segunda-feira, 19 de maio de 2008

OS CULPADOS DO COSTUME

Crónica de cidadãos, políticos e jornalistas

O preço da gasolina está a subir, a par da inflação e do custo de vida, arrastando a revisão em baixa do crescimento estimado do PIB…

E de quem é a culpa?

Do Estado! Do Governo! Dos políticos!

Quando as coisas correm bem, no País, o mérito é de todos os cidadãos. Quando correm mal, a culpa é dos políticos! São eles os responsáveis, os que se põem a jeito.

E há sempre quem esteja à espreita, calado, a ver o que acontece, e depois atire cá para fora o seu comentário habitual: eu bem dizia…

Os profetas das desgraças são mais que muitos e acertam sempre, a posteriori. Páginas e páginas de censuras aos políticos de serviço são escritas pelos eméritos comentaristas que passam uma grande parte do seu tempo a pesquisar as falhas dos desgraçados que lhes caem no goto e outra parte importante a dar-lhes forma de apresentação agressiva quanto baste, para pagode ler…

Ser político, em época de crise, não deve ser nada fácil, ao menos psicologicamente falando! Ao cidadão comum podem atribuir-se muitos desmandos, mas também perdoar-se outros tantos. Aos políticos, não se lhes perdoa nada, na vida pública ou privada! Exige-se apenas que sejam santos sem mácula e coloca-se, atrás deles, um grupo aguerrido de jornalistas-polícias-coscuvilheiros, a ver se o são, se não derrapam. Depois da descoberta do primeiro pecado, eles vão fiscalizar tudo, para descobrir os eventuais, previsíveis, futuros passos em falso, por mais pequenos que sejam, pois quem não quer ser político, badalado e batido, que não lhe vista a pele!

Há poucas horas, acabei de ler um interessante artigo de um senhor comentarista, queixando-se, como é hábito, das desgraças mais corriqueiras e recentes que couberam ao país, como a revisão em baixa do PIB, a inflação, o aumento do preço da gasolina e outras coisas, e também das ridicularias em que a população se esmera, vítima das reportagens pífias e exageradas sobre o campeonato e a taça, os transtornos dos peregrinos, a beatificação dos pastorinhos, o cigarrinho de Sócrates no avião, os acidentes de viação e as barraquinhas da feira do livro, etc. enfim, tudo a lembrar Futebol, Fátima, e Família, resquícios de tempos salazarentos…E, no último parágrafo, de quem era a culpa? «Dos cidadãos, dos políticos e das políticas do Estado a que temos direito! Um Estado de bola, fé e muita mentira.»

Será uma conclusão correcta? Sim, do ponto de vista puramente formal. A culpa é sempre dos cidadãos e de quem os governa, como diria Mr. De La Palisse, e não há que fugir daqui.

E se a nossa Justiça fosse um pouco mais rápida, com tanta acusação que por aí circula, já teria metido metade da população em prisão preventiva, pelo menos.

Claro que os políticos, pormenorizando, têm culpa de muita coisa.

Mas o comentarista deixa uma porta entreaberta que não se atreve a escancarar, por brio profissional: os cidadãos entretêm-se com as reportagens pífias repetidas sobre o futebol, os cigarrinhos do primeiro-ministro, os acidentes com os peregrinos a Fátima e a beatificação dos pastorinhos, as barraquinhas da feira do livro…E de quem é a culpa destes entretenimentos tão facilmente citados? Será só dos cidadãos em geral que as lêem e dos políticos que não os proíbem? Ou também dos senhores jornalistas, pela propaganda exagerada que fazem das coisas sem importância, e da pouca importância que dão àquelas que verdadeiramente são importantes?

Quem faz as tais «reportagens, pífias e repetidas» até à exaustão, do Futebol, dos peregrinos acidentados de Fátima, do fumo à socapa no avião, dos assaltos às farmácias e bombas de gasolina, dos crimes sórdidos de faca e alguidar, enchendo diariamente cadernos para entreter o cidadão e vender o seu peixe, senão o jornalismo soberano, infalível e justiceiro?

Não disfarcemos os erros dos políticos, nem encubramos os próprios.

A verdade é que, para quem escreve e comenta, é muito mais fácil acusar os outros, neste caso o cidadão que vai nessas balelas, sem escapatória, e os políticos de quem se espera que façam tudo pelo país.

Claro, muito mais cómodo ainda é poder pagar os impostos e permanecer, tranquilamente, sentado à sombra dos pinheiros que ainda restam…

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