sábado, 24 de maio de 2008

ACORDO ORTOGRÁFICO APROVADO

Assisti à votação no pequeno ecrã

Abri o computador e, numa pasta de arquivo dos Meus Documentos, logo encontrei um artigo cheio de críticas dos nossos apoderados da língua ao novo acordo ortográfico, o qual viria, no dia seguinte, a ser aprovado no Parlamento por enorme maioria dos deputados PS e PSD, com apenas quatro votos contra e algumas abstenções. Assisti à votação, no pequeno ecrã. É obra!

Agora, uma semana depois, confirmo, após nova leitura do tal artigo, que duas espécies de críticas foram feitas na altura: de natureza etimológica e política.

Não discuto as primeiras, que provêem das sumidades universitárias, da Academia, das editoras e de alguns escritores. Têm razão, quanto a «certas imprecisões, erros e ambiguidades» de que falam, mas nada que não se tenha verificado já em acordos ou reformas ortográficas antecedentes. E perdem-na totalmente, quando referem os aspectos políticos da questão.

Para falar verdade, que acordo, reforma ou norma ortográfica existiu em Portugal, desde a fundação da nacionalidade, sem a intervenção, a influência ou a imposição do poder político?

E também uma coisa é certa: por incrível que pareça, nunca uma academia portuguesa conseguiu estabelecer, em oitocentos e cinquenta anos de história, um dicionário completo, uma lista de palavras ortograficamente correctas, inquestionáveis, que pudesse servir de norma às comunidades nacionais, primeiro, e depois à Comunidade dos Países Lusófonos, com o Brasil à cabeça.

Infelizmente, D. João VI, antes de deixar a colónia do Brasil que hoje nos coloniza, também não teve o discernimento e a força política necessários para impor uma ortografia oficial sem discussões, muito por culpa da incompetência, da complacência ou das discussões estéreis dos linguistas encartados da época, incapazes de trabalhar nisso até ao fim, (coisa que os espanhóis fizeram em devido tempo, com a grafia do castelhano), de aconselhá-lo, de incentivá-lo... De então para cá, tanto no Brasil, como em Portugal, muito se tem falado, escrito, discutido, sem chegar aos consensos e às conclusões que se impunham.

Mas sorrateiramente, independentemente disso, a fonética foi sofrendo alterações, tanto em Portugal como no Brasil, e a ortografia também. Claro, esta sempre decidida pelo poder político, a reboque da evolução interna ou sob pressões externas de que os neologismos não são as menores. Entre nós, ainda a Academia estará a pensar nas novas palavras que hão-de ser introduzidas no idioma oficial e já o povo se encarregou de fazê-lo, sem preocupações de maior, com anos e anos de antecedência e à sua maneira.

Sempre assim foi no passado e a recuperação e a adaptação linguística foram ocorrendo, com lentidão e persistência. Mas nestes tempos de evolução tecnológica galopante, a quantidade de neologismos introduzidos no idioma corrente e na ortografia diária é extraordinária e não se compadece com o aparente atraso dos processos académicos. No século das velocidades, os sábios da língua, sempre distraídos, ou andam mais depressa, ou acabam cilindrados sem dó nem piedade. Pelo povo, pelos políticos ou por ambos.

Os políticos são, neste aspecto, menos conservadores, mais realistas, estão apostados em não perder o comboio da modernidade e da globalização que nos transporta a todos, queiramos ou não. Alguns querem, outros não, mas acabam por ir todos...

Lembro-me, a propósito, dos meus avós, que escreviam segundo as normas ortográficas do tempo, e dos meus pais que se viram forçados a adaptar-se às normas impostas mais tarde. Eu próprio fui testemunha de nova alteração gráfica, nos meus anos do liceu, e cá vou cumprindo… Há dias, passei os olhos por alguns documentos dos meus pais e avós e verifiquei que eles tinham sido contrários às ortografias então postas sucessivamente em vigor! Desse modo, no entanto, desapareceram as pharmacias, os adyctos, os syndicatos, as escholas, o thesouro, della e tantas outras grafias correntes desde há pouco mais de um século a esta parte, acerrimamente defendidas e justificadas por uns ou impostas por outros, às quais hoje ninguém liga nenhuma. Uns tantos consideram-nas já obsoletas ou caricatas…

Claro que qualquer um tem o direito de discordar, como bem entender. Mas provavelmente muitos dos críticos mais idosos de agora, acataram a reforma ortográfica anterior, por outros tantos criticada na altura, sem um pio, tal como eu.

A vida é isto mesmo, acordo e desacordo. Os que estão sempre de acordo com tudo não são melhores nem piores que os contraditores sistemáticos. Mas estes, coitados, seja na ortografia, seja noutra disciplina qualquer, amargam a vida deles e a dos outros. E os filhos deles, amanhã, querem lá saber disso! Como em tudo, «in medio virtus».

Tenho que parar aqui, que estou atrasado. Vou vestir o fato. A minha mulher acabou, entretanto de fazer a toalete e está na hora de darmos um giro. Mas antes vou ao atelier levar o dossiê, agrafado com a folha impressa do que acabo de escrever. De facto, só me falta clicar para apagar o ecrã do computador e sair…

Escrevi certo ou errado? Não tive tempo de consultar o dicionário, muito menos a Grande Enciclopédia Luso-Brasileira. Mas também não sei se para isto valeria a pena, se ela está actualizada ou não…

Que me perdoem os membros da Academia, se por aí ficaram algumas antecipações gráficas. Estou a aprender depressa, com os brasileiros…

Assino por baixo:

J. Luiz Garcia Rodrigues, digo Luís, Santo André, 23-5-2008. Sempre ao dispor.

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