quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

JUSTIÇA VIRGULISTA E BIRRENTA

Consequências de um atropelamento mortal

A Justiça até pode ter razão, do seu ponto de vista mas, do ponto de vista do cidadão comum, não se livra da opinião generalizada de ter demorado…e de ter realizado um mau juízo. Nos tempos de hoje, não são admissíveis à gente adulta e culta, nem a as demoras, nem as vírgulas a despropósito, nem as birras em assuntos sérios. E à Justiça, muito menos! A esta, na minha modesta opinião, deve competir a interpretação correcta da lei, sempre no seu espírito (que é primordial) e menos na sua forma (que é secundário). Assim fazem os juízes ingleses, no que se refere à sua Constituição que nem sequer é escrita!
Mas a Justiça também tem as suas justificações. Para nós, latinos, uma simples vírgula num código, faz toda a diferença e pode gerar as interpretações mais diversas da lei…embora o seu espírito não devesse sequer ser posto em causa.
Infelizmente, a caricatura que vem hoje publicada num dos nossos diários é o exemplo claro do que acabo de dizer.
Deus nos livre de que algum familiar nosso venha a ser atropelado numa passadeira com o sinal amarelo para as viaturas! O melhor será limitar-se a chorar a vítima e desistir, logo à partida, de levar uma queixa à Justiça. Arrisca-se a perder vários anos amargurados, perante a «exemplar e rápida» actuação desta e, como se não bastasse…a vê-la arquivada sem remédio, perante as birras dos magistrados, em guerrinhas infantis…com ar compenetrado. Esta das birras não é invenção minha, é novidade. Estamos sempre a aprender!
Aqui vai a notícia, para quem queira divertir-se um pouco. Chorar já não adianta:

«05/01/2004. A estudante do 10.º ano saía das aulas, na Secundária do Restelo, às 13h15 de 5 de Novembro de 2004. Atravessou a estrada para apanhar o autocarro mas o sinal ainda estava vermelho para os peões. Dois carros pararam no amarelo para as crianças passarem; enquanto G.R.A., ao volante do seu Porsche, passou pela terceira faixa e colheu Rita.
«O corpo de Rita foi projectado a cinco metros. Bateu no semáforo e arrancou-o do chão. A rapariga de 15 anos acabava de ser colhida por um Porsche junto à escola, na passadeira. Morreu.
«Foram ouvidas 11 testemunhas e várias falaram em excesso de velocidade. Mas o cálculo que faria fé em tribunal deveria ter sido pedido ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil.»
«26/04/05. Ministério Público (MP) decide acusar o condutor por homicídio negligente, apesar de não referir na acusação qual a velocidade excessiva em causa.
«19/01/06 Juiz de instrução criminal devolve a acusação ao MP. O processo não segue para julgamento sem que o magistrado estime a velocidade em causa.
«03/10/06. MP insiste em não alterar a acusação e obriga o juiz a arquivar todo o processo
«31/01/07. Pai da vítima recorre para a Relação mas já nada há a fazer. Três desembargadores acusam o MP de ter prejudicado a investigação por “birra”. Resta ao pai pedir uma indemnização cível.
«O acórdão refere ainda que a “birra” do procurador também é contra o seu colega que representou o MP no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. PGR MANDA ARQUIVAR»
O comentário do pai, que copio, a seguir, pode não ser o mais correcto mas, que outra coisa, além deste desabafo, poderia esperar-se dos factos ocorridos e atrás descritos?
«Três anos e quatro meses depois de a filha morrer atropelada, António Marques da Silva continua “à espera de justiça” e diz que há-de conseguir. “Para comentar a actuação do Ministério Público, tenho de me socorrer das recentes declarações do bastonário da Ordem dos Advogados... Ele está dentro do meio e lá saberá o que diz – ou a justiça está a dormir ou há aqui interesses que se levantam. Mas, sabendo nós que se trata [o condutor do Porsche] do filho de um alto oficial da Marinha na reserva não sei o que estará por detrás de tudo isto”. Resta-lhe para já o recurso ao cível – mas “nunca será com uma eventual indemnização que se fará justiça...”.

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