quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

REVIRAVOLTAS DOS NOSSOS MENTORES

Anacronismos a metro…

Ainda há quinze dias era um coro de lamúrias e queixumes acompanhados de protestos e insultos de parte de populares e seus mentores, e propagandeados na Comunicação Social. Aqui pontificavam os comentários mais destemperados dos redactores de serviço e dos fazedores de opinião no activo, atirando pedradas ao desgraçado ministro da saúde Correia de Campos que tivera a triste ideia de encerrar Postos e Centros de Saúde no interior, incentivar a poupança racionalizando, fiscalizando e cortando nos gastos excessivos, fazendo cumprir horários de trabalho negligenciados, tudo medidas necessárias e propostas há já alguns anos, que ninguém tivera a coragem de por em prática…

O simples despertar do sono morno em que a Saúde vegetava e de que ninguém se atrevia a fazê-la acordar, foi uma pedrada no charco da passividade nacional e de todos os problemas daí decorrentes. Centros de Saúde fisicamente presentes ou perto de populações mas sem condições de funcionamento adequado, bombeiros cheios de voluntarismo e boa vontade mas sem qualquer preparação para socorrismo de emergência médica, farmácias, médicos, enfermeiros, auxiliares em número limitado pelas organizações de classe em que até as autonomias universitárias souberam actuar como defensoras do seu status, edificações velhas e nalguns casos quase imprestáveis aos fins em vista onde, mesmo assim, uns abnegados de ocasião conseguem fazer maravilhas…tudo veio ao de cima, quando se pretendia finalmente mudar algo com base em estudos consensuais sólidos.

Tudo serviu, afinal, para trazer ao de cima os interessesinhos que a sonolência mantinha debaixo da manta. Era preciso, isso sim, e antes de mais, pintar a manta!

Esquecendo um passado recente, como por encanto, os bebés recomeçaram a nascer todos os dias nas ambulâncias dos bombeiros, os idosos a falecer de novo nos corredores dos hospitais, os doente a esperar horas e horas em demoras incríveis no socorro, no transporte, no atendimento, na medicação, nos cuidados com os doentes do foro cardíaco. exaltou-se o acumular dramático das operações de oftalmologia, com as cataratas à cabeça. Enfim, ouviu-se um rol de lamúrias, e descobriram-se mil maleitas de que o ministro passou, num ápice, a ser o exclusivo culpado, com o aproveitamento cúmplice da partidarite nacional de oposição política, mas também de todos os poderes instalados…desde as Juntas de Freguesia, às Câmaras, às Ordens dos Farmacêutico, dos Médicos, dos Enfermeiros, às Associações dos Bombeiros, todos agindo em nome do Povo, mas na maior parte das vezes, na defesa das suas próprias benesses ou posição social.

E descobriu-se, no meio de tudo isto, a ignorância quase geral dos verdadeiros temas em discussão e a falta de civismo em grande escala perene e atentatória de qualquer intenção de progresso que se queira por em prática no país.

Mais grave que a ignorância de certas faixas da população, porém, foi o aproveitamento da Imprensa no seu derrotismo fácil e tendencioso, buscando o populismo fácil, a venda a todo o custo, pondo de lado a própria ética que obriga a informar com verdade e a formar as gentes a tempo inteiro e com dedicação.

A Imprensa em geral, que pretende saber tudo e julgar tudo e todos, não pode manter-se permanentemente na sua ignorância atrevida. Não pode arrogar-se de mentora em certas ocasiões e de vítima noutras. Os comentaristas de serviço, por seu lado, não podem alegar ignorância, devem obrigatoriamente cultivar-se e estudar mais profundamente os temas que comentam, em vez de contentar-se com aparências fáceis e emitir conclusões adequadas às situações mais convenientes do momento político ou profissional…

Agora que o Ministro Correia de Campos partiu, com o aplauso sincero de alguns autarcas ou hipócrita dos políticos da oposição, um coro de manifestações ainda mais hipócritas de simpatia, algumas contendo até atitudes elogiosas, se têm levantado de todos os lados, desde os jornais à TV, advertindo esses mesmos críticos ferozes de há pouco que as reformas por ele implementadas com ardor deveriam continuar sem tréguas até ao fim, doa a quem doer, sob pena de não se chegar a lado nenhum…

É triste observar com algum distanciamento, de fora da política e dos media, as suas lágrimas de crocodilo, as suas patéticas reviravoltas e, neste problema da Saúde em Portugal, dos seus lobies, das suas vítimas e, sobretudo, das frustrações e dos castigos dos bem intencionados…Parece que há sempre necessidade de morrer, de não fazer mais sombra a ninguém, para se ser louvado.

Há menos de uma semana, o maior e mais conhecido semanário da nossa praça resolveu fazer um apanhado da evolução do Serviço Nacional de Saúde, desde a sua fundação, até hoje. E notava, em consequência, a urgência das medidas em curso, para colmatar o crescimento em flecha do número de consultas, cirurgias e simples actos médicos e cuidados de enfermagem verificados de ano para ano, a juntar aos quais existe ainda um problema não menor, o aumento do número de idosos no país, os mais carenciados de tudo! Claro que esta reportagem teria um efeito mais eficaz, na formação das populações, se tivesse sido publicada quinze dias antes...

Coisas que certamente têm a sua justificação, talvez nem sempre a mais linear.

Neste dia da comemoração do nascimento, há quatrocentos anos, de um português de excepção, o Padre António Vieira, apraz-me chamar a atenção para a sua actividade, a sua sabedoria, a sua luta através de uma conduta moral exemplar, sem mancha, sem desânimo, lutando contra tudo e contra todos, o que o fez passar privações, o exílio e a prisão, entremeados com os altos cargos da Diplomacia e a estima de altas Figuras do Poder e da Igreja, na época dificílima de recuperação da independência…

Nunca acreditou na falência do País, apesar de mil dificuldades, ao contrário dos nossos escrevinhadores de agora, que só clamam desgraças e lamúrias a cada coisa que não lhes corre de feição! E ainda lhe sobrou tempo para nos legar uma obra ímpar, na literatura portuguesa.

Mas, além de uma reduzida classe culta, quem saberá, neste país de críticos do vizinho do lado, quem foi o Padre António Vieira?

Há dias, falei no hino nacional, estímulo de coragem a um povo aviltado pelo ultimato de 1890, nos seus oito séculos de história e de heróis, e dizia que gostava de saber quantos cidadãos conheciam a sua letra…e muito menos o patriótico autor dela…

Ponhamos os olhos nestes dois exemplos e sigamos em frente, sem medo.

O Serviço Nacional de Saúde precisa que continuemos a tratar dele com a clarividência, a vontade e o carinho com que se trata um doente muito estimado e que ainda nos faz muita falta.

Com qualquer ministro, de qualquer partido, que se preze.

Com a ajuda de todas as pessoas de boa vontade.

Sem comentaristas a metro.

Sem oportunistas de ocasião.

E contra todo o derrotismo instalado no País.

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