terça-feira, 6 de maio de 2008

O PAÍS DO VINHO

Crónica das bebedeiras tradicionais

Toda a gente sabe que Portugal é o País do vinho, muito mais que um País de vinho. Se não houvesse vinhas neste rectângulo, à beira mar plantadas, Portugal não existiria. Salazar bem o sabia ao decretar o impedimento de importação da coca-cola, com a justificação de que beber vinho era dar de comer a uns milhões de portugueses. O vinho, a cortiça e o peixe foram, durante muitos anos, a salvação económica da Pátria.

No século XX, a entrada em força da cerveja, e mais tarde da coca-cola e similares, veio dar um alerta, propor aos governantes a necessidade de estimular ou descobrir outros amores, de forma a garantir a subsistência. Mesmo assim, o povo lá continuou a enfrascar-se no carrascão, vendido nas tascas a balde ou martelo (conforme as regiões) de cinco e de três e, nas adegas particulares, a garrafões de vidro, de cinco litros.

Tirando o vinho do Porto, de negócio congeminado entre o Marquês de Pombal e os ingleses, pouca qualidade havia, na generalidade da pinga portuguesa, salvo algumas e honrosas excepções. Apesar disso, a rapaziada bebia à grande, abusando de uma tradição quase do tempo da fundação da nacionalidade, considerando-se as sopas de cavalo cansado como remédio milagroso para todas as maleitas, logo a partir de tenros anos de idade, nalgumas povoações, chegando a substituir o pequeno almoço, numa altura em que o leite era escasso e até pouco recomendado.

Nessa altura não era homem de verdade quem não bebesse uns copázios valentes durante o dia e, logo de manhã, ao levantar, o seu cálice de água-ardente que servia para afugentar a solitária frequente nesses tempos e assim ficou, pelos tempos fora, conhecida como mata-bicho. O vinho também curava a tísica, desinfectava a tripa, servia para pensos de feridas e muitas outras coisas, e a água-ardente queimada era o melhor tratamento que havia para o catarro, etc., enquanto a mais forte era poderoso anti séptico, analgésico, anestésico nas operações cirúrgicas, etc…

Em Portugal, de certeza que não existiria fado sem vinho e em Lisboa, por exemplo, não existiriam, sem ele, as celebradas casas de fado.

Depois do 25 de Abril, as cooperativas vinícolas trouxeram uma forte ajuda aos vinhateiros e as normas da CE tiveram ainda o condão de obrigar a delimitar zonas de plantação, estimular o melhoramento das castas e o fabrico e a embalagem adequada de vinhos de qualidade, em substituição da zurrapa tradicional, mesmo apesar da ascensão das vasilhas de plástico, das tinas de cimento e de aço inox, a substituir muito tonel com sarro que dava gosto. As adegas de hoje são um brinco e o vinho, que quase deixou de ser pisado nos lagares para ser espremido com máquinas próprias e analisado ao longo de todo o processo fermentativo e de armazenagem, melhorou muito, para desgosto de certos tradicionalistas.

Ainda bem.

Mas o abuso da pinga é que não acabou, apesar de tantos progressos.

O vinho bom e barato (claro, relativamente ao dos outros países europeus produtores), tem sido um factor incentivador do turismo e isso facilitou o aparecimento de estrangeiros bêbados no nosso país, coisa que só acontecia dantes, na visita das esquadras americanas ou inglesas a Lisboa. Há dias, um casal irlandês acabado de chegar ao Algarve, apanhou logo uma valente piela, abandonando os filhos de tenra idade ao Deus dará, etc…

Voltando aos portugueses. Dantes tradicionalmente enfrascados naquela pasta que frequentemente os atirava mortos para as valetas das estradas de macadame, rapidamente se habituaram à bebida de qualidade e agora, depois de grandes almoços «farta-brutos» bem regados de tintol, provocam inúmeros acidentes mortais nas estradas e auto estradas que cruzam o país inteiro, sem respeito por si próprios nem pelos outros…

Há, no entanto, qualquer coisa de bizarro, nesta maneira de proceder dos portugueses. Numa época de estudos, sondagens e estatísticas por tudo e por nada, seria interessante averiguar que lhes passa pela cabeça. Pessoalmente, creio firmemente que elas não pensam senão retirar importância às situações perigosas, julgando que nunca acontece nada e que, de qualquer maneira, sempre vale mais morrer de barriga cheia, bem comido e bem bebido… Também os brasileiros connosco aprenderam certamente e já cantam: o que se come, o que se bebe...

In vino véritas, filosofavam os romanos de vícios privados e públicas virtudes. Em Portugal é o contrário, as virtudes são caseiras e é de bom tom expor os vícios, vulgo as bebedeiras, na praça pública. Valentes portugueses!

E é por isso que a GNR se farta de apanhar condutores com álcool a mais no sangue, mas não resolve nada com isso. E também outro dia, um guarda entrou num café de bairro e disparou a matar, sem explicação plausível, mas verificando-se depois que tinha álcool em excesso no sangue…

Agora, está na moda, os estudantes universitários, que não são nenhuns analfabetos, celebram a Queima das Fitas com álcool a mais, acham que é bonito apanhar a sua bebedeirazita (já considerada tradicional), autorizada pelo Dux Veteranorum e tolerada pelas autoridades académicas e autárquicas, de cuja cumplicidade resultam todos os anos alguns mortos, mas sem nunca serem encontrados culpados pela polícia, muito menos condenados pela nossa inefável justiça.

E assim, nos vários dias de borga, seja em Coimbra, seja no Porto, seja lá onde for, tolera-se tudo, como também nas discotecas, nas romarias, nas grandes vitórias do futebol…

Pergunto a mim mesmo, pensando bem, para quê mais estudos, mais programas de intenção, mais proibições, mais brigadas?

É evidente que o mal não está nas leis, nem no analfabetismo de antigamente, nem no vinho, nem na cerveja que agora também já faz moda, nem nos automóveis, nem nas estradas ou auto estradas, nem nas multas e na ausência de fiscalização, mas apenas na falta de educação e no fraco civismo dos portugueses, de que os pais e as escolas são os principais responsáveis.

Não só. A tolerância instituída na nossa sociedade ajuda muito…

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