segunda-feira, 21 de julho de 2008

UMA CÂMARA DE LETRADOS

Os deputados que elegemos


Hoje deu-me para escrever umas quantas frases ácidas, resultantes da apreciação de dados concretos que acabei de ler e que me encheram de perplexidade.

«Um relatório respeitante aos serviços do Parlamento indicou que mais de metade dos 230 deputados portugueses são advogados ou professores e que têm entre 41 e 60 anos. De acordo com o relatório, a Assembleia da República é constituída por 70 advogados, magistrados e outros juristas, e por 61 professores de todos os níveis de ensino.»
Ora aí está porque o Parlamento passa o tempo a botar faladura, a discutir, a desconversar, a julgar tudo e nada...a fingir que pensa e a não fazer coisa que se veja! Falta, também é evidente, um pouco mais de juventude, de audácia, de iniciativa, de acção, a dar vida à sapiência dos donos da palavra...

Além desta gente referida, fazem parte do Parlamento 20 dirigentes da Administração Pública e 14 técnicos superiores dessa mesma Administração Pública tão rotineira, burocratizada e criticada pela sociedade portuguesa.

Fazendo as contas, coisa que provavelmente alguns dos deputados referenciados já não são capazes de fazer, temos: 230-70-61-20-14=65, isto é, 28,2%, pouco mais de um quarto da Assembleia, fica disponível (não sei se está!) para todas as outras profissões que trabalham, neste país, sem ter que passar o tempo a preencher papéis, discutir ou botar sentenças.

O relatório apresenta ainda outros dados curiosos: desses 65 que sobram, fazem parte 10 deputados com profissões intelectuais, um agricultor, 2 operários, 7 engenheiros e 3 reformados. Não diz o que fazem os 22 que faltam aqui...

Também o sexo feminino continua a não ligar à política, ou é dela excluído, pois no Parlamento existem 165 homens e 65 mulheres, o que significa que o grupo de portugueses mais numeroso...e não sei se, neste momento já, o mais instruído do país (ao menos entre os adultos mais jovens), é o que tem menos representatividade política!

Muitas outras ilações poderiam ser tiradas dum estudo mais aprofundado deste relatório básico, mas estas chegarão, certamente, para nos deixar tristes e pensativos.

De vez em quando, alguém, do cimo da sua cadeira doutoral proclama que é preciso mudar Portugal, que é preciso reformar isto ou aquilo, que é preciso acabar com a burocracia, a corrupção, a ineficácia. Mas esbarra-se sempre na defesa acérrima dos benefícios, das regalias, dos «direitos» conseguidos pelas corporações dominantes.

E aqui está mais outra razão de peso que ajuda muito à falta de eficácia do Parlamento. Por isso, lá diz a sabedoria popular tão depreciada pelos «sabões» nacionais: «eles falam, falam, mas não fazem nada...»

Pensando bem, falar e discutir são direitos constitucionais dos cidadãos, entre tantos outros. Mas, infelizmente, são as únicas coisas que sabe fazer a maioria dos deputados, pois para isso eles estudaram Letras e Direito. Fizeram-se espertos! E os restantes, coitados, são, por essa maioria de sábios, impedidos de fazer qualquer coisa, a não ser número. Estou, evidentemente, a partir do princípio de que sabem fazer qualquer coisa de produtivo...

Os resultados estão à vista, com algumas legislaturas bem pouco eficazes.

E cá estamos nós para aguentar tudo, democraticamente. Valha a verdade que a culpa, no fundo, democraticamente também, é toda nossa, do Zé-Povinho que, em hora de eleições, se deixa ir sempre na conversa! E depois mais nada sabe fazer do que chamar nomes àqueles que elegeu alegremente...

Mas, basta de má-língua!

Sei perfeitamente que muitos senhores deputados trabalham imenso, na base dos dados fornecidos pelas estatísticas, pelos relatórios encomedados, pelos seus acessores, etc., e são até excelentes políticos, mas isso não tira nada à generalidade do que disse atrás. O Povo que não os vê nesses trabalhos, nessas cansativas reuniões de estudo, e que só os avista no hemiciclo, durante horas, a desconversar com os «inimigos» de bancada, no grande palco da TV onde dão especctáculo, que outra coisa poderá chamar-lhes além de agentes de politiquice barata?

A propósito, quem sentenciou que a Política é a mais nobre das artes?

Devem ter sido os gregos, há dois mil e quinhentos anos. Mas agora, os tempos são outros...

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