quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A LEI DO TABACO E OS FURA-REDES

Crónica do país sem polícias, sem ficais e sem juízes

Há bastantes anos, ainda eu era novinho, o Belenenses contratou um jogador oriundo das colónias, o conhecido Matateu que, durante vários anos, foi a dor de cabeça dos guarda-redes dos clubes adversários. Marcou tantos golos que os comentadores desportivos da imprensa diária o apelidaram de fura-redes! A verdade é que o Belenenses nunca voltou a ter, desde então, nenhum marcador de golos que se lhe assemelhasse. O Matateu ficou célebre e ainda hoje é lembrado pelos adeptos do futebol, tantos anos passados, e depois de tantos fura-redes mais tarde aparecidos nos nossos relvados.

Vem isto a propósito da «famigerada» Lei do Tabaco tão badalada, requerida e elogiada antes de ser posta em prática, sobretudo pelos não fumadores, como igualmente badalada, contestada e denegrida, especialmente pelos viciados do fumo do tabaco.

Apesar das discussões eternas prévias e de todos os obstáculos levantados à aplicação da lei, coisa que em Portugal sempre acontece quando ela é publicada no Diário da República, a Lei do Tabaco lá se vai aguentando, mesmo depois dos violentos protestos contra a ASAE, cujo Director Geral foi apanhado a fumar numa zona considerada, conforme a conveniência, de fumadores por uns, ou de não fumadores por outros…

E assim, dando este caso como exemplo, muitos outros tiveram lugar, ou simples hipóteses foram levantadas sobre a aplicação correcta da lei, os seus exageros, os parágrafos a mais ou a menos, aparecendo pelo meio da discussão estéril e parva, uns quantos fura-redes fumando ou permitindo fumar, à socapa ou à descarada, com base na simples displicência…ou na sua «superior» interpretação dos parágrafos do citado diploma legislativo.

Durante muitos anos, convenci-me de que, no estudo das leis e na sua aplicação, a palavra final era dos juízes, os homens íntegros legalmente destinados para o efeito, os quais, devido ao exagero que por vezes punham na sua interpretação, eu chamava até de virgulistas…

Mas agora, com o acirrar dos ânimos dos cidadãos que por tudo e por nada, por todos os meios buscam iludir uma lei que não lhes convém, com pleno desprezo dos outros, os fura redes foram aparecendo, cada vez mais numerosos, cada vez mais refinados e virgulistas, tentando arranjar fugas para o não cumprimento dos diplomas. Às vezes conseguem, no seu preciosismo doentio, levar a melhor sobre os polícias, os fiscais e os juízes, fazendo de bobos ou incompetentes os próprios legisladores.

Ontem pude apreciar um desses desplantes que os diários assim apresentam:

Diário Digital: «20-02-2008 17:44 Fuga à legislação do tabaco: Bares e discotecas do Porto dizem ter encontrado falha na lei. A Associação de Bares e Discotecas do Porto diz ter encontrado uma falha na lei do tabaco, que permite aos empresários contornar a proibição do fumo. Basta criarem associações sem fins lucrativos para que, de acordo com a legislação, já seja permitido fumar. »



SIC: «A Associação de Bares da Zona Histórica do Porto (ABZHP) apresenta quarta-feira dois espaços que conseguiram contornar as limitações impostas pela nova legislação sobre consumo de tabaco, revelando quais os argumentos jurídicos que permitem «fugir à lei», refere a Lusa. »

«Vamos apresentar dois off-shores para a Lei do Tabaco», afirmou António Fonseca, presidente da associação.»

Parece que, neste paraíso à beira-mar plantado, não há mais nada que fazer.

E aqui está um exemplo do que existe de mais caricato na nossa legislação, por mais parágrafos que contenha, e que a torna diferente da de outras paragens; há sempre, neste país de sábios de algibeira ou espertalhões de tasca, quem descubra nas linhas impressas no D.R. a falta de alguma vírgula, nalguma passagem estratégica! O que quer dizer que, apesar dos mil cuidados postos na redacção e tecedura das leis e, apesar deles, há sempre fura-redes especializados a viciá-las, no interesse próprio ou da pandilha …

Há dias, num grupo de amigos, um deles, inocentemente, na sua boa intenção, dizia que era necessária uma polícia ou uma fiscalização implacável, para meter tudo isto nos eixos. E logo outro fazia ver que isso não daria resultado nenhum, dado o extraordinário «profissionalismo» dos tais fura-redes, e o melhor era fazer sempre leis consensuais, para não haver a tentação das fugas…Um terceiro argumentou logo que isso seria impossível, mesmo utópico. E um quarto disse ainda:

-Quem me dera que em Portugal houvesse civismo quanto baste da parte dos cidadãos!

O sexto rematou:

-A verdade é que, se esses fura-redes não existissem, os polícias, os fiscais e os juízes não seriam precisos para nada!

Também eu me atrevi a formular o meu comentário:

-Meus caros, um país sem polícias, sem fiscais nem juízes, só no Céu! Nós estamos numa democracia apenas com trinta e quatro anos de existência onde o fura-redes Matateu ainda é rei, provavelmente mais humilde e honesto que muitos outros fura-vidas emproados que por aí vingam, dando voltas à lei ou à sombra dela…

Mas tentar modificar a mentalidade de dez milhões de paisanos, enraizada de séculos, seria pura utopia, tarefa inglória e sem fim à vista. Mesmo que fosse exibido o maior poder persuasivo do mundo!

Na verdade, e por muito que isso custe a uns quantos bem intencionados, entre os quais vaidosamente me incluo, só nos resta aguentar!

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