Afinal, não somos únicos…
Há dias, alguns diários da nossa aldeia lisboeta embandeiravam em arco com a notícia, em primeira página, de que o recentemente eleito Presidente dos Estados Unidos da América havia mandado ao Presidente da República Portuguesa uma carta enternecedora, terminando com os votos de uma colaboração estreita entre os dois países. Para eles, o país havia já saído do fosso, era o melhor do mundo e, a carta de Barack Obama demonstrava a linha certa que o PR seguia, na sua orientação de política externa! Portugal iria ser chamado a intervir, colaborando com os EEUU na resolução dos grandes problemas que afligem o mundo.
Fiquei desconfiado da notícia, e do sentido que os seus propagandistas apressados queriam dar-lhe. Pensei logo para comigo que estes parolos não deviam estar bons da cabeça!
Depois da transcrição da carta nos ecrãs da TV, mais convencido fiquei. E tinha razão.
Ao terceiro dia, veio a lume, na Internet, que uma carta idêntica tinha sido recebida pelo Primeiro-Ministro e pelo Presidente da Assembleia da República, e os parolos que haviam lançado a primeira notícia não tiveram outro remédio que dar a notícia dos outros dois envios, em letra muito pequenina, numa página de interior, para não fazerem figura de esperteza saloia.
Nos dias seguintes, logo alguns comentaristas mais perspicazes se atreveram a mandar alguns recados pelos jornais, porque pressentiram que uma carta idêntica, escrita para a circunstância por um qualquer secretário do subsecretário de Barack Obama, teria certamente sido enviada para muitos outros pequenos países, como a Libéria, a Islândia, Andorra ou a Guiné…
Conclusão: Somos um país de parolos que, sedentos de importância, embandeiramos em arco ao primeiro indício de sucesso que nos aparece, por mais pequeno que seja. Já deveríamos ter aprendido, com tantas bofetadas recebidas dos tais amigos de Peniche que por aí prosperam, mas não temos emenda. Ao menor vestígio de contacto que um canzarrão mostra, ao deitar a língua de fora, para passar pelo pêlo do cachorrinho, logo este se derrete e estremece de contentamento. O pior é que, ao pretender retribuir, o bicharoco arreganha a dentuça, e o pequenitates foge, a sete pés, com o rabinho entre as pernas!
A parolice chega ao ponto de, em qualquer entrevista a alguma personalidade internacional importante, no estrangeiro, o entrevistador português nunca esquecer as perguntas sacramentais:
-Já visitou Portugal? De que gostou mais?
Às vezes as respostas são educadas, para não ferir ninguém, mas outras são agressivas, directas, mesmo abrutadas e o desgraçado fica sem pinga de sangue, tendo que mudar de tema num ver se te avias.
Uma semana passada sobre o trivial episódio da carta do Presidente Obama, outra notícia do género foi logo trazida a público, para contentamento dos pacóvios que ainda não teriam aprendido a lição. Um cãozinho de água, de raça portuguesa pura, apurada para nosso orgulho, nos EE UU, vai nascer no Algarve lá para Abril, sendo enviado então ao Presidente Obama. Fora durante a campanha eleitoral que ele tinha mostrado interesse por um animalito desta raça, a um jornalista que o entrevistara para uma qualquer revista de fofoca lá do sítio…Os luso-americanos incharam de orgulho.
Agora, só faltará, em Abril, enviar o cãozinho numa embaixada especial ao Presidente, como aconteceu na Época dos Descobrimentos, com o cortejo de vaidades, ao Papa. Só que, agora, não temos dinheiro, nem para mandar cantar um cego!
E infelizmente, por cá, os ceguetas e os parolos são aos milhões…
Há uns três ou quatro anos, num passeio a Itália, fui levado, pela guia de viagem, à Piaza Navona, não tanto para apreciar a beleza ímpar da sua arquitectura, mas para apreciar o chocolate local, transformado em ícone de estimação para turistas. E não é que me lembrei logo dos Pastéis de Belém? Os turistas, arrebanhados da Torre de Belém, do Centro Calouste Gulbenkian, ou do Mosteiro de Santa Maria, vão dessedentar-se ali, experimentando os ditos, entre uma pitada de canela e uma bica bem tirada…
Fiquei contente porque, afinal, não éramos só nós, porque os parolos são todos iguais, por esse mundo fora.
Só que alguns deles, como diria J. Orwell se tivesse vindo a Portugal, são mais parolos que outros…