quarta-feira, 9 de abril de 2008

RUPTURA NA JUSTIÇA

O civismo nacional ou a falta dele

A notícia do Jornal de Negócios que li no Diário Digital de hoje, com o título de «O Tribunal de Comércio de Lisboa está em completa ruptura», provavelmente posta a correr mundo como novidade bombástica, em vez de mera informação ao cidadão comum, termina com o seguinte parágrafo:

«Apresentando dados sobre os processos que tem na secretária (só nos últimos sete meses foram distribuídos 926 processos, dos quais 523 têm natureza urgente e 69 estão em risco de prescrição) Maria José Costeira sentencia: «Se eu fosse um estrangeiro, não investia em Portugal».

Claro que a notícia em si não é explosiva. O mais certo é tratar-se de pura divagação minha, tão habituado estou a ler títulos bombásticos sobre assuntos de trazer por casa…e este seria mais um, se os principais intervenientes fossem apenas caseiros, tal como diria o tão injustamente celebrizado Marquês de la Palisse.

Para o portuguesinho comum que trabalha de sol a sol, quando o há, para ganhar o pão de cada dia, a notícia é trivial, pois mesmo à noite apenas dispõe de um breve tempo para ver as últimas na TV, no espaço livre deixado pelas várias telenovelas absorventes, aquelas que dão «share» e fazem ganhar anúncios…Trivial, mesmo entre as notícias televisivas agora transformadas em montra alargada na exposição permanente da entrevista pífia, da manifestação prevista, do desastre, do assalto e do coitadinho, coisas que trazem emoção a rodos aos mais idosos e já deixam os mais novos completamente indiferentes, à força de repetição sistemática, ocupados que estão, ainda por cima, com a gestão de doses industriais de futebol. As situações mais sérias, como esta e muitas outras que deveriam fazer-nos pensar a todos, não têm eco quase nenhum na nossa sociedade, por maiores «bombas» que sejam.

É evidente. Até há umas décadas atrás, acreditávamos que não tínhamos sido feitos para pensar, mas para oferecer ou vender mão-de-obra barata, na qual éramos especialistas insuperáveis! A Revolução de Abril entreabriu-nos as portas do conhecimento externo mas, pouco depois dos momentos de euforia iniciais, não trouxe grande entusiasmo às gentes, nem conseguiu abrir as suas mentes cinzentas, tristes e fechadas por tradição, inépcia política e quase cinquenta anos de ditadura. As verbas da CE pouco mais fizeram que reverter proventos para o acessório e o fútil, além de benefício a uns quantos oportunistas de ocasião. E a grande e básica mudança de mentalidades que se esperava e era fundamental para o nosso desenvolvimento ficou, infelizmente, no tinteiro.

Agora que a globalização da informação põe tudo a nu, os portugueses ficaram a saber, depois de recorrerem cada vez mais à Segurança Social, e no espaço deixado livre pelas telenovelas, que estão a ser batidos, na mão-de-obra barata, pelos chineses e muitos outros o que, infelizmente, se verifica também no Comércio, na Indústria, nos Negócios em Geral, e no Campo Científico, coisas que dependem, muito mais do que se pensa, da educação, da auto estima, do civismo, da forma de estar responsável, na sociedade…

Por isso dei comigo a pensar, a analisar a notícia de abertura desta crónica que originou o meu título sobre a Ruptura da Justiça. Na verdade, suspeito que esta não dependerá da falta de meios, como diz a senhora juíza. Se fosse assim, todo o País estaria em ruptura, pois a falta de meios é hoje e cada vez mais a desculpa que serve para tudo o que funciona mal. O que está em ruptura é a capacidade de rentabilização dos meios, o já fraco profissionalismo de muitos e o civismo incipiente dos restantes, como poderá comprovar-se pelas suas declarações citadas no parágrafo seguinte da notícia:

«A juíza presidente da instituição, uma das mais importantes para a actividade das empresas, compara o crescimento dos processos com a exiguidade de meios e garante que «não consegue fazer mais do que atender a providências cautelares, recursos de contra-ordenação e processos de insolvência. Tudo o mais está parado», refere o artigo do Negócios.»

Facilmente concluí que o mal está nas providências cautelares que viraram moda nos últimos anos, nos recursos e nas contra-ordenações, coisas para as quais não haverá nunca meios que cheguem…Pior, sempre serão necessários mais meios, em espiral infindável, para tentar resolver, sem o conseguir, o caricato e o acessório a que a Justiça nos habituou, nas suas vírgulas e códigos sem fim. Não estou a culpar apenas os juízes, mas também os advogados e os utentes. Nem culpo as leis, os políticos e os governos, como alguns juízes fazem, para descartar-se de responsabilidades, coisa muito em voga na nossa sociedade em geral na qual os governantes se ocupam de banalidades e culpam os cidadãos, e estes ocupam o tempo livre a culpá-los a eles, no fundo, pouco tempo ficando para resolver, com trabalho, civismo, profissionalismo e bom senso, a maioria dos problemas do país que não necessita provavelmente de mais leis, mas do cumprimento delas, sem subterfúgios.

Seria interessante, já agora que me lembrei disso, saber em quantas providências cautelares, recursos e contra-ordenações este país de advogados, solicitadores escrivães e juízes, investe por metro quadrado os seus magros rendimentos para ver, preto no branco, a eficiência da nossa Justiça formalista e burocrática que demora anos, por vezes, na simples citação ou notificação de arguidos com os quais nos cruzamos todos os dias no supermercado. Teríamos assim uma caricatura candidata a prémio, se não se tratasse da realidade nua e crua, isto é, sem necessidade de autorização de algum moralista e serviço, nem de prévio cozinhado jornalístico bombástico.

«Por último, a senhora juíza Maria José Costeira sentencia: «Se eu fosse um estrangeiro, não investia em Portugal».

Faltou só acrescentar que, sendo portuguesa e com possibilidades, preferia investir no estrangeiro! Fica mal a um juiz fazer comentários deste jaez, em tribunal, e a um jornalista publicá-los, apesar da liberdade de imprensa que nos rege? As palavras têm pesos diferentes consoante o local, a posição de quem as profere e a atenção despertada em quem as ouve. Por isso penso também que não há necessidade de apregoar constantemente as nossas misérias num Jornal de Negócios, para que todo o mundo veja e deixe de investir…

Estou a ver já os paladinos da defesa da Imprensa e da Justiça a atirar-se contra mim, como gato a bofe. Mas pode acontecer por outro lado, admito-o, que a minha maneira de ver esteja completamente errada, se entrarmos em linha de conta de que somos conhecidos, cá dentro e lá fora, não pelo nosso civismo ou eficácia, mas como o País da Cunha.

E, sendo assim, fica explicado e salvaguardado o interesse que ainda manifestam alguns investidores estrangeiros, espertos e oportunistas, que espreitam o furo dos negócios em Portugal, apesar da Justiça burocrática que temos, dos advogados por tudo quanto é sítio, da nossa propaganda doentia de tudo o que de mau possuímos e enfim, da nossa posição na lista universal dos vendedores de mão-de-obra barata.

Não sou derrotista. Portugal encontrará a solução para a continuação da sua existência, como o fez durante mais de oito séculos.

Por agora, à falta de melhor, talvez esteja aqui, como último recurso, a salvação actual deste País que D. Afonso Henriques se esforçou denodadamente para colocar no mapa, o Infante mandou exportar para o mundo inteiro e o Camões, na miséria, cantou em versos inigualáveis. Todos, afinal, com cabeça, patriotismo, trabalho e profissionalismo ímpares, apesar de dificuldades que pareciam insuperáveis e da absoluta falta de meios de que dispunham dos quais, reza a História, nunca se queixaram …

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