional existe, para suprir estes anacronismos, mas poderiam ter-se evitado discussões, votações, atrasos e o ferir de susceptibilidades que sempre ocorre, pelo meio.

Em segundo lugar, não se compreende que um partido vote em unanimidade com os restantes, por duas vezes, o mesmo diploma, e se abstenha à terceira, com medo de zangar os correligionários das Ilhas, com vergonha da cambalhota suprema de votar contra. Aconteceu, mesmo assim, uma aprovação maioritária por dois terços dos votantes, o que obrigou o Presidente a promulgar a lei.

Em terceiro lugar, não se compreende que o Presidente, que tão seguro se mostrou da inconstitucionalidade de um certo artigo do diploma, como esgrimiu na sua declaração amarga à Nação, não o tenha enviado em tempo à apreciação do Tribunal Constitucional. Preferiu a comodidade ou a visibilidade da posição (ou oposição) política, arriscando demasiado e sem necessidade, vindo a perder por um voto!

Por que o fez?

Que lhe terá passado pela cabeça ?

Teve receio de que o Tribunal validasse o documento, contra a sua opinião?

Ou supôs que os partidos da oposição, com o seu incluído, não permitiriam a sua aprovação, como pretenderia?

De nada servem as suas amarguras e a tentativa de passar a culpa a outros, lavando as mãos como Pilatos, porque o último erro do espectáculo circense a que presidiu foi apenas seu!

Mais uma vez o Primeiro-Ministro, tranquilamente, tirou um coelho da cartola, por habilidade política pessoal, mas também por mera incompetência dos seus ineptos opositores. Tenho que lhe tirar o chapéu, como único actor coerente nesta cena de tantos actores desastrados, tenha ou não tenha razão, coisa que não quero discutir. Há por aí sentenças a mais, para quem quiser tirar as coisas a limpo...ou talvez não...

Já estou velho para ser actor de teatro, sinto-me bem no meu observatório, e cada vez tenho menos paciência para assistir aos espectáculos...

Assim vai a nossa Democracia, de representação em representação, de discussão em discussão, cada vez espremendo menos sumo para dar aos portugueses, cada vez mais espremidos e baralhados eles próprios, cada vez mais enredados nos seus próprios labirintos...

Quem disse que a linha recta era o caminho mais curto entre dois pontos?

Valha-nos Santa Engrácia!

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