quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

CRÓNICA DE UM ABSURDO POSSÍVEL

Hipóteses e perguntas pertinentes

Até hoje, não garanto que nenhum governante se tenha lembrado de mandar estudar a passagem do TGV, pela nascente do Rio Mondego, na Serra da Estrela, ou, na sua impossibilidade, pela nascente do Rio Zêzere, no Cântaro Magro! A paisagem era paradisíaca, sobretudo em dias de neve, com as faias muito direitas a bordejar o afluente do Tejo, qual chamariz de turistas como nunca se teria visto no nosso país. O comboio do chamado PI deitado, da linha proveniente de Madrid, entraria em Portugal pelas serranias de La Peña de Francia e Sierra de Gata, passava facilmente o Côa alcantilado, agreste e granítico em viaduto turístico de várias dezenas de quilómetros de comprimento e umas largas dezenas de metros de altura e, ultrapassadas facilmente as Serras da Estrela e da Gardunha, chegaria ao Entroncamento dos Fenómenos pelo curso do Zêzere, atravessando, num caminho de belas e agrestes paisagens, as lindas povoações de Vila Velha de Ródão, Constância e de Vila Nova da Barquinha com os pescadores à linha entretidos em fileira contínua a caçar barbos para fritar a saudosos apreciadores de petiscos antigos…Uma variante dessa travessia do Côa poderia conduzir ao atravessamento um pouco mais a norte, perto de Marialva ou de Castelo Melhor, para poder estimular a visita guiada às ruínas e às célebres gravuras mais o museu de sítio previsto há quinze anos, para Foz Côa ou arredores. Daí para Viseu e Aveiro seria um passo, permitindo ainda estações em S. Pedro do Sul, Vouzela e Águeda, conforme pedido dos respectivos autarcas.

Claro que, tecnicamente, todos estes projectos grandiosos eram viáveis. Os esquiadores nacionais, por exemplo, rejubilariam de alegria, as freguesias do Sabugueiro e de Marialva ensaiariam mesmo requerimentos para estações locais, na base de empreendimentos de utilidade turística, bem assim como as outras vilas à beira Tejo acima referidas, prevendo-se facilmente algumas manifestações populares de apoio.

Mas voltemos à realidade!

Estou certo, pensando melhor, de que a razão de não ter sido equacionado este espectacular projecto da Serra da Estrela se deveu, não a um esquecimento governamental, mas a uma imposição dos espanhóis durante o tratado de cooperação ibérico pois, dessa maneira e como se faz crer, a ser eventualmente concretizado, faria perder clientes nas pistas de esqui da Guadarrama que ficariam, assim como a cidade de Madrid, irremediavelmente condenadas.

Um professor do LNEC muito perspicaz, suspeitando entretanto da possibilidade desta opção e suas variantes, ainda teria adiantado, por sua conta e risco, que subscreveria projecto idêntico, apenas com a execução de um túnel sob a Estrela, com uma estação subterrânea no Sabugueiro, dotada de elevadores rápidos adequados, desembocando mesmo na proximidade do célebre restaurante que prepara o Cabrito com Castanhas, seguindo os esquiadores por um tapete rolante até ao alto da serra para comprar presuntos, queijos e chouriços, ou para as respectivas pistas artificiais.

Não faço ideia de qual seria a opinião dos ambientalistas a este respeito. Estamos a falar de áreas de paisagem protegida, com um subsolo rico em pedras raras pela sua dureza, cuja perfuração e destruição poderiam por em perigo a sustentação das giestas e da erva que crescem à superfície, para regalo dos pastores e dos rebanhos tradicionais de ovelhas da despovoada zona dos queijos da serra.

O certo é que, felizmente, os espanhóis, finórios e pragmáticos como sempre, bateram o pé e obrigaram-nos a meter o TGV no Alentejo, pelo meio das searas e das varas de porco preto, com as bolotas a cair sorrateiramente dos sobreiros sobre as rápidas locomotivas, espantando a sonolência natural dos condutores do comboio. Foi trigo limpo!

O grande problema que se colocou então ao governo foi ter de decidir quais seriam as estações do bólido, entre as candidaturas de Montemor-o-Novo, Vendas Novas, Estremoz, Évora, e Elvas, não falando já de Campo Maior, o feudo do maior exportador de café torrado para a vizinha Espanha. Perante isto, as hipóteses levantadas sobre a localização das pontes sobre o Tejo, a passagem da via no meio do Aeroporto de Alcochete ou pelo centro das salinas do Samouco nada valem, embora a hipótese de fazer encostar o TGV ao terminal de um avião, proporcionando a entrada directa dos passageiros, fosse de considerar, no meio de tantas outras opções fantásticas postas já em cima da mesa.

Mas o governo é o governo e o povo é o povo. Já basta de filosofias!

O interessante e fundamental para o país, segundo alguns, neste momento crucial, qual encruzilhada de histórias, é apenas saber se o ministro das Obras Públicas mentiu ou não, se o fez ontem, há quinze dias ou há dois meses, se recuou ou não nalguma das decisões, se desautorizou ou foi desautorizado pelo primeiro ministro, enfim, se disse ou não que o Alentejo era um deserto, se afirmou ou não que jamais -em francês! -era uma palavra irredutível ou circunstancial….

Parece, contudo, não estou muito seguro disso, que ainda ninguém se lembrou de perguntar-lhe se fazia dieta, ou quantos quilos tinha engordado (ou emagrecido) desde a tomada de posse. Mas ainda estamos a tempo de saber…

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