Mais um problema de atestados
Já não importa muito, nesta altura do campeonato, saber quem atesta qualquer coisa. Seja quem for, já ninguém acredita no atestado.
Antigamente, no tempo da «Outra Senhora», os atestados eram feitos obrigatoriamente em papel selado de cor azul, com selo de água e o escudo nacional impresso e, sendo muitos, traziam uma receita não desprezável para as fábricas de papel almaço e sobretudo para os cofres do Estado, via Casa da Moeda. Cada atestado era ainda validado com um selo fiscal de 5 escudos...e a assinatura do médico responsável, coisas todas que hoje nos parecem caricatas.
Quando andava na Faculdade, pelos anos cinquenta, requeria-se também a segunda chamada aos exames, na tal folha de papel almaço azul, validada com o dito selo fiscal de 5 escudos, inutilizado com a assinatura do requerente. Vim a saber, mais tarde, que um funcionário da Faculdade que tinha sempre selos disponíveis em carteira para socorrer os alunos desprevenidos, havia sido expulso, porque arrancava os selos e apagava as assinaturas apostas, com técnica irrepreensível, de alguns requerimentos arquivados e os vendia como novos aos alunos enrascados!
Ora aí estão duas lições a tirar do caso. Em primeiro lugar, a falcatrua já existia naquela altura, a nível de funcionalismo público, ao contrário do que apregoam alguns salazaristas retardatários. Em segundo lugar, que existia, de vez em quando, ao menos, a decência e eficácia de um chefe a pôr no olho da rua um funcionário público, coisa rara e nunca vista, nos dias de hoje, para encanto de certo sindicalismo irresponsável.
Ora, vem isto a propósito dos atestados médicos que agora se passam por aí...à revelia da ética e da lei, para vergonha dos cidadãos cumpridores.
Há uns tempos, mais de quinhentos alunos de uma escola secundária, com a aprovação dos pais, não querendo repetir determinado exame na data marcada, apresentaram na véspera o respectivo atestado médico de doença (incapacitante). Perante o protesto da Administração Escolar, a Ordem dos Médicos recusou-se a castigar ou mesmo apenas a repreender os seus representados, sem ter uma acção judicial, caso a caso. E o tribunal, solicitado para se pronunciar sobre várias situações por demais evidentes, deve ter-se julgado incompetente para julgar os actos médicos...Não sei se alguma sentença menos abonatória para os clínicos chegou a ser proferida mas, de qualquer maneira, o simples bom senso e a mera caricatura que o caso mostra, pelo menos exigiria da Ordem algo mais que uma posição de defensora estrénua da corporação.
Agora, outra situação que seria caricata, se não fosse igualmente gravosa das Finanças Públicas e do bolso dos cidadãos pagantes, «um médico de Viseu está a ser investigado internamente por ter emitido um número muito elevado de baixas médicas», cerca de 2000, num ano!
Isso mesmo, as baixas em alta, desta vez! Não faço a mínima ideia do que poderá acontecer mas, extrapolando a situação anterior, imagino...
Disse, imagino!
Não vou atestar nada. Atestar é uma coisa que implica responsabilidade, que comporta a honestidade do declarante e, sobretudo, a do certificador. Ora eu ainda me considero suficientemente honesto e responsável, para não atestar, à balda, o que quer que seja. Além do mais, não pertenço a nenhuma corporação de créditos firmados, nem tenho nenhuma Ordem poderosa a defender-me, se cometer algum falhanço...
Há atestados a mais, por aí.
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