Mas posso estar enganado.
Entre nós, o número mais lembrado, criticado, debatido nos últimos anos, tem sido o dos funcionários públicos, sobretudo porque é grande, desproporcionado relativamente à população total do País, não por outra qualquer razão ou por qualquer mania, seja de quem for.
E, dentre os funcionários, os advogados e os professores constituem uma massa de peso, um lastro que os restantes cidadãos têm que arrastar consigo, isto é, que aguentar e pagar com língua de palmo. Certo que professores e advogados são necessários ao País. A população não conseguiria sobreviver, nos tempos de hoje, sem estas duas classes profissionais. Mas existe a sensação geral de que são professores e advogados a mais, para as necessidades.
Alguém discorria, há tempos, que Portugal deveria ser um País de sábios exemplar, com tantos professores, apesar dos muitos analfabetos ainda existentes, os abundantes e cada vez mais iletrados que por aí circulam, os ignorantes visíveis ou encapotados que alardeiam a sua jactância de sapiência onde quer que estejam…
Também a nossa Justiça deveria ser um exemplo maravilhoso de rapidez e eficácia a copiar por meio mundo, com tantos juristas, advogados e outros especialistas do Direito que há por aí, como piolho em costura...
E, contudo, não há maior contra-senso do que estes dois citados, no tal País de guerreiros, navegadores e poetas de que fala a História. Agora somos muito mais poetas, embora poucos e fracos, que navegadores ou guerreiros. O tempo dos guerreiros já passou há muito, o dos navegadores finou-se depois de acabarem os lugres bacalhoeiros e os batéis da sardinha, e restam apenas, para nos entretermos, alguns poetas de meia tigela, com versos de fraseologia e interpretação rebuscada ou pretensamente filosófica, a contrapor à singeleza, à beleza das rimas de Camões, Bocage, Cesário, Pessoa e tantos outros que não precisaram de escrever coisas indecifráveis, incompreensíveis ou de sentido duvidoso para se afirmarem e serem apreciados em todas as épocas. As excepções que existem confirmam a regra.
Excepção foi, por exemplo, um professor emérito do século XX, também emérito poeta, o Rómulo de Carvalho ou Mário Gedeão, conforme a profissão ou o lazer poético exercidos. Creio que, entre tão grande número de advogados ou professores, não haverá muitos e bons poetas a distinguir.
Mas, se isso acontecesse por uma causa justa, vá que não vá. Embora a contra gosto, poderíamos ter um grande número de matemáticos, a contrapor a tantos professores e juristas, a poesia que fosse à fava. Mas não é assim. Nem há matemáticos, nem poetas, nem nada! Só advogados e professores! Só funcionários públicos! Só mangas-de-alpaca!
Parece ter desaparecido finalmente, o senso poético tão comum em Portugal, apesar dos fadistas se esforçarem por aí…esforço inglório. Até a poesia popular está a dar o suspiro final e não transparece de coisa nenhuma, nem sai à rua, neste país de sorumbáticos.
No País do matemático e inventor Pedro Nunes, somos hoje, cada vez mais, um pequeno país de números a esmo, grandes ou pequenos, metidos a martelo em sondagens e estatísticas bizarras, de objectivos nem sempre claros.
No País do Camões e do Pessoa universais, somos agora um triste país de raros poetas...de trazer por casa.
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