terça-feira, 12 de agosto de 2008

OLIMPÍADAS EM PEQUIM

Euforias e desânimos, em Lisboa

As Olimpíadas foram inauguradas, espectacularmente, em Pequim, após as costumadas querelas originadas por moralistas, economistas, políticos, comentaristas, e ainda os oportunistas de serviço. Nestas pequenas olimpíadas prévias da patacoada palavrosa a metro, só os desportistas se mostraram mais tranquilos e apenas preocupados com os seus treinos para obter metas.

Mas não há que admirar nada disto.

Nas Olimpíadas da Antiguidade Clássica entre as Cidades-Estados da Grécia Antiga, desde o século VII A.C., os interesses socio-económicos e as fortes desavenças políticas entre elas foram ultrapassados, momentaneamente, pelas tradicionais e saudáveis competições desportivas com pendor religioso em honra de Zeus. O louvor sob a forma da coroa de oliveira (ou louro) era dado aos heróis dos jogos deixando de lado, entretanto, a inveja, a cobiça, o ouro das vitórias bélicas e as mortes nos campos de batalha.

Esta lição de fraternidade, conseguida com esforço e auto domínio das gentes, foi tomada como exemplo e preconizada a sua aplicação, de forma educativa, pelo Barão de Cubertain. Mas o espírito desta primeira Olimpíada da Era Moderna, em 1896, milagrosa e esforçadamente conseguida pelo idealismo de uns quantos, com o barão à cabeça, nem sempre foi bem compreendido. Algumas vezes as olimpíadas foram até perfeita, oportunista e politicamente aproveitadas para fins pouco recomendáveis que nada tinham a ver com o espírito inicial e os seus verdadeiros objectivos. E foram até interrompidas por guerras, palco de atentados terroristas, guerrilhas políticas várias, etc...

Apesar desses frequentes atropelos, as Olimpíadas da Era Moderna lá se foram cumprindo, cada vez com mais atletas, cada vez com mais nações envolvidas, cada vez com mais brilho, cada vez com maior projecção no nosso mundo visto à escala global, bem longe da pequenez das antigas cidades gregas de setecentos A.C...

Também os portugueses se foram cada vez mais interessando pelas olimpíadas, sobretudo admirando, boquiabertos, as competições e as colecções de medalhas obtidas pelos desportistas cada vez mais profissionalizados das grandes potências e aspirando um dia vir a conquistar algumas, o que aconteceu com a inesquecível, pequenina e voluntariosa Rosa Mota e o humilde, persistente e corajoso Carlos Lopes. Mais uns poucos conseguiram, depois, os grandes feitos de trazerem medalhas, foram vitoriados embrulhados na bandeira nacional e orgulhosamente aplaudidos pelas gentes ávidas de algum pequeno sucesso, depois de muitas décadas de aparvalhamento desportivo, e não só...

Daqui para diante, como é hábito entre os portugueses, viria a euforia, um aumentar constante de esperanças desmedidas, às quais seguiria logo o desânimo, o desespero acompanhado da crítica absurda e desbragada aos desportistas de que se esperavam já grandes feitos e não haviam conseguido mais que meras menções honrosas, ou a eliminação pura e simples.

Ser bom desportista, bom cientista, bom médico, professor, ou cavador de enxada, em Portugal, é embarcar num mundo de contradições, num mar de vagas alterosas e tormentosas, navegando na crista da onda, algumas vezes, e na profundeza dos infernos, a maioria delas...

Classificar alguém de bestial ou besta é apenas uma questão de tempo, sempre muito curto, para as nossas boas gentes, há séculos habituadas a entronizarem como deuses os seus heróis de ontem, ou queimarem-nos, se falharem, no dia seguinte, na fogueira, transformados em bruxos ou demónios.

Desta vez, nestas Olimpíadas de Pequim tão ansiadas e tão bem preparadas, já cantavam de poleiro, contavam ter no papo não sei quantas medalhas e, pouco a pouco, os crucificados do costume foram-se sucedendo, como forma de escape de uma frustração nacional repetidamente assumida, de que os desportistas olímpicos portugueses não têm qualquer culpa:

-Não têm qualquer culpa?

-Gastaram durante quatro anos o nosso dinheirinho. Ganharam balúrdios, foram passear a Pequim e não fizeram nenhum!!! É uma vergonha! Não prestam! Vão trabalhar!

E assim, exercitando a má língua e rogando pragas, incapazes de melhores feitos, os portugueses lá vão passando o tempo, agarrados às telenovelas e às transmissões desportivas da TV, mirando com espanto e inveja aqueles estrangeiros que sabem ganhar medalhas e são mesmo umas máquinas, umas autênticas maravilhosas máquinas humanas.

Entrevistados, alguns dos nossos atletas olímpicos, coitados, sentem-se até envergonhados, culpados da sua impotência ou azar, sem qualquer razão para isso, por não conseguirem aquilo que já eram favas contadas para a malta! Outros respondem aos interlocutores sedentos de sangue, com o orgulho do dever cumprido e mandam os entrevistadores maldosos às ortigas. E um terceiro grupo de desportistas alija responsabilidades, como se estivesse no julgamento de um caso de morte:

-Não podiamos ter feito melhor! Os outros têm mais meios que nós. Não nos foram dadas condições...

Tudo previsível, aliás, e trivial até demais, com as gentes portuguesas, quer em Pequim, quer em Lisboa.

Além disso, vai jogar-se a Super Taça, dentro de dias e pouco depois começa o Campeonato Nacional de Futebol, inundado de jogadores brasileiros, argentinos e africanos, para contentamento geral do pagode.

Por enquanto ainda não se vêem por aí jogadores asiáticos.

Mas os chineses vão abrindo cada vez mais lojas e dando cabo de muito do nosso rotineiro, envelhecido e pobre comércio local.

Fico por aqui.

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