terça-feira, 15 de julho de 2008

TELEMÓVEIS FORA DA CRISE


O desemprego e a moda do GPS

A crise está instalada. A crise veio para ficar. A crise é notícia. Só se ouve falar na crise. A crise já está na moda. O tema só foi ultrapassado, na Comunicação Social, pela publicitação elogiosa e desenfreada do mais recente telemóvel de última geração!

Há dias, ao entrar num centro comercial, nem queria acreditar no que os meus olhos viam. Havia filas à porta das lojas de venda de telemóveis, os celebrados iPhones acabados de chegar a este Portugal de tesos. Nos dias anteriores já ouvira as emissoras de rádio e de TV a badalarem constantemente as patacoadas do costume, sobre uma novidade de telemóvel espectacular que estava a causar furor nos EUA, apesar dos preços elevados relativamente aos aparelhos usuais, mas desvalorizara a questão.

Para quê estar a preocupar-me com estas pepineiras, caras para a bolsa de grande parte dos portugueses e perfeitamente dispensáveis, ao contrário do pão para a boca?

Para quê prestar atenção a uma brincadeira destas, quando a rapaziada se entretinha a protestar nas ruas contra o governo, contra a subida de preço da gasolina, da inflação, do custo de vida, do desemprego, das dificuldades do dia-a-dia?

Para quê, se o telemóvel normal faz o trabalho de casa, por valores cada vez mais baixos -e ainda bem! – apanhando-nos, em qualquer canto onde nos encontremos, com os seus toques polifónicos dos trechos mais corriqueiros de óperas famosas, transformados em música pimba para parolos?

O meu telemóvel baratinho faz tudo o que preciso nas comunicações correntes, mensagens escritas incluídas, e ainda me apresenta o calendário, a hora, a calculadora, a agenda com mais de cem números de familiares e amigos...e avisa-me com um toque suave, nada foleiro, quando alguém entra em linha. Já o tenho há anos, é de pequenas dimensões e estou muito contente com ele. Não sinto necessidade nenhuma destes acessórios que agora vão acoplando ao aparelho, para aumentar as vendas, como a câmara fotográfica ou de vídeo, o mini gravador, o rádio, o MP3, e ainda a lista e localização dos restaurantes, o GPS...

Mas confesso que, de um certo ponto de vista consumista e fútil, devo estar completamente errado. Os moços de hoje são incapazes de caminhar cem metros na rua, sem o MP3 da batucada para curtir e, a partir de agora, sem o GPS para se orientar. Perdem-se!

Provavelmente estou a exagerar, porque sou um perfeito ignorante, eu que pensava, há dias, que sabia tudo acerca de telemóveis, antes de trocar umas impressões com um dos meus netos, de oito anos!

Agora compreendo a avidez pela compra dos iPhones, em que alguns jovens compradores chegaram a esperar, desde as três da madrugada, a abertura das lojas de venda. Para eles, valeu a pena o sacrifício, como declararam ao senhor jornalista que os entrevistou para um canal de TV. Muito mais difícil teria sido ir às aulas e estudar, para não chumbar o ano. Coisas como esta, podem esperar. Também um outro senhor jornalista tentou lançar alguma luz sobre a classe etária a que pertenciam os jovens compradores, mas não conseguiu aclarar grande coisa.

Hoje, qualquer gato-sapato tem telemóvel da última geração e, quem não tem, como eu, é um cota!

Depois de apreciar por momentos, embasbacado, as filas do contentamento da malta, cada vez mais compridas, deixei as proximidades das lojas fatais e entrei no hipermercado alimentar próximo. Reparei que toda a gente estava preocupada com a escolha dos géneros mais baratos, olhando, olhando disfarçadamente para os preços afixados nas prateleiras. Parecia que estava noutro mundo, bem diferente da juventude fútil que vira ali ao lado.

Perguntei a mim próprio, quem seriam aquelas pessoas que a crise tornara tão comedidas, tão cautelosas, tão boas gestoras dos seus salários cada vez com menos poder de compra?...

Concluí que muitas, provavelmente, eram os pais e as mães daqueles que se encontravam lá fora talvez alheios às reais dificuldades da vida... Mas outros deles, talvez até sejam desempregados gastando o subsídio... Outros ainda limitando gastos de primeira necessidade... Quantos comprando a crédito que provavelmente depois não conseguirão pagar...

Esta é mais uma das faceta do nosso Mundo Cão onde a crise económica global está na moda, amplia a crise generalizada de emprego, mas não consegue superar a moda intransponível de um simples telemóvel último grito e outras extravagâncias por aí...com a fome a espreitar, mesmo ao lado.

Ora aqui está também, mais uma faceta bem ilustrativa das contradições deste povo de fraca literacia que compõe uma pequena grande nação de quase 900 anos de existência, que tudo sabe, que tudo critica, reclama e deita abaixo, que passa o tempo a agigantar as desgraças que o afligem, que põe todos os dias a sua auto estima nas ruas da amargura, mas que se sente feliz a curtir com um telemóvel de última geração, confiando apenas no seu tradicional desenrascanço!

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