domingo, 31 de agosto de 2008

OLIMPÍADAS EM PEQUIM-VI

Um certo anedotário ...

Hoje, sendo fim-de-semana, ao ler mais uns quantos comentários de circunstância sobre a nossa representação olímpica não pude deixar de sorrir, intimamente. Porque...

Há gente que se deita a chorar, de cada vez que a sua equipa perde ou a equipa nacional não consegue um bom resultado, o que é apenas fruto da nossa falta de cultura desportiva, e não só!

Também há desportistas que choram de raiva, de desespero pela ingratidão dos resultados obtidos, pela falta de justiça ou erros dos árbitros, pelas condições ou acidentes imprevistamente ocorridos, pelo mal estar físico aparecido na altura mais desapropriada, etc. E há dirigentes desportivos que choram e rapidamente atiram petardos aos políticos de serviço, pelas fracas condições disponibilizadas.

Há os políticos e os dirigentes que não conseguem engolir os maus resultados, quando faziam prever às populações ansiosas grandes vitórias e começam logo a distribuir queixas do comportamento dos atletas que não foram capazes de rentabilizar o que neles foi investido, não se comportando à altura ou com o patriotismo exigido.

E, finalmente, há uma imprensa ávida de notícias, boas ou más, mas com exagero quase sempre das más notícias, com todos os deslizes a serem muito bem explorados, com as entrevistas a serem hábil e tendencialmente conduzidas, por forma a aproveitar ao máximo a fragilidade emocional de quem não conseguiu o objectivo, seja desportivo, administrativo, comercial, político...

Ora a estes jogos olímpicos, no que à parte portuguesa diz respeito, podem facilmente atribuir-se algumas virtudes que a imprensa pouco valoriza:

Em primeiro lugar, nunca foi investido tanto na preparação dos atletas, embora seja questionável se o investimento foi ou não suficiente. Geralmente, quando os resultados não são os almejados, é sempre insuficiente.

Em segundo lugar, nunca Portugal conseguira dispor de tantos atletas com os valores mínimos exigíveis pelo COI.

Em terceiro lugar, nunca o País tivera tão boa classificação geral, no contexto das nações concorrentes.

Ora, este resultado só foi obtido devido ao esforço de anos, de alguns atletas, treinadores e dirigentes, com sacrifício de muitos prazeres da vida e de milhares de horas de trabalho árduo, sabendo eles, à partida, que muito dificilmente ele seria compensado com vitórias, na avalanche de concorrentes presente nos jogos.

As populações, e a portuguesa não foge à regra, é que não querem saber disso para nada! Exigem vitórias a todo o custo, aplaudem, põem nos píncaros os atletas ganhadores e crucificam logo os perdedores, mesmo que enorme tenha sido o seu esforço, mesmo que se tenham afogado só a meio metro da praia! Não é bonito, mas é humano...

Mas para ultrapassar, para compensar estes excessos expressivos, bamboleantes, da mentalidade humana, lá deveria estar a imprensa com a sua cultura, a sua difusão e até publicidade, os seus artigos formativos. No entanto, sem ser desculpa, mas atenuante, ela é feita da mesma massa do comum dos cidadãos que procuraria instruir ou tentar educar...

E assim, funcionando frequentemente ao contrário do que deveria ser, ela explora sobretudo o falhanço, evidenciando, como se isso não bastasse, o fictício, a indecisão, a dúvida, relatando a bizarria, a fofoca, o menos credível, como se de assuntos sérios e indiscutíveis se tratasse:

O responsável do COP ia demitir-se, depois talvez não, no fim parece que já não...

Os políticos, os federativos, os homens do COP previam 5 medalhas de ouro, depois só 4, depois era tudo um desastre e, nos últimos dias, lá vieram duas medalhitas para contentamento das gentes e dos dirigentes...

Os atletas foram considerados do melhor que existia nas suas especialidades, com uma preparação psicológica excelente, com um patriotismo a toda a prova, pois com sorte iríamos arrecadar o que nunca conseguíramos; depois, poucos dias depois do início dos jogos, já se atiravam pedras aos atletas e aos dirigentes pelo seu deplorável comportamento, a sua preparação psicológica tida como um desastre, os meios postos à disposição insuficientes, miseráveis mesmo, o patriotismo exibido como um falhanço ainda maior que o dos resultados, etc.

E, no três últimos dias, a imprensa descobriu a Vanessa Fernandes e o Nelson Évora para encher páginas e páginas de louvores, e levar ao ostracismo os restantes e esforçados atletas que, dentro das sua possibilidades e das contingências ambientais, só tentaram dignificar o país.

A este anedotário não quero deixar esquecido o tratamento a dado a um atleta que, coitado, não pôde fazer melhor e, apertado imediatamente a seguir ao fim da prova, por um jornalista sôfrego, apenas soube dizer, por estas ou outras palavras, que a acção tinha decorrido de manhã...e que, de manhã, estar na caminha é que era bom... não se dava com exercícios matinais, etc. Eu vi e ouvi a entrevista e fiquei logo com a sensação do sofrimento do desportista, com o seu ar de riso falso, e fiz para mim o comentário:

-Estás tramado! Amanhã a imprensa trata-te da saúde!

No dia seguinte, efectivamente, a notícia escrita não revelou a cara do sofrimento risível do tipo e desancou-o de todas as formas e feitios, dizendo dele que era um laxista, exibindo falta de esforço na altura própria, falta de cultura, de posicionamento psicológico adequado ante a imprensa, de patriotismo, etc. Como tinha sido possível o COP ter seleccionado um atleta destes? Durante dias, o pobre foi bombo de festa de comentaristas sérios ou jocosos, em artigos sem conta.

Hoje, passados breves dias sobre o encerramento dos jogos, um conhecido diário soube reconhecer a falha cometida e fez uma entrevista decente, em zona calma, fora da efervescência da competição, colocando os pontos nos ii, fazendo justiça ao desgraçado, arrependido já das palavras que dissera a quente, rindo com vontade de chorar, mas tão hábil e maliciosamente aproveitadas...

Tenho pena que coisas ou situações como estas aconteçam mas, sobretudo, que lhes seja dada a relevância e a distorção que vemos frequentemente por aí.

Como anedota, pode servir!

Ou talvez nem isso...

Também a imprensa se fez eco, por fim, do aproveitamento político dado aos bons resultados de alguns atletas. Não estou a referir-me aos telegramas de felicitação enviados pelo Presidente da República ou pelo Chefe do Governo, mas a outros factos reais, verdadeiras anedotas no repertório de alguns autarcas nacionais promovendo homenagens, abraçando, fazendo discursos de circunstância, com presentes à mistura e até a promessa de colocação do nome do medalhado numa rua do município, etc.

É preciso aproveitar a alegria, a receptividade, a auto estima momentânea e rara das populações geralmente tão tristonhas.

Realmente, situações destas raramente se apresentam aos políticos, mesmo àqueles que nunca foram capazes de dar o mínimo apoio ao desporto e seriam os primeiros a criticar, em caso de fracasso...

Há muito mais, mas já me falta a paciência.

Basta de anedotas, por hoje.

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