quinta-feira, 8 de maio de 2008

GRANDES E PEQUENOS NÚMEROS

Crónica de professores, advogados e poetas

Os números têm uma magia própria, uma poesia que os matemáticos profissionais, na frieza das suas equações, não são capazes de compreender, talvez com excepção dos astrónomos. Também na verdadeira poesia, o profissionalismo não existe. Por isso, todos os poetas morrem pobres, à excepção dos bobos da corte e daqueles que já nasceram em berço de ouro, que são raros, pois a poesia não favorece esta espécie de beneficiados da fortuna. Também não conheço poetas de génio que tenham sido ao mesmo tempo matemáticos de profissão.

Mas posso estar enganado.

Entre nós, o número mais lembrado, criticado, debatido nos últimos anos, tem sido o dos funcionários públicos, sobretudo porque é grande, desproporcionado relativamente à população total do País, não por outra qualquer razão ou por qualquer mania, seja de quem for.

E, dentre os funcionários, os advogados e os professores constituem uma massa de peso, um lastro que os restantes cidadãos têm que arrastar consigo, isto é, que aguentar e pagar com língua de palmo. Certo que professores e advogados são necessários ao País. A população não conseguiria sobreviver, nos tempos de hoje, sem estas duas classes profissionais. Mas existe a sensação geral de que são professores e advogados a mais, para as necessidades.

Alguém discorria, há tempos, que Portugal deveria ser um País de sábios exemplar, com tantos professores, apesar dos muitos analfabetos ainda existentes, os abundantes e cada vez mais iletrados que por aí circulam, os ignorantes visíveis ou encapotados que alardeiam a sua jactância de sapiência onde quer que estejam…

Também a nossa Justiça deveria ser um exemplo maravilhoso de rapidez e eficácia a copiar por meio mundo, com tantos juristas, advogados e outros especialistas do Direito que há por aí, como piolho em costura...

E, contudo, não há maior contra-senso do que estes dois citados, no tal País de guerreiros, navegadores e poetas de que fala a História. Agora somos muito mais poetas, embora poucos e fracos, que navegadores ou guerreiros. O tempo dos guerreiros já passou há muito, o dos navegadores finou-se depois de acabarem os lugres bacalhoeiros e os batéis da sardinha, e restam apenas, para nos entretermos, alguns poetas de meia tigela, com versos de fraseologia e interpretação rebuscada ou pretensamente filosófica, a contrapor à singeleza, à beleza das rimas de Camões, Bocage, Cesário, Pessoa e tantos outros que não precisaram de escrever coisas indecifráveis, incompreensíveis ou de sentido duvidoso para se afirmarem e serem apreciados em todas as épocas. As excepções que existem confirmam a regra.

Excepção foi, por exemplo, um professor emérito do século XX, também emérito poeta, o Rómulo de Carvalho ou Mário Gedeão, conforme a profissão ou o lazer poético exercidos. Creio que, entre tão grande número de advogados ou professores, não haverá muitos e bons poetas a distinguir.

Mas, se isso acontecesse por uma causa justa, vá que não vá. Embora a contra gosto, poderíamos ter um grande número de matemáticos, a contrapor a tantos professores e juristas, a poesia que fosse à fava. Mas não é assim. Nem há matemáticos, nem poetas, nem nada! Só advogados e professores! Só funcionários públicos! Só mangas-de-alpaca!

Parece ter desaparecido finalmente, o senso poético tão comum em Portugal, apesar dos fadistas se esforçarem por aí…esforço inglório. Até a poesia popular está a dar o suspiro final e não transparece de coisa nenhuma, nem sai à rua, neste país de sorumbáticos.

No País do matemático e inventor Pedro Nunes, somos hoje, cada vez mais, um pequeno país de números a esmo, grandes ou pequenos, metidos a martelo em sondagens e estatísticas bizarras, de objectivos nem sempre claros.

No País do Camões e do Pessoa universais, somos agora um triste país de raros poetas...de trazer por casa.


Sem comentários: