terça-feira, 8 de abril de 2008

A ESTÁTUA DO AMADO LIDER

Crónica de 8 de Abril de 2008

A Primavera já começou em Março, mas Abril é o mês da consagração… Não sei por quê, nesta altura lembro-me sempre dos idos de Março, tristemente célebres pelo assassinato de Júlio César às mãos de Cássio e de Junio Bruto, munidos dos seus punhais certeiros, com o pretexto de defesa da velha República Romana e, provavelmente também, como sucede nos dias de hoje, com o pensamento na defesa de seus interesses ou projectos, quem sabe?

Todas essas figuras ficaram na História: César pela sua inteligência, pelos seus feitos, até pela sua escrita, e os seus matadores, mais que nada, por isso mesmo, de tal forma que ainda hoje se chama bruto a quem utiliza processos violentos para obter vantagem sobre alguém quando não são necessários... geralmente quando não tem razão.

Verdade é que César ficou célebre como pai ou precursor do Império Romano e símbolo de todos os impérios que vieram a seguir, tendo sido erigidas estátuas em sua honra pelo mundo inteiro, ao longo dos dois mil anos que decorreram da sua morte.

Esta Primavera pregou-nos a partida de proporcionar-nos uns dias de aguaceiros súbitos alternados de sol, que os turistas assim mesmo utilizam para dar passeios aos seus lugares favoritos, como a Ilha da Madeira, aproveitando os preços convidativos do fim da época baixa.

Têm toda a razão. A Madeira é um Jardim com letra grande, para os forasteiros. E também o Jardim, para os que lá vivem.

Nestes trinta anos de progresso em que o turismo, aliado a uma boa gestão pública e a muito dinheiro que beneficiou do Continente, em prejuízo de algumas províncias deserdadas, a figura do seu carismático Presidente tornou-se objecto de culto de uma população antes quase totalmente analfabeta e pescadora de moedas atiradas dos paquetes de luxo, a qual passou, finalmente a ter emprego e uma razoável qualidade de vida.

A Madeira é o Jardim de Alberto João, por alguém do Continente apelidado de Bocassa, tais coisas fez e disse como desforço dos continentais e da sua imprensa que não alinham nas suas ideias ou discordam mesmo dos seus actos. Há dias, essa mesma imprensa foi mesmo impedida de assistir, para fazer a reportagem, ao Congresso do PSD Madeira, o partido à sombra do qual governa democraticamente a Ilha como um César, Czar em russo….

-Quem não está bem, que se mude!

Quem não concorda, não é bem-vindo à Ilha e torna-se vítima, frequentemente, de epítetos grotescos ofensivos.

Os jornalistas e os políticos do Continente, dos outros partidos, têm medo desse Jardim, chocarreiro e popularucho no Carnaval e truculento nas lutas partidárias da governação. A maioria deles faz um esforço sobre-humano para ignorá-lo, mas os prosélitos do seu partido, longe de ignorar ou censurar as pedradas mandadas pelo imperador aos adversários, aplaudem-nas, tendo sempre em vista os votos para as futuras eleições legislativas ou autárquicas.

A Assembleia Legislativa da Madeira é como um feudo do Presidente, quase sem contestação. Um deputado solicitou a preparação e aprovação de um programa para homenageá-lo, pela passagem do seu trigésimo aniversário ao comando do governo da Ilha, estando prevista uma sessão próxima, já agendada para o efeito. Mas um outro, do associado PND, foi muito mais longe, requerendo a aprovação da Assembleia para um projecto de construção de uma estátua do grande e amado líder, com cinquenta metros de altura, a plantar no cimo do forte de S. José, à entrada do Porto do Funchal, provida de escadaria interior para os turistas apreciarem a paisagem do alto da cabeça, e de um mecanismo de rotação na base, permitindo a orientação solar permanente do bronze do «imperador» … coisa que suplanta a carismática Estátua da Liberdade, fixamente montada pelos franceses à entrada do Porto de Nova Iorque.

Pois para surpresa de muito boa gente de Portugal Continental, o assunto foi remetido pelos deputados regionais para uma comissão de juristas, a fim de que fique bem fundamentado, antes da admissão para votação …

Nem César, nem os czares russos tiveram estátuas em vida! Na minha ignorância, só sei de estátuas erigidas na Coreia do Norte, ao Grande e Amado Líder, no Iraque, ao Megalómano e Enforcado Sadam Hussein… e em Lisboa, ao Eusébio do Benfica! Mas este não teve nada a ver com a política, é um caso à parte, pois foi um imperador do jogo da bola que nos maravilhou a todos com os seus remates e as suas fintas, bem diferentes das do «dono» da Ilha Jardim da Madeira.

Se as coisas continuarem a correr bem ao seu partido, ainda iremos assistir ao corrupio dos turistas desembarcados a mostrar apressadamente os bilhetes, individuais ou de grupo, antecipadamente requisitados pelas agências de viagens do mundo inteiro, para apreciarem de perto a obra de arte. Veremos também as nossas gentes humildes e pacóvias fazendo fila para subir a escadaria e mais tarde poder dizer aos netos:

-Eu já lá estive, na cabeça do nosso querido Alberto João!

Quando li a novidade, no Diário de Notícias de hoje, na net, neguei-me a acreditar no que os meus olhos viam. E tive que ler de novo!

Mesmo assim, apetece-me perguntar se isso será possível.

Provavelmente trata-se do devaneio Primaveril de um legislador da Ilha com cabeça de imaginação brilhante, neste esquisito mês de Abril entremeado de sol e aguaceiros …

Mas Jardim não tem culpa!

1 comentário:

Anónimo disse...

Realmente é só para rir
já me escangalhei todo a rir só de pensar