quinta-feira, 28 de agosto de 2008

DESINFORMAÇÃO JORNALÍSTICA

A incrível pedagogia do crime

Estou triste com a informação veiculada ao cidadão pelos jornais diários, as revistas, os canais de TV...

Sempre fui partidário de uma informação completa, sem traumas nem truques, sem subterfúgios, isenta, independente, honesta, pedagógica. O 25 de Abril trouxe ao País uma informação aberta, desinibida, livre de censuras oficiais, como tanto se pretendia. Mas essa liberdade de informação obrigou, logicamente, ao melhor profissionalismo, por parte dos senhores jornalistas.

Creio que esse objectivo nem sempre foi conseguido, ao longo destes trinta e tal anos de democracia, um pouco porque a profissão continua a ser orientada e escrutinada por um Sindicato (que não está em causa), mas os seus membros ainda não tiveram coragem de formar uma Ordem dos Jornalistas, guardiã e zeladora dos seus princípios éticos!

Será por medo a um organismo interno de controlo, impeditivo de atropelos à ética jornalística? Ou será por inércia pura? Ou ainda por simples individualismo?

De tempos a tempos esta questão é levantada pelos cidadãos e até por alguns, raros, elementos da classe, porque a informação atravessa regulamente períodos de exagerada e pura fofoca, desmedida e fútil, publicando em catadupa o que menos importa, em prejuízo do essencial, tantas vezes subvertido na onda oportunista do acessório, do dispensável...Claro, os jornalistas dizem a isto que os critérios são discutíveis e a informação tem sempre a primazia sobre outras considerações. Eles lá sabem.

Em certas ocasiões, contudo, parece que o jornalismo só é capaz de produzir, de noticiar, de engrandecer o que é mau, reproduzindo-o com grandes pormenores mórbidos, comentando-o de forma doentia, abstendo-se de realizar um mínimo de acção formativa e relegando as boas informações para as linhas interiores, em caixa baixa... Dizem que a pedagogia cabe aos professores...

E, como se tal não bastasse, muitos elementos da classe actuam como perfeita corporação no pior sentido, defendendo os seus defeitos até à exaustão, como se de direitos inalienáveis se tratasse. Afirmam que em todas as classes profissionais há bom e mau....

Ontem resolvi dar uma espreitadela a um conhecido diário, dos mais lidos, que o uso da Internet me havia deixado quase no esquecimento. Fiquei simplesmente horrorizado. Da primeira à última página, em maiores ou menores títulos, eram relatados os crimes mais variados, com os pormenores mais esmiuçados, alguns até com as fotografias mais sugestivas. E, a complementar estas notícias extensas, feitas de propósito para encher páginas e páginas, à falta de melhor, em tempo de férias, vinham quase sempre os comentários e as entrevistas mais pífias que tenho visto nos últimos anos.

Fiquei com pena, por dois motivos.

Pela «onda» de crimes que está a assolar o país, sem fim à vista. Pela forma com que a imprensa vem tratando o caso, com uma descrição mórbida e completa, pormenorizada nas cenas de faca e alguidar, como se essa apresentação doentia ajudasse alguma coisa na resolução do magno problema, num aproveitamento do populismo fácil, numa insensibilidade tremenda pela acção pedagógica formadora dos leitores.

Acresce que alguns dos nossos comentaristas encartados também, por vezes, parecem cavalgar o mesmo barco dos simples noticiaristas, o que é ainda mais desolador.

Sabemos todos que a criminalidade e a falta de segurança são uma crescente preocupação das populações e das autoridades e que assuntos como estes e a sua discussão não devem ser escamoteados pelos cidadãos, muito menos pela imprensa. E não devem também ser tratados com a leveza de espírito, a fofoca e o oportunismo comercial, jornalístico -politiqueiro que vemos por aí.

Há poucas horas, um senhor comentarista e jornalista bem conhecido, insurgia-se contra a observação de alguém acerca desta anormalidade que mais parece, pela forma como é conduzida por alguma imprensa, uma disfarçada apologia do crime, com os criminosos a serem (e a verem-se!) publicitados por aí em grande estilo, a custo zero...

Dizia ele assim, em ar de gozo:

«O ideal, no fundo, seria que as pessoas que vivem em bairros inseguros fossem alvo de um ‘black-out’ informativo para que pudessem ser alvos de violência e de assaltos no maior dos segredos – tudo para que poupássemos as nossas elites ao conhecimento das misérias alheias. O Mundo seria mais agradável. No tempo do dr. Salazar, por exemplo, os jornais estavam impedidos de falar sobre crimes. Vemos que, afinal, havia um sentido pedagógico na censura.»

Ora o despropósito deste parágrafo corporativista evidente mereceu-me o seguinte comentário, limitado ao número de caracteres exigido pelo jornal:

«Todos sabemos que o mau serviço prestado ao País não se deve à informação, mas à desinformação e à morbidez dada às notícias! É uma tristeza ver certos diários de referência transformados em perfeitos jornais do crime! Senhores jornalistas, tenham moderação, noticiem tudo, mas com profissionalismo e exerçam a sua «obrigatória» função pedagógica, de que o País tanto necessita.»

Também por vezes, olhando e ouvindo, em certos noticiários televisivos as descrições, as entrevistas patéticas acompanhadas das fotos das armas, dos pacotes da droga, do sangue a correr e das vítimas espalhados na calçada, lembro-me das palavras de Cristo, na agonia da Cruz:

-Perdoai-lhes senhor, que não sabem o que fazem!

E, no entanto, afirmam alguns entendidos que isso faz bem. Que deve ser noticiado integralmente, até à exaustão. Que nos ensinará a enfrentar o monstro...

Como, é que ninguém diz...

Apetece-me, nesses momentos, desligar o aparelho e chorar.

Não por cobardia perante o que vejo, ao contrário do que faz tanta gente fina ou sábia, mas simplesmente por pena, pela minha ignorância pura, pela minha incapacidade de apresentar uma solução que tarda, no meio da confusão de tantas descrições e opiniões audazes, absurdas ou contraditórias, pela minha impossibilidade de fazer coro com elas...

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