terça-feira, 15 de abril de 2008

PROVINCIANISMO E NÃO SÓ

Crónica de um observador grisalho

Acabo de ler um artigo de opinião interessante no Jornal de Notícias, tendo por base o «provincianismo» português tão bem descrito e melhor definido por Pessoa, há oitenta anos, e acusado por ele de ser, provavelmente, o nosso maior defeito. O articulista navega nesta onda e apresenta, sucinta e adequadamente, alguns dos mais salientes e modernos provincianismos de que enfermamos.

É desnecessário citar aqui essas linhas escritas com clarividência e graça. Apetece-me apenas completar essa ideia de provincianismo bem sugerida por Pessoa e igualmente bem aplicada por A. Castro, com uma outra, a falta de civismo dos portugueses!

Se o provincianismo é, como diz o poeta, a subordinação feliz e bacoca à civilização de baixo nível e à verdade impostas de fora (já que as verdades internas são sempre desvalorizadas), a falta de civismo é a exaltação da dependência ao chico espertismo e à vigarice apresentadas de dentro!

O provincianismo ficou, como todos sabemos, excepcionalmente caracterizado nos quadros a pincel, de Columbano Bordalo Pinheiro e, até hoje, apenas sofreu retoques de pormenor. A falta de civismo ainda não tem pintor à altura, até ver, apesar dos pinta-paredes, aos milhares, que se exercitam por aí, e enchem as nossas fachadas de quadros bizarros, ininteligíveis, feitos com recurso às novas técnicas de spray e cocaína.

Mas a falta de civismo é muito pior que o provincianismo! É como a pescadinha de rabo na boca. Umas vezes serve para dizer asneiras ao vizinho do lado e recolher, na volta, as pedradas deste, e outras dá para atirar-lhe pedras e receber as asneiras. Mas isto é apenas um pormenor. A falta de civismo serve para fortalecer, com «chico espertismo», o nosso proverbial «desenrascanço», o mesmo que o provincianismo faz suavemente, à saloia.

Certo, certo é que, sem dar a volta a estes dois ícones já tradicionais na Monarquia, investindo até à exaustão na educação das gentes, jamais a República conseguirá fazer cidadãos a tempo inteiro, para vingar na Europa e no Mundo. Até lá, cá nos vamos entretendo a apreciar, por essas ruas fora, os numerosos mostruários de pintura e lixo a céu aberto, enquanto os verdadeiros museus permanecem bem limpinhos, orgulhosamente vazios de visitantes, silenciosos…e fechados ao domingo, dia que a gente «culta» utiliza para ir à missa, ao restaurante e ao cinema, e a maioria para pensar, entre dois copos, na forma de ultrapassar as dificuldades da vida, a partir da segunda-feira próxima.

Com o provincianismo e a falta de civismo do costume, embora haja excepções, como em tudo, a confirmar a regra.

Sem comentários: