domingo, 20 de julho de 2008

TRANSPLANTES E TRANSPLANTES

A carta de condução por pontos

Os transplantes estão na moda. Desde que o Cristian Barnard se lembrou de mudar um coração, o órgão «indiscutível» dos sentimentos, todo o gato-sapato desatou a imitá-lo e agora qualquer um transplanta qualquer coisa que lhe ocorra, como quem muda de camisa. Não é bem assim, mas faz de conta...

Bem vistas as coisas, a transplantação de plantas é quase tão antiga como a humanidade. Afinal, as plantas são seres vivos, como os homens, e não sei porque motivo se demorou tantos anos a transplantar órgãos na espécie humana! Provavelmente porque as plantas não se queixam, não reclamam, não choram, e morrem sem dar um grito!...

Claro que as coisas não são tão prosaicas e a vida humana é o topo da carreira, a mais especializada e a mais complicada de todas. Por isso é que os transplantes na espécie humana são ainda complicados, apesar de alguns progressistas já preverem transplantes até há alguns anos impensáveis.

Também a política tem, por vezes, a sua interferência nestes actos e nos comentários que por aí se escrevem. Ainda estava para durar o Império Soviético, e circulavam notícias dando conta do transplante de cabeças feito em cães por esses ateus malvados que davam a pica atrás da orelha aos que não eram da cor... Eles teriam levado a cabo, com êxito, diversas transplantações, certamente com o objectivo inconfessável de ensaiar proximamente em humanos...

Independente dos aspectos científicos da questão, logo se puseram todas as sumidades filosóficas, teológicas e jurídicas a discutir a moralidade ou os seus efeitos legais a que se juntaram, logo de seguida, valha a verdade, as anedotas correspondentes, metendo sobretudo padres e juízes pelo meio, etc. Imagine-se um padre a confessar os pecados de uma cabeça de homem, transplantada, num corpo de mulher, ou vice-versa? Ou um juiz, com corpo de padre, a emitir sentenças sobre um transplantado às avessas? Ou um funcionário do Arquivo de Identificação a produzir uma segunda via de um bilhete de identidade?

Mas o Regime Soviético já lá vai. Entretanto, não me admira nada que, no Ocidente, algum investigador atrevido avance, num dia destes, a tentar fazer o mesmo para ganhar o Prémio Nobel....provavelmente, nesse caso, o último a ser entregue a alguém, a corpo inteiro!

Isto dos transplantes tem muito que se lhe diga. Já os romanos, que tinham apanhado a ideia dos gregos, se gabavam de que o ideal era «mens sana in corpore sano», mas não tinham passado daí, embora cortar cabeças, nesse tempo, fosse para eles uma banalidade. Agora, se a técnica referida vai avante, nada mais fácil que mudar corpos ou cabeças para obter os melhores efeitos. E depois, quem haverá por aí com a sua cabeça segura entre os ombros? Também as seguradoras poderão, a prazo, vir a fechar as portas...

O caso não é para rir.

Uma notícia de hoje, vinda de Espanha, dava conta de que o governo e a administração pública espanhola tinham embandeirado em arco pela espectacular baixa de acidentes rodoviários conseguida pela entrada em vigor da carta de condução por pontos, a mesma que vai também agora vigorar em Portugal.

Mas não há bela sem senão! É que, há quinze anos, em Espanha, 43% dos órgãos transplantados, nos hospitais, provinha de doadores jovens acidentados nas estradas. Ora no ano de 2007, por efeito da lei dos pontos e da consequente baixa de acidentes verificada, a oferta é de apenas 10%, para uma procura cada vez maior!!!

O jornal não referia que remédio tinha sido previsto para esta nova situação, mas confiemos no bom senso de «nuestros hermanos», de quem seguimos sempre os exemplos.

Felizmente, ainda não chegamos aos transplantes de cabeça a preços de saldo!

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