sábado, 9 de fevereiro de 2008

TROCA DE DOENTES, A DOMICÍLIO

A anedota da semana – I I

A vida tem destas coisas. A saúde, como todos sabem e badalam aos quatro ventos, é um bem inestimável. No entanto, quando se é novo e se desfruta dela, não se lhe dá nenhuma importância.

A saúde só se torna importante quando começa a escassear, os azares da vida nos levam a fragilizá-la ou a velhice vai chegando, quando chega, de mansinho, com todas as suas mazelas.

Uma das vantagens de viver no século XX ou XXI, num país dito civilizado, é ter à mão um sistema de saúde económico a que recorrer, em condições de eficácia e urgência, quando necessário, com transportes, hospitais, e serviços médicos e de outros profissionais preparados para todas as eventualidades.

Muito se tem discutido em Portugal, sobre as bondades e defeitos do nosso SNS que durante alguns anos permaneceu adormecido no meio das suas dificuldades que os portugueses sofridamente aguentavam e calavam. A verdade é que os números do SNS nunca pararam de crescer, desde o seu início até hoje, em milhares de consultas e cirurgias, medicamentos, análises, centros de atendimento, camas instaladas, ambulâncias, etc. Mas os grupos etários da população foram-se alterando com o aumento acentuado das pessoas idosas. A transferência das gentes para o litoral e a desertificação do interior trouxeram novos problemas acrescidos pela falta de médicos e enfermeiros para preencher todas as necessidades e a dificuldade de instalar correctamente equipamentos cada vez mais sofisticados, mais caros e requerendo sempre pessoal mais especializado.

Há anos atrás, um governo qualquer, já não me lembro qual, levou a peito todos estes problemas, manifestou intenção de corrigi-los e criou uma comissão de sábios da Saúde para estudar a reestruturação do SNS, no sentido da melhoria da sua rentabilidade operacional, técnica, social e económica. O estudo resultante foi consensual e destinado a ser levado à prática por todos os partidos. A única dificuldade para fazê-lo era ter vontade política, porque algumas medidas a tomar seriam bastante impopulares. Este facto determinou um atraso na sua implementação, atravessando vários governos que não tiveram a coragem suficiente o para o executar. E o tempo foi passando.

Mas logo que se pensou iniciar a reforma do sistema, coisa que todo o mundo já requeria com urgência, para corrigir os seus defeitos, começaram a aparecer dificuldades de toda a ordem, com os lobies da Saúde a funcionar em pleno, a discussão politiqueira do costume a adquirir foros de insanidade, o aproveitamento das tradicionais falhas para deitar abaixo aquilo de que se não gostava ou era apregoado pelos adversários políticos de momento. A imprensa, os partidos da oposição e os autarcas mobilizaram imediatamente a opinião pública, exigindo, no fundo, uma reforma milagrosa, em que todo o mundo saísse rapidamente beneficiado, não houvesse dores para ninguém, nem perda das benesses que uns quantos oportunistas do sistema usufruíam. E assim, o povo simples lá foi arrolado, umas vezes com alguma razão, outras sem ela, para protestos, manifestações, exigências, ameaças, pedidos de demissão de ministros, sei lá que mais.

Para além do oportunismo político entretanto verificado, duas coisas fortemente negativas foram, contudo, postas em evidência, no meio desta gritaria que se estabeleceu: a ignorância e a falta de civismo, não só de parte de alguma população atingida pelas medidas impostas, mas também de alguns agentes e profissionais da saúde que as põem em prática. Ambas mostraram à evidência o atraso do país no que toca a educação e ao respeito pelo bem geral…

A demissão do Ministro da Saúde chegou a ser pedida pelo nascimento de crianças nas ambulâncias de bombeiros, pela demora dos serviços de transporte e de socorro urgente, pelo rapto de uma criança num hospital, pelo falecimento de um doente idoso que caiu de uma maca, num corredor da espera, pela demora nos atendimentos das urgências, pelo encerramento da urgência em centros de saúde com médias de um ou dois atendimentos diários, etc., etc., etc. … O ministro foi-se, deixou de haver tragédias, o alarido cessou e os problemas ficarão, mais uma vez, por resolver!

Mas com tudo isto e, para além do mais, inúmeras situações caricatas, se não fossem graves e se tratasse da saúde, foram postas a nu pela imprensa, mas com resultados praticamente nulos, além do alarido provocado.

A anedota trágico cómica da semana, no que toca aos serviços de saúde, é a seguinte:

Uma ambulância dos bombeiros deslocou-se aos Hospitais da Universidade de Coimbra para recolher um idoso a quem tinha sido dada alta médica e transportá-lo a casa. Ao chegar à residência, a esposa preparada para recebê-lo de volta não pode conter um grito de espanto:

-Este não é o meu marido! Ele não estava ferido nem com ligaduras na cara. Ele não foi descalço para o hospital e o pijama não tinha risca! …

Os bombeiros nem queriam acreditar.

-A morada deste senhor é aqui mesmo! É a que está na papeleta!

Perguntaram o nome ao doente, mas ele não falava, estava num estado deplorável. A senhora insistia.

-Não recebo em minha casa um homem que não é o meu marido! Era o que faltava!

Entretanto começara a chover e os bombeiros pediram-lhe que, ao menos transitoriamente, enquanto a situação não fosse aclarada com o hospital, o pobre do homem incapaz de falar, descalço e de cabeça atada, fosse deixado ali...

Nada foi capaz de demover a senhora.

-Resolvam o problema, como quiserem. Este senhor, aqui não fica! Tragam-me o meu homem de volta.

Os bombeiros telefonaram aflitos para o hospital, mas lá não conseguiam compreender nada daquilo. Por isso decidiram regressar às urgências com o doente que voltaram a meter à pressa na ambulância.

Aceleraram a caminho do hospital.

Depressa se descobriu, ao chegarem, que havia numa maca, em espera, um outro doente idoso com alta, para levar a casa. Perguntaram-lhe o nome e a morada. Não coincidiam com os da papeleta posta em cima.

Tudo se tornou claro, num instante: alguém, com alguma precipitação ou ainda maior descuido, colocara as papeletas trocadas sobre as respectivas macas.

Era só o que ainda faltava, para completar tanta pilhéria com que a C.S. nos brinda diariamente! A sorte do ministro foi já ter sido substituído, senão ainda apanhava alguma tareia…

Não sei se, a esta hora, alguém com mais sentido de humor que eu, teve já o arrojo de mandar a notícia para os tablóides mundiais e para o Guiness:

Em Portugal, pela primeira vez na Europa

Troca de doentes com alta médica, ao domicílio

Uma senhora recusa a recepção do marido que o hospital e os bombeiros lhe queriam impingir…

Coitados dos velhotes!

Valente mulher!

Sem ela não teria conseguido escrever a anedota número dois desta semana!

Falta-me só dizer mais uma coisa, antes de terminar. O inquérito habitual deve acontecer a seguir…com os resultados do costume.

Se me enganar, pedirei desculpa.

Com a saúde não se brinca!

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