quarta-feira, 30 de abril de 2008

JUVENTUDE IGNORANTE-II

O remédio que ninguém quis aplicar

Ao escrever umas quantas linhas sobre o discurso, bem intencionado mas inócuo, do senhor Presidente da República, na Assembleia da República, nas comemorações oficiais do 25 de Abril, expressei apenas o desconforto que me ia na alma e terminei com uma frase simultaneamente de desabafo e de acusação:

«Só chamar nomes feios aos jovens, nunca adiantou grande coisa.»

Como de médico e de louco todos temos um pouco, segundo o conhecido ditado, ocorreu-me que poderia ter acrescentado umas quantas dicas, à laia de remédio, para combater o mal de certa propalada ignorância dos jovens que tanto aflige muita gente adulta com responsabilidades, mas para a qual não conseguiu dar as soluções adequadas ao longo de 34 anos de Democracia discursiva, ziguezagueante e, por vezes até, contraditória!

Ora, falando bem e depressa, o que tem faltado aos políticos e à imprensa do nosso País é um investimento sério, pertinaz e eficiente numa exploração escolar do civismo transversal a todas as outras cadeiras do ensino, ou de numa cadeira de educação cívica adequada às circunstâncias da vida actual, onde fossem recordados e valorizados os valores pátrios, o comportamento correcto dos cidadãos ante as diversas situações que a vida proporciona, no pleno respeito pela constituição da república, do cumprimento das suas leis e das regras sumárias de convivência das populações.

Coisas bem simples como uns meros rudimentos da nossa constituição, o hino nacional e o conhecimento básico dos próceres da Fundação da Nacionalidade, da sua Independência e Restauração, da Fundação da República e do Restabelecimento da Democracia em Portugal, poderiam ser um bom começo, o mínimo para o primeiro ano da Instrução Básica a continuar e desenvolver ao longo de toda a escolaridade obrigatória, a par da aplicação de noções adequadas do correcto comportamento em casa, na rua, na escola, na estrada, na repartição pública ou privada, nas salas de convívio ou espectáculo, artes e desporto, nos contratos, nas empresas, etc., em suma, a forma de estar correcta e digna na Sociedade…

A verdade é que, com a demissão dos pais de boa parte da sua função educadora, fruto de circunstâncias da vida actual, caberia aos professores, num espírito de missão a sobrepor-se ao de puros mercenários, tentar suprir essa falta, de forma a conseguir alunos com o mínimo de civismo que o País deseja. E para isso deverão ser devidamente apoiados.

Mas não só a escola deverá desempenhar esse papel. Os políticos através do governo e das autarquias podem e devem incentivar, por todos os meios, o civismo nacional e dar o exemplo, realizando e incentivando a realização de actos cívicos de valor, com a ajuda preciosa dos cidadãos mobilizados por uma imprensa honesta, conhecedora e de sentido pedagógico, para que todos juntos façamos desaparecer, para sempre, a nódoa que, ao longo destes anos, foi o esquecimento e a negligência das entidades oficiais para com este tema, umas vezes por simples desleixo, outras por puras divergências politiqueiras. O que prova, à saciedade, que a ignorância não é só dos jovens, com por aí dizem alguns…

O remédio não parece, pois, complicado, mas só produzirá efeitos se for correctamente ministrado e, mesmo assim, só passível de resultados a longo prazo. Mas mais vale tarde que nunca!

JUVENTUDE IGNORANTE

O veredicto dos sábios

Já passou a grande euforia dos feriados, com belos dias de calor e praia cujos acidentes não chegaram a gerar a mínima preocupação nas gentes, e perante a qual as fracas comemorações em honra da Democracia fizeram triste figura.

O discurso do Presidente da República, neste 25 de Abril, também não tratou de nada de especial. Limitou-se a chamar ignorantes aos jovens de menos de 30 anos de idade, parafraseando certo comentarista de uns quantos anos atrás, que já lhes tinha posto o carimbo de geração rasca! Lembro-me também, nessa altura, de que um deles lhe retorquiu simplesmente que a culpa era da geração de iluminados que agora detinha o poder, não fazia nada de jeito ou se entretinha a fazer os comentários…

Talvez por se ter lembrado disso, o P.R. lá foi dizendo que a culpa era em boa parte dos políticos, os quais, no fim de contas, não tinham feito leis adequadas para um sistema educativo capaz. Mesmo com essa ressalva, o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda atiraram as suas pedradas certeiras, culpando-o pela ausência de medidas adequadas como Primeiro-Ministro, durante mais de dez anos.

Por outro lado, não me parece que tivesse sido necessário o P.R. mandar fazer um estudo do óbvio a uma universidade conceituada.

E também eu, como qualquer um, poderia apontar aqui os mais variados argumentos e acusações a torto e a direito, sem chegar a qualquer conclusão, como já é hábito, neste país de sábios em que alguns deles, mais ousados -ou oportunistas – se transformam em políticos façanhudos e outros, por não estarem tão expostos na arena, mandam, de fora, ensinamentos, bocas e críticas aos primeiros, com o Povo a aguentar aqueles e a gramar estes, com mais ou menos paciência, enquanto vai fazendo pela sobrevivência cada vez mais difícil…

Abro aqui um parêntese. Se os sábios da Política conseguem ter artes para ser os detentores do poder, os sábios da Comunicação Social armam-se em detentores da verdade absoluta. Mas, desde o 25 de Abril, ambos emproados defensores da Democracia, à sua maneira, concorrem à compita para a sua estabilização ou desestabilização, conforme os seus pontos de vista…ou os seus interesses de momento, umas vezes convergentes, outras opostos. Às guerras entre políticos e imprensa, juntam-se as lutas entre as diversas facções de cada uma das espertezas, sempre com o Povo em pano de fundo, sempre como razão única da Democracia que por ele é paga e bem paga. E depois queixam-se uns e outros de que os jovens são rascas ou ignorantes!

Como disse, o Povo não quer saber nada destas tricas em que se envolvem os respectivos mandantes, estejam na Cadeira do Poder ou na Sombra dele. Quer bons resultados da governação, em vez de vingança político-partidária institucionalizada e uma imprensa honesta, em lugar de propagandista, derrotista ou fofoqueira.

Ora, ao pretender ser directo no seu discurso, atirando-se aos jovens, no resultado da busca de um tema que julgou consensual, o P.R. pôs-se a jeito, para ser simplesmente ignorado...ou contestado pelos mesmos jovens, e não só, que representam mais de 30 por cento da população do país.

Dizem eles que, se são ignorantes, à falta de ensinamento dos mais velhos, o devem. Se não sabem nada de História e de Geografia, é porque os políticos quase riscaram essas disciplinas do mapa…ao menos da maneira como os pais as aprendiam. Se não sabem nada de Português, de Física, Química ou Matemática, é porque os «setores» não sabem ensinar os verbos, os Lusíadas, a lei do pêndulo, a fórmula da água e a tabuada, como dantes.

A verdade, porém, sem ironias é que os jovens de hoje, com condições económicas nunca sonhadas pelos pais e avós, têm à sua disposição meios nunca vistos de aprendizagem, nem sempre utilizados com a eficácia merecida. E, por outro lado, a Sociedade põe ao seu dispor meios poderosos de entretenimento e diversão, com pressupostos educacionais nem sempre os mais adequados.

Apesar de tudo, creio que a actual geração de jovens não é pior que a dos seus pais ou dos seus avós. As áreas de conhecimento são diferentes, os interesses em jogo são outros muito diversos. E esta dicotomia entre velhos e jovens manter-se-á, com sempre, desde que a escrita permitiu descobri-la já nos tempos da antiguidade.

Os nossos primeiros reis eram analfabetos. O meu pai, deixou de estudar grego, com grande pena do meu avô. Eu deixei de aprender latim, com desgosto do meu pai. Os meus filhos deixaram de empinar a tabuada à custa da menina-de-cinco-olhos e os meus netos aprendem inglês na escola pré primária.

São assim os tempos de hoje. Eles não sabem algumas coisas que nós sabíamos, na sua idade…e também nós não sabíamos naquela idade, metade de outras coisas que eles sabem agora…

Muitas coisas do ensino e da forma de estar, de agora, apesar de toda a boa vontade, os adultos não conseguirão nunca assimilar. Mas esta época e o futuro não são os nossos, são os deles.

O certo é que, muito mais importante que o ensino dos jovens, ou chamar-lhes rascas ou ignorantes, a nossa preocupação (dos pais, dos professores, dos políticos e da imprensa) deve ser a de incutir-lhes boas normas de educação e civismo, sem as quais não chegarão aonde devem. Por mais discursos que o Presidente leia e por mais leis que o Governo faça, mesmo que a Comunicação Social cinicamente se esforce por apresentá-las insistentemente ao lado da fofoca, do crime, ou dos anúncios pornográficos…

Porque é o civismo que nos permite não esquecer os nossos Maiores, guardar no nosso íntimo as virtudes da Democracia e estar na Sociedade de modo digno e responsável, sem o que não haverá paz nem progresso.

Só chamar nomes feios aos jovens nunca adiantou grande coisa.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

CHUVA DE CATARATAS, DE NORTE A SUL

Crónica do País de ceguetas

Choveu bastante durante alguns dias e ainda bem, para repor a água no solo e nas albufeiras, pois a aproximação do calor antes do tempo não estava a augurar nada de bom para a agricultura e para os bombeiros…A chuva um pouco mais forte nalguns locais, fez estragos e até deu para encher uns tantos ribeiros, que em Portugal não há quedas de água de relevo.

Por isso, falar aqui de cataratas até pode parecer despropositado. Mas o caso é outro.

Parece-me, a avaliar por uma notícia de hoje, que já é o terceiro município português, neste caso Santarém, que efectua contratos com Serviços Médicos Cubanos para resolver os atrasos nas listas de espera dos nossos Serviços de Saúde para operações do foro oftalmológico, dando assim uma ajuda preciosa aos munícipes mais carenciados. Esta solução parece, à primeira vista, o ovo de Colombo para resolver o problema dos referidos atrasos nas operações de cataratas e outras cirurgias consideradas corriqueiras hoje em dia, mas que em Portugal se está a transformar numa crise de resolução demorada, difícil, caricata mesmo, com listas de espera medonhas, para as quais já nem as cunhas habituais surtem efeito…

Claro que soluções «espectaculares» como estas poderão sempre ser contestadas por opositores políticos, por oportunistas de serviço ou pelos prejudicados evidentes, neste caso os médicos cirurgiões oftalmologistas.

Invoca, pois o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos na defesa destes, que as autarquias e o S.N.S. fazem enormes gastos desnecessários ao erário público, numa «decisão bizarra e miserável», em que os presidentes das câmaras usam os utentes com fins eleitoralistas, sendo que Portugal não está num estado catastrófico que tenha necessidade de soluções deste tipo, muito menos fazendo uso de Cuba e dos pouco fiáveis métodos utilizados pelos respectivos médicos, bem se podendo substitui-los com vantagem pelos clínicos da C.E…

Mas o ridículo da questão é muito maior que isto. Um jornal diário dava a notícia, há dias, de que um médico espanhol efectuava 50 operações diárias, em Badajoz, deslocando-se com igual rendimento a Elvas, realizando cada operação a um custo 50% inferior ao dos privados portugueses e propondo-se acabar num ápice com as anacrónicas listas de espera do S.N.S. na região onde a média dos eficientes e conscienciosos operadores portugueses não ultrapassa as 7 operações de sol a sol, nos dias dele!

Mais palavras, para quê?

Para quê praguejar por aí que estamos no País das cataratas sem fim?

Vivemos mas é num País de ceguetas!

domingo, 20 de abril de 2008

REFORMA ORTOGRÁFICA

O acordo de todas as discussões

Todas as reformas ortográficas são discutíveis. O «ótimo» era que não houvesse «fatos», nem «contatos», nem «batismos» na ortografia, mas não virá grande mal ao mundo, por isso...

A verdade é que nunca houve nem haverá reformas consensuais. Em todas as reformas ortográficas existiram sempre motivos políticos, económicos ou outros subjacentes. E porque não? Não fora assim, ainda hoje escreveríamos como nos tempos da primeira dinastia.

Mais recentemente, em Portugal, desde a fundação da República, já houve várias reformas ortográficas e penso que, estarmos a insistir em pormenores, aos quais damos a importância de gigantes, é coisa que não ajuda nada à unificação da escrita do português em todo o mundo onde estamos espalhados e pela qual nos devemos bater sem complexos...de superioridade, inferioridade ou legitimidade, aliás como fazem inteligentemente e sem pruridos os ingleses, os franceses e os espanhóis.

Neste problema ortográfico, como noutros, a discussão sem fim nem soluções à vista devido ao caricato da eterna teimosia nacional, é simultaneamente a origem e o resultado do nosso atraso proverbial.

Ainda hoje há quem defenda que não devíamos ter deixado de escrever «Pharmácia» e outras «couzas». Geralmente são os mesmos que proclamam os exageros doutras modernices que utilizam no seu dia a dia e lhes dão muito jeito…

É claro que não estou a falar aqui de novos termos técnicos cuja introdução, na fala e na escrita corrente, parecem um perfeito desastre. Mas até a muitos deles vamos ter que nos habituar irremediavelmente, com acordo ou sem acordo ortográfico, para desespero dos puristas da nossa língua.

O PAPA QUE VEIO DA ALEMANHA

A virtude e a paz que nos unem

O Papa foi aos Estados Unidos e mostrou coragem que noutras alturas tem faltado a outros pontífices.

Falar da pedofilia e do nazismo, pedir perdão pela postura imprópria e pelos crimes cometidos por membros do clero, não é coisa fácil e nunca fora possível a uma estrutura monolítica de chefe declarado infalível, ainda que só ex-cátedra. Algo está a mudar lentamente na postura da Igreja Católica, desde João XXIII até hoje, passando pelo carismático e santo João Paulo II que se atreveu a pedir perdão pela secular condenação dos judeus e do seu espantoso holocausto, a condenação de Galileu e doutros cientistas, e os excessos da Inquisição.

Os homens são todos irmãos, independentemente da religião e das opções políticas ou científicas que perfilham. Foi-nos ensinado que Cristo morreu para salvação da Humanidade e não apenas de alguns. E à Igreja compete dar o seu grande contributo para a salvação de todos.

O Papa que viveu a infância e adolescência na Alemanha hitleriana e passou pelas vicissitudes, aberrações e agruras da maior guerra da História da Humanidade, assim o entende também. Ninguém melhor que ele, portanto, para nos convencer e exortar a conviver na virtude e na paz que deve unir todos os homens.

sábado, 19 de abril de 2008

VITÓRIAS E RECUOS ÀS TERÇAS E QUINTAS

Acordos e entendimentos às quartas e sextas

Na maior parte das vezes, não sei quem tem razão, nas discussões sem fim em que todos os intervenientes saem sempre vencedores. Vencidos confessados nunca vi! Também não me interessa agora! Deixo a pesquisa para os analistas de serviço ou os jornalistas «cuscos», sempre apressados, de microfone em punho, apontando frases como metralhadoras e disparando palavras como balas a varrer tudo, a querer mostrar serviço, a tentar saber a todo o custo quem é o culpado da situação, que o resto é pura conversa para encher espaço e não lhes interessa nada, no fundo.

A verdade é que ninguém gosta de ser vencido, nem num jogo a feijões. Mas umas noções de civismo que dantes se ensinavam na escola e hoje andam um tanto esquecidas, faziam com que as gentes ultrapassassem esse preconceito e saudassem o adversário vencedor, quanto mais não fosse, por educação, com sorriso amarelo…ou pela esperança de vir a derrotá-lo depois.

No futebol, como o resultado final está à vista e não pode ser alterado, há sempre uma vítima, um culpado sem necessidade de mais perguntas -o árbitro -. O árbitro está sempre comprado pelo adversário, pelo que são frequentes as vitórias morais e outras cenas caricatas que deixam tranquilas as consciências de adeptos e jogadores perdedores e menos preocupados também os dirigentes responsáveis por eventuais e decorrentes maus resultados de bilheteira.

Na política onde, parodiando Lavoisier, nunca nada se cria, nunca nada se perde e sempre tudo se transforma a gosto do cliente, a vitória é uma constante e a derrota é uma palavra que só existe em teoria, nas declarações à Comunicação Social. No resultado de qualquer eleição, com números expostos de uma crueza sem margem para dúvidas, um político que perde faz imediatamente a sua leitura favorável salvando a pele, exaltando vitórias morais ou parcelares como desculpas subliminares e mandando recados ao vencedor, de modo a deixar a vitória deste irremediavelmente subvalorizada ou até comprometida perante a opinião pública.

Mas a pilhéria atinge também a educação e os professores, coisa que, até há um tempo atrás, julgávamos impossível. Após vários meses de negociações entre professores, representados pelos sindicatos respectivos, e o governo, isto é, o Ministério da Educação, assistimos todos os dias a vitórias e a recuos. Vitórias, claro, dos sindicatos e recuos dos governantes, segundo aqueles.

Pobre gente esta, do governo, que passa tempo precioso a andar para trás, não sabe mesmo fazer mais nada senão recuar, segundo dizem os seus adversários negociais! Grandes, felizes associações de professores que, mesmo do fundo onde todos os dias se dizem metidas, ocupam o tempo disponível a cantarem vitória, de poleiro!

As negociações governo sindicatos conduziram a um encontro que foi logo assinado, antes que alguém se lembrasse de não concordar à última hora, ou de dar uma nova volta ao texto final.

Acordo? Não, entendimento!

Folhas de acordo? Não, memorando de entendimento!

Alguns pontos da discussão foram caricatos demais para passar despercebidos de uma parte da população mais atenta. Mas a maioria tem problemas sérios a resolver e está-se «borrifando» já para questiúnculas deste tipo!

Hoje é sábado, dia de pôr de lado essas diferenças ridículas e fazer o apanhado honesto da semana, por entre vitórias e recuos às terças e quintas e acordos ou entendimentos às quartas e sextas. Basta.

Amanhã, domingo, é dia de descanso, e segunda-feira há que tomar fôlego para arrancar com novas pilhérias, à volta de assuntos sérios.

PRESIDENTES EM PORTUGAL

Algumas diferenças óbvias

Os presidentes, em Portugal, são gente muito especial. Colocados na berlinda pelas suas posses, por indicação de alguém, por inteligência e mérito próprio ou por votação simples, a verdade é que ocupam o topo de qualquer coisa, da empresa, da agremiação, do clube, da instituição, da autarquia, da assembleia, dos tribunais, da própria República, sempre com o penacho correspondente ao cargo, mas nem sempre com o poder…

Por incrível que pareça, qualquer presidente de qualquer choldra de clube por aí, não passa muitas vezes de um borra-botas de terceira, mas tem mais poder que o Presidente da República! Há quem não acredite, mas é verdade.

O presidente da República, pode presidir, dar posse ao governo, promulgar as leis e dissolver a Assembleia, mas não pode legislar nem governar. É, no fundo, um atado que nem para ter um ordenado de jeito serve!

Um presidente de clube, por exemplo, pode passar à margem da assembleia, legislar, ordenar, comprar, vender, fazer pagar, admitir ou demitir a seu gosto, em suma, presidir, legislar, governar e acabar com tudo, se quiser, ganhando, além disso, um ordenadão! Tomara o Presidente da República, que não passa de um funcionariozinho ao pé dele!

O presidente de um grande clube é mais poderoso e mais rico que um rei ou um presidente…e provavelmente até terá maior penacho! Não tem guarda de honra de GNR, mas possui os guardas privados, as claques que são eficientes dentro do campo e berram muito mais alto que toda a tropa junta, rufam tambores, tocam cornetas e disparam very lights quando lhes apetece, que até acertam em gente.

Ainda há pouco tempo, um presidente de um clube muito conhecido vivia na maior, arrotando postas de pescada, deslocando-se em bólidos último modelo, habitando um palacete de luxo perto da Praia das Maçãs e possuindo um iate privado de milhões, para os seus passeios de fim-de-semana e férias com a família e amigalhaços. Que eu saiba, o nosso Presidente da República vive num andar com marquise, à Travessa do Possolo, ali mesmo ao lado do Cemitério dos Prazeres, e dá recepções às gentes importantes no Palácio emprestado de Belém, utilizando nas deslocações um Mercedes trivial que já vem dos antecessores e passará ao presidente que vier a seguir, se o governo estiver em apuros e não puder adiantar massas.

Além de tudo o mais, o Presidente da República tem que portar-se como o presidente de todos os portugueses, isto é, dos que votaram nele e daqueles que lhe fizeram o manguito! Se os primeiros são credores dos seus esforços e deveres, os segundos também, por dever de ofício. Mas deve custar muito!

Claro, custa muito ao Presidente da República, certamente, como homem, ter que apaparicar quem lhe chama nomes feios ali mesmo à esquina e quando lhe apetece, sem que lhe seja permitido retorquir, nem que seja com um simples gesto de desagrado. Nem pode mandar à fava quem o insultou! E quantas vezes o pagode o chama Silva, o manda à merda alto e bom som, com todas as letras!

O presidente de clube vai com a sua limusina a acompanhar a digressão da equipa, é recebido com todas as honras no camarote presidencial, dá entrevistas, oferece e recebe banquetes de homenagem a pontapés…preenche os noticiários dos jornais, dos rádios e das TVs, lidos, ouvidos e vistos por milhões de espectadores, sem necessidade de prévio aviso, como acontece com o pobre do Presidente da República, um prisioneiro do cargo que só vale pela faixa que ostenta em diagonal, nas grandes cerimónias…E qual é o gozo? Só a fotografia!

Mas o Presidente da República tem que ser, ainda assim, convenientemente resguardado. Há dias, na Ilha da Madeira, foi-lhe mesmo proibida a entrada na Assembleia da Região Autónoma, com medo de uma meia dúzia de lobos que, desde as últimas eleições, lá tinham estabelecido posição, estrategicamente, para comê-lo vivo ou mostrar-lhe, ao menos, a sua dentadura podre! Felizmente que foi advertido e protegido a tempo pelo diligente presidente da Ilha. Apesar disso, o valente Presidente da Nação conseguiu dar audiência, cá fora, corajosamente, aos perigosos animais selvagens, sem problemas de maior e regressar a Portugal são e salvo. Afinal, toda a gente sabia que os lobos eram de papelão! Um presidente está sujeito a coisas!...

Custa muito, pois, como se constata, ser Presidente da República de todos os portugueses, sendo obrigado a calar, a engolir, a gramar estas e outras, a aguentar o punho cerrado dentro do bolso, sem poder sequer dar com ele um murro na mesa! Porque, coitado, se o fizesse, estava tramado, passaria a ser apenas presidente de alguns…

Já ser presidente de clube custa muito menos. Ganha muito mais e pode ir onde muito bem lhe apetecer, sem ter ninguém a impedir-lhe a passagem. Mesmo na Ilha da Madeira, recentemente conhecida pelos perigosos lobos tresmalhados, segundo aviso do seu prevenido presidente.

Há presidentes e presidentes!

terça-feira, 15 de abril de 2008

PROVINCIANISMO E NÃO SÓ

Crónica de um observador grisalho

Acabo de ler um artigo de opinião interessante no Jornal de Notícias, tendo por base o «provincianismo» português tão bem descrito e melhor definido por Pessoa, há oitenta anos, e acusado por ele de ser, provavelmente, o nosso maior defeito. O articulista navega nesta onda e apresenta, sucinta e adequadamente, alguns dos mais salientes e modernos provincianismos de que enfermamos.

É desnecessário citar aqui essas linhas escritas com clarividência e graça. Apetece-me apenas completar essa ideia de provincianismo bem sugerida por Pessoa e igualmente bem aplicada por A. Castro, com uma outra, a falta de civismo dos portugueses!

Se o provincianismo é, como diz o poeta, a subordinação feliz e bacoca à civilização de baixo nível e à verdade impostas de fora (já que as verdades internas são sempre desvalorizadas), a falta de civismo é a exaltação da dependência ao chico espertismo e à vigarice apresentadas de dentro!

O provincianismo ficou, como todos sabemos, excepcionalmente caracterizado nos quadros a pincel, de Columbano Bordalo Pinheiro e, até hoje, apenas sofreu retoques de pormenor. A falta de civismo ainda não tem pintor à altura, até ver, apesar dos pinta-paredes, aos milhares, que se exercitam por aí, e enchem as nossas fachadas de quadros bizarros, ininteligíveis, feitos com recurso às novas técnicas de spray e cocaína.

Mas a falta de civismo é muito pior que o provincianismo! É como a pescadinha de rabo na boca. Umas vezes serve para dizer asneiras ao vizinho do lado e recolher, na volta, as pedradas deste, e outras dá para atirar-lhe pedras e receber as asneiras. Mas isto é apenas um pormenor. A falta de civismo serve para fortalecer, com «chico espertismo», o nosso proverbial «desenrascanço», o mesmo que o provincianismo faz suavemente, à saloia.

Certo, certo é que, sem dar a volta a estes dois ícones já tradicionais na Monarquia, investindo até à exaustão na educação das gentes, jamais a República conseguirá fazer cidadãos a tempo inteiro, para vingar na Europa e no Mundo. Até lá, cá nos vamos entretendo a apreciar, por essas ruas fora, os numerosos mostruários de pintura e lixo a céu aberto, enquanto os verdadeiros museus permanecem bem limpinhos, orgulhosamente vazios de visitantes, silenciosos…e fechados ao domingo, dia que a gente «culta» utiliza para ir à missa, ao restaurante e ao cinema, e a maioria para pensar, entre dois copos, na forma de ultrapassar as dificuldades da vida, a partir da segunda-feira próxima.

Com o provincianismo e a falta de civismo do costume, embora haja excepções, como em tudo, a confirmar a regra.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O BENFICA E O CAMPEONATO DOS APITOS

O Rui Costa que se ponha a pau!

De vez em quando, mesmo no teatro permanente do desporto, há cenas que deitam tudo abaixo. Na última sexta-feira ocorreu uma delas, no palco do condicionamento subliminar das arbitragens de futebol a que todas as semanas involuntariamente somos expostos.

A Académica veio a Lisboa ganhar por três a zero ao Benfica, coisa impensável para o maioral do clube encarnado que tinha andado há várias semanas a zurzir em árbitros que, segundo ele, não se cansavam de passar rasteiras maldosas à equipa…Dizia que estavam de certeza comprados pelos outros grandes, especialmente por um deles, aquele que já leva dezoito pontos de avanço, (hoje creio que passou para vinte!), tendo ganho antecipadamente o campeonato, a cinco jornadas do fim!

Agora, depois desta derrota histórica e humilhante, em casa, às mãos de um dos últimos da tabela classificativa, as coisas ficaram mesmo muito difíceis para o Benfica, em risco até de perder definitivamente a segunda posição e a possibilidade de entrar na Liga dos Campeões, apesar de ter feito um apelo sobre humano às autoridades policiais para que as tais arbitragens penalizadoras do clube fossem investigadas até à saciedade.

Após o desafio fatídico da passada sexta-feira, ainda foi lançada a suspeita de que um golo tinha sido obtido em fora de jogo mas, na verdade, isso já não valeu nada, porque a Académica tinha arrumado o adversário com três secos, restando ainda dois sem contestação possível para cimentar definitivamente o resultado anti rubro.

Foi a salvação do feliz árbitro do encontro! A não ser assim, teria sido agredido verbalmente pelo agressivo presidente do Benfica. E, neste jogo, a exibição da equipa foi tão fraquinha que aos adeptos presentes no campo nem lhes passou pela cabeça dar-lhe uma sova, bem como aos jogadores adversários vencedores, acabando a malta por sair do estádio toda murcha que nem um carapau ardido.

No próximo domingo, joga-se o Porto-Benfica, previsto e preparado, desde o sorteio ou do início das hostilidades, de forma a ser um desafio decisivo para a conquista do título, mas os oráculos falharam, pois, redondamente. Apesar de tudo, a partida pode ser crucial para o clube encarnado que pode cair mais fundo, na escala classificativa, se cometer mais algum descuido…

Esta época, o Benfica já despediu um bom treinador, já aceitou a demissão de outro e prepara-se para fazer a cama ao infeliz treinador eventual…e tudo sem qualquer resultado!

A águia, habitualmente altaneira, anda já a voar baixinho.

O Rui Costa, que regressou de Itália por amor à camisola, como o grande salvador do seu clube de estimação, que se ponha a pau, ele que anda já há algum tempo a servir para aí de pau-de-cabeleira...

A continuar tudo assim, muito boa gente começará em breve a pensar na forma de empurrar o presidente para fora do baralho, já que, com queixinhas permanentes dos adversários desportivos e acusações dos árbitros, para distrair as atenções dos sócios quanto aos maus resultados, dificilmente irá a algum lado. Creio mesmo que não irá a lado nenhum, com apito ou sem apito, de qualquer cor ou mesmo da sua cor preferida!

Desportivamente, as coisas não se resolvem assim. Não deveriam resolver-se assim!

Viva o Benfica! Viva a Académica!

sexta-feira, 11 de abril de 2008

RUTURA NA JUSTIÇA-II

A falta de civismo e outras coisas

Começo a não ter pachorra para as patacoadas que se ouvem e se publicam por aí. A Justiça é uma necessidade da Sociedade, tem que ser entendida como um bem que deve ser estimado e bem utilizado, para sua própria preservação e defesa. Ora o que vemos todos os dias são atitudes irresponsáveis, vindas de dentro e de fora dela, em número cada vez maior, como se a Justiça fosse um brinquedo a ser jogado ou manobrado ao gosto de uns, aos caprichos de outros, ao sabor dos interesses de mais uns quantos…

Há também quem diga que sempre foi assim, que a Justiça sempre foi manobrada pelos grandes, os ricos, os poderosos, que sempre foi um joguete ou uma farsa na mão de certos agentes menos escrupulosos, colocando na mira da sua senha justiceira os pobres, os humildes e os desprotegidos da fortuna. Mas não é certo. A verdade é que em todas as profissões há bons e maus executantes, com bons e maus resultados, e a intenção da verdadeira Justiça não pode deixar margem para dúvidas, no seu desejo firme de actuação independente, honesta e correcta da aplicação das leis e da moral, podendo concluir-se, felizmente, que as aberrações que algumas vezes se verificam são apenas as excepções que confirmam a regra.

Tenho interiorizado que a falta de civismo da nossa gente, classes mais cultas incluídas, é o grande responsável pelo caos e a ineficácia da Justiça Portuguesa e ninguém poderá tirar-me essa ideia da cabeça. Que outra coisa significa o acumular de acções, recursos, contra-ordenações e providências cautelares, com a sua montanha de citações, papéis, decisões e contra decisões que vemos anunciadas todos os dias?

Ora isto não é Justiça. Muito menos é a Justiça que nós ambicionamos. É o bloqueamento total da Justiça que conduzirá inevitavelmente à falta dela! E por isso é que o senso comum começa a olhar a Justiça de lado, enquanto os sabichões e os oportunistas se vão servindo dela o mais e o melhor que podem.

-O senhor não falou verdade!...

-Está a chamar-me mentiroso? Vou metê-lo em Tribunal!

-Por que motivo estaciona o carro sempre à minha porta?

-Porque me dá jeito…

-Vou metê-lo em Tribunal!

-O senhor insultou a minha filha

-Não insultei nada, só disse que era uma gaja boa…

-Sacana, filho da puta, vou já metê-lo em Tribunal!

-Eu também vou metê-lo em Tribunal, porque me está a chamar nomes, seu aldrabão, seu vigarista…

-O senhor vinha em excesso de velocidade, está multado.

--O senhor guarda não pode provar isso…

-Posso, está aqui marcado no aparelho…

-Isso não presta. Meta o seu aparelho no cú…

-Acompanhe-me à esquadra, por contra-ordenação grave e falta de respeito à autoridade… Será presente ao juiz…

-Eu sou advogado, o senhor é um incompetente e um prepotente, vou metê-lo em Tribunal!

-Quanto custa o serviço?

-Trinta euros e vinte cêntimos.

-Tome lá cinquenta e dê-me o troco.

-Você pensa que eu sou uma máquina de trocos, ou quê?

-Se não tem troco, não pago!

-Isso é que era bom! Vou chamar a polícia, seu sacana!

-Sacana? Com quem pensa que está a falar? Diga-me o seu nome que já memorizei a matrícula do seu carro e a empresa proprietária…

-Que está para aí a dizer, seu palerma? Era o que faltava! Não o deixo sair daqui enquanto não pagar, que tem aí notas mais pequenas, eu bem vi.

-Isso é comigo. Tome lá, seu malcriado. Pode ter a certeza de que vou metê-lo em Tribunal!

-O senhor não tem bilhete, tem que pagar multa. O autocarro não sai daqui se não pagar ou enquanto não chegar a polícia.

-Até dá jeito, que está a chover lá fora…

-O senhor ainda está a gozar comigo? Vou testemunhar na polícia e pedir à Companhia que o meta em Tribunal…

Podia continuar até à exaustão.

Coisas destas são o pão-nosso de cada dia. A maioria delas poderia ser resolvida no local e apenas com civismo e bom senso, mas vão enchendo os tribunais, umas tantas dando até origem a citações intermináveis, -como a do deputado voador -a audições de montanhas de testemunhas, a recursos vários, à contratação de advogados de defesa e de acusação…a anos de pura «Injustiça»!

A nova caricatura da «Injustiça» actual, para além das citações intemporalmente citáveis, está agora na moda das providências cautelares. A «malta» mete providência cautelar, por dá cá aquela palha. Basta para tal não estar disposta a cumprir alguma lei da Assembleia da República, um decreto governamental, uma determinação autárquica, ou uma mera circular de Administração Regional e por aí fora. São às carradas as providências cautelares, a grande maioria rejeitadas e arquivadas à primeira, mas outras só ao segundo ou ao terceiro recurso, para desespero dos tribunais e das administrações, mas para gáudio, ocupação e lucro dos advogados e outros intervenientes, em tempo de alto desemprego…O regabofe poderia dar origem a vários livros de histórias chocarreiras, se não fosse a tristeza dos prejuízos decorrentes destas anormalidades que o País paga, com língua de palmo. É o Estado de Direito que temos…do direito de empata, do direito à parvoíce, à defesa dos direitos ao laxismo adquirido, do não fazer nada… tudo menos tentar suicidar-se que dá prisão directa, se a acção não for concretizada…

A «Injustiça» não fica por aqui. Os casos que citei, entre milhares possíveis e verificados são, ainda assim, os mais «mexerucos» da Justiça, talvez os mais fáceis de resolver.

Os grandes casos, os mediáticos, aqueles que duram anos e anos, que empatam os tribunais de alto a baixo, enchem os arquivos, mexem com crimes de atentado à moralidade ou movimentam centenas de testemunhas, muitos milhares, milhões de euros, atentando fortemente contra o desenvolvimento nacional, aqueles que parece que nunca chegam ao fim e, quando chegam, a sentença já não serve para nada, são também outro dos grandes cancros desta Justiça infeliz que o País tem, vítima da falta de civismo desta rapaziada respondona mas pacífica que povoa a Nação da mais baixa criminalidade da CE, com mais polícias por metro quadrado que todos os restantes membros dela, com mais presos, preventivos ou não, com mais processos em tribunal ou arquivados…com mais juízes, mais advogados…e também mais treinadores de bancada.

Portugal é, com a nossa Justiça à cabeça e matematicamente falando, um enorme problema, uma equação a várias incógnitas, com solução indeterminada! Não quero já dizer sem solução…

Porque andam todos os sábios a discutir, há anos, o problema da Reforma da Justiça, dentro e fora dela, mas sem saber, ao menos, equacioná-lo, isto é, sem tentar solucionar antes a questão primordial, a educação das gentes que se faz em casa e nas escolas, onde pais e professores se baldam por igual, entretendo-se a mostrar às criancinhas, quase à nascença, como se protesta contra tudo o que é trabalho responsável, como funcionam os estratagemas para ganhar facilmente a vida, como se pode enrolar o vizinho do lado, o patrão, a autoridade, o fisco -e a Justiça, se for caso disso!

E, para cúmulo, a Imprensa colabora eficazmente., apresentando também prazenteiramente ao «pagode», por tempos infindos, os maus exemplos, as más situações e as más soluções, como se fossem obras de arte, peças raras dignas da admiração geral.

A Justiça Portuguesa, apesar de tudo, ainda é merecedora de apresentação em peças de melhores autores, com cenas mais dignas e representadas por melhores actores, para atrair e levar ao público maior civismo e cultura.

Claro que, em tudo e em toda a parte, é sempre fácil falar de fora…

quarta-feira, 9 de abril de 2008

RUPTURA NA JUSTIÇA

O civismo nacional ou a falta dele

A notícia do Jornal de Negócios que li no Diário Digital de hoje, com o título de «O Tribunal de Comércio de Lisboa está em completa ruptura», provavelmente posta a correr mundo como novidade bombástica, em vez de mera informação ao cidadão comum, termina com o seguinte parágrafo:

«Apresentando dados sobre os processos que tem na secretária (só nos últimos sete meses foram distribuídos 926 processos, dos quais 523 têm natureza urgente e 69 estão em risco de prescrição) Maria José Costeira sentencia: «Se eu fosse um estrangeiro, não investia em Portugal».

Claro que a notícia em si não é explosiva. O mais certo é tratar-se de pura divagação minha, tão habituado estou a ler títulos bombásticos sobre assuntos de trazer por casa…e este seria mais um, se os principais intervenientes fossem apenas caseiros, tal como diria o tão injustamente celebrizado Marquês de la Palisse.

Para o portuguesinho comum que trabalha de sol a sol, quando o há, para ganhar o pão de cada dia, a notícia é trivial, pois mesmo à noite apenas dispõe de um breve tempo para ver as últimas na TV, no espaço livre deixado pelas várias telenovelas absorventes, aquelas que dão «share» e fazem ganhar anúncios…Trivial, mesmo entre as notícias televisivas agora transformadas em montra alargada na exposição permanente da entrevista pífia, da manifestação prevista, do desastre, do assalto e do coitadinho, coisas que trazem emoção a rodos aos mais idosos e já deixam os mais novos completamente indiferentes, à força de repetição sistemática, ocupados que estão, ainda por cima, com a gestão de doses industriais de futebol. As situações mais sérias, como esta e muitas outras que deveriam fazer-nos pensar a todos, não têm eco quase nenhum na nossa sociedade, por maiores «bombas» que sejam.

É evidente. Até há umas décadas atrás, acreditávamos que não tínhamos sido feitos para pensar, mas para oferecer ou vender mão-de-obra barata, na qual éramos especialistas insuperáveis! A Revolução de Abril entreabriu-nos as portas do conhecimento externo mas, pouco depois dos momentos de euforia iniciais, não trouxe grande entusiasmo às gentes, nem conseguiu abrir as suas mentes cinzentas, tristes e fechadas por tradição, inépcia política e quase cinquenta anos de ditadura. As verbas da CE pouco mais fizeram que reverter proventos para o acessório e o fútil, além de benefício a uns quantos oportunistas de ocasião. E a grande e básica mudança de mentalidades que se esperava e era fundamental para o nosso desenvolvimento ficou, infelizmente, no tinteiro.

Agora que a globalização da informação põe tudo a nu, os portugueses ficaram a saber, depois de recorrerem cada vez mais à Segurança Social, e no espaço deixado livre pelas telenovelas, que estão a ser batidos, na mão-de-obra barata, pelos chineses e muitos outros o que, infelizmente, se verifica também no Comércio, na Indústria, nos Negócios em Geral, e no Campo Científico, coisas que dependem, muito mais do que se pensa, da educação, da auto estima, do civismo, da forma de estar responsável, na sociedade…

Por isso dei comigo a pensar, a analisar a notícia de abertura desta crónica que originou o meu título sobre a Ruptura da Justiça. Na verdade, suspeito que esta não dependerá da falta de meios, como diz a senhora juíza. Se fosse assim, todo o País estaria em ruptura, pois a falta de meios é hoje e cada vez mais a desculpa que serve para tudo o que funciona mal. O que está em ruptura é a capacidade de rentabilização dos meios, o já fraco profissionalismo de muitos e o civismo incipiente dos restantes, como poderá comprovar-se pelas suas declarações citadas no parágrafo seguinte da notícia:

«A juíza presidente da instituição, uma das mais importantes para a actividade das empresas, compara o crescimento dos processos com a exiguidade de meios e garante que «não consegue fazer mais do que atender a providências cautelares, recursos de contra-ordenação e processos de insolvência. Tudo o mais está parado», refere o artigo do Negócios.»

Facilmente concluí que o mal está nas providências cautelares que viraram moda nos últimos anos, nos recursos e nas contra-ordenações, coisas para as quais não haverá nunca meios que cheguem…Pior, sempre serão necessários mais meios, em espiral infindável, para tentar resolver, sem o conseguir, o caricato e o acessório a que a Justiça nos habituou, nas suas vírgulas e códigos sem fim. Não estou a culpar apenas os juízes, mas também os advogados e os utentes. Nem culpo as leis, os políticos e os governos, como alguns juízes fazem, para descartar-se de responsabilidades, coisa muito em voga na nossa sociedade em geral na qual os governantes se ocupam de banalidades e culpam os cidadãos, e estes ocupam o tempo livre a culpá-los a eles, no fundo, pouco tempo ficando para resolver, com trabalho, civismo, profissionalismo e bom senso, a maioria dos problemas do país que não necessita provavelmente de mais leis, mas do cumprimento delas, sem subterfúgios.

Seria interessante, já agora que me lembrei disso, saber em quantas providências cautelares, recursos e contra-ordenações este país de advogados, solicitadores escrivães e juízes, investe por metro quadrado os seus magros rendimentos para ver, preto no branco, a eficiência da nossa Justiça formalista e burocrática que demora anos, por vezes, na simples citação ou notificação de arguidos com os quais nos cruzamos todos os dias no supermercado. Teríamos assim uma caricatura candidata a prémio, se não se tratasse da realidade nua e crua, isto é, sem necessidade de autorização de algum moralista e serviço, nem de prévio cozinhado jornalístico bombástico.

«Por último, a senhora juíza Maria José Costeira sentencia: «Se eu fosse um estrangeiro, não investia em Portugal».

Faltou só acrescentar que, sendo portuguesa e com possibilidades, preferia investir no estrangeiro! Fica mal a um juiz fazer comentários deste jaez, em tribunal, e a um jornalista publicá-los, apesar da liberdade de imprensa que nos rege? As palavras têm pesos diferentes consoante o local, a posição de quem as profere e a atenção despertada em quem as ouve. Por isso penso também que não há necessidade de apregoar constantemente as nossas misérias num Jornal de Negócios, para que todo o mundo veja e deixe de investir…

Estou a ver já os paladinos da defesa da Imprensa e da Justiça a atirar-se contra mim, como gato a bofe. Mas pode acontecer por outro lado, admito-o, que a minha maneira de ver esteja completamente errada, se entrarmos em linha de conta de que somos conhecidos, cá dentro e lá fora, não pelo nosso civismo ou eficácia, mas como o País da Cunha.

E, sendo assim, fica explicado e salvaguardado o interesse que ainda manifestam alguns investidores estrangeiros, espertos e oportunistas, que espreitam o furo dos negócios em Portugal, apesar da Justiça burocrática que temos, dos advogados por tudo quanto é sítio, da nossa propaganda doentia de tudo o que de mau possuímos e enfim, da nossa posição na lista universal dos vendedores de mão-de-obra barata.

Não sou derrotista. Portugal encontrará a solução para a continuação da sua existência, como o fez durante mais de oito séculos.

Por agora, à falta de melhor, talvez esteja aqui, como último recurso, a salvação actual deste País que D. Afonso Henriques se esforçou denodadamente para colocar no mapa, o Infante mandou exportar para o mundo inteiro e o Camões, na miséria, cantou em versos inigualáveis. Todos, afinal, com cabeça, patriotismo, trabalho e profissionalismo ímpares, apesar de dificuldades que pareciam insuperáveis e da absoluta falta de meios de que dispunham dos quais, reza a História, nunca se queixaram …

terça-feira, 8 de abril de 2008

A ESTÁTUA DO AMADO LIDER

Crónica de 8 de Abril de 2008

A Primavera já começou em Março, mas Abril é o mês da consagração… Não sei por quê, nesta altura lembro-me sempre dos idos de Março, tristemente célebres pelo assassinato de Júlio César às mãos de Cássio e de Junio Bruto, munidos dos seus punhais certeiros, com o pretexto de defesa da velha República Romana e, provavelmente também, como sucede nos dias de hoje, com o pensamento na defesa de seus interesses ou projectos, quem sabe?

Todas essas figuras ficaram na História: César pela sua inteligência, pelos seus feitos, até pela sua escrita, e os seus matadores, mais que nada, por isso mesmo, de tal forma que ainda hoje se chama bruto a quem utiliza processos violentos para obter vantagem sobre alguém quando não são necessários... geralmente quando não tem razão.

Verdade é que César ficou célebre como pai ou precursor do Império Romano e símbolo de todos os impérios que vieram a seguir, tendo sido erigidas estátuas em sua honra pelo mundo inteiro, ao longo dos dois mil anos que decorreram da sua morte.

Esta Primavera pregou-nos a partida de proporcionar-nos uns dias de aguaceiros súbitos alternados de sol, que os turistas assim mesmo utilizam para dar passeios aos seus lugares favoritos, como a Ilha da Madeira, aproveitando os preços convidativos do fim da época baixa.

Têm toda a razão. A Madeira é um Jardim com letra grande, para os forasteiros. E também o Jardim, para os que lá vivem.

Nestes trinta anos de progresso em que o turismo, aliado a uma boa gestão pública e a muito dinheiro que beneficiou do Continente, em prejuízo de algumas províncias deserdadas, a figura do seu carismático Presidente tornou-se objecto de culto de uma população antes quase totalmente analfabeta e pescadora de moedas atiradas dos paquetes de luxo, a qual passou, finalmente a ter emprego e uma razoável qualidade de vida.

A Madeira é o Jardim de Alberto João, por alguém do Continente apelidado de Bocassa, tais coisas fez e disse como desforço dos continentais e da sua imprensa que não alinham nas suas ideias ou discordam mesmo dos seus actos. Há dias, essa mesma imprensa foi mesmo impedida de assistir, para fazer a reportagem, ao Congresso do PSD Madeira, o partido à sombra do qual governa democraticamente a Ilha como um César, Czar em russo….

-Quem não está bem, que se mude!

Quem não concorda, não é bem-vindo à Ilha e torna-se vítima, frequentemente, de epítetos grotescos ofensivos.

Os jornalistas e os políticos do Continente, dos outros partidos, têm medo desse Jardim, chocarreiro e popularucho no Carnaval e truculento nas lutas partidárias da governação. A maioria deles faz um esforço sobre-humano para ignorá-lo, mas os prosélitos do seu partido, longe de ignorar ou censurar as pedradas mandadas pelo imperador aos adversários, aplaudem-nas, tendo sempre em vista os votos para as futuras eleições legislativas ou autárquicas.

A Assembleia Legislativa da Madeira é como um feudo do Presidente, quase sem contestação. Um deputado solicitou a preparação e aprovação de um programa para homenageá-lo, pela passagem do seu trigésimo aniversário ao comando do governo da Ilha, estando prevista uma sessão próxima, já agendada para o efeito. Mas um outro, do associado PND, foi muito mais longe, requerendo a aprovação da Assembleia para um projecto de construção de uma estátua do grande e amado líder, com cinquenta metros de altura, a plantar no cimo do forte de S. José, à entrada do Porto do Funchal, provida de escadaria interior para os turistas apreciarem a paisagem do alto da cabeça, e de um mecanismo de rotação na base, permitindo a orientação solar permanente do bronze do «imperador» … coisa que suplanta a carismática Estátua da Liberdade, fixamente montada pelos franceses à entrada do Porto de Nova Iorque.

Pois para surpresa de muito boa gente de Portugal Continental, o assunto foi remetido pelos deputados regionais para uma comissão de juristas, a fim de que fique bem fundamentado, antes da admissão para votação …

Nem César, nem os czares russos tiveram estátuas em vida! Na minha ignorância, só sei de estátuas erigidas na Coreia do Norte, ao Grande e Amado Líder, no Iraque, ao Megalómano e Enforcado Sadam Hussein… e em Lisboa, ao Eusébio do Benfica! Mas este não teve nada a ver com a política, é um caso à parte, pois foi um imperador do jogo da bola que nos maravilhou a todos com os seus remates e as suas fintas, bem diferentes das do «dono» da Ilha Jardim da Madeira.

Se as coisas continuarem a correr bem ao seu partido, ainda iremos assistir ao corrupio dos turistas desembarcados a mostrar apressadamente os bilhetes, individuais ou de grupo, antecipadamente requisitados pelas agências de viagens do mundo inteiro, para apreciarem de perto a obra de arte. Veremos também as nossas gentes humildes e pacóvias fazendo fila para subir a escadaria e mais tarde poder dizer aos netos:

-Eu já lá estive, na cabeça do nosso querido Alberto João!

Quando li a novidade, no Diário de Notícias de hoje, na net, neguei-me a acreditar no que os meus olhos viam. E tive que ler de novo!

Mesmo assim, apetece-me perguntar se isso será possível.

Provavelmente trata-se do devaneio Primaveril de um legislador da Ilha com cabeça de imaginação brilhante, neste esquisito mês de Abril entremeado de sol e aguaceiros …

Mas Jardim não tem culpa!

sexta-feira, 4 de abril de 2008

AS PEDRINHAS DA CALÇADA

Até choram! Nos meus tempos de menino, havia um fado que glosava o tema das pedras da calçada. Naqueles tempos difíceis, um célebre dito popular asseverava que uma grande desgraça nunca vinha só, e um outro confirmava que era tão triste, que até fazia chorar as pedras da calçada…

Não sei, nem faço ideia donde teria vindo a comparação, por mais voltas e reviravoltas que tenha dado à minha imaginação. Terá isso que ver com os carros de bois ronceiros, chiando desalmadamente a cada volta das rodas de madeira revestidas a ferro, ao contrário das dos carros de hoje, silenciosas, de borracha? Talvez não.

A verdade é que as calçadas antigas eram feitas com a arte, o suor e as lágrimas dos calceteiros da época, num trabalho esgotante e mal pago, de sol a sol.

Foram a pouco e pouco substituídas pelo betão e agora, nesta era do automóvel cómodo e vulgarizado até à exaustão, as gentes mais novas nem se dão conta de como era tudo antigamente…

Ontem recebi um mail de pessoa amiga, com uma série de fotografias de lindos trechos de Calçada à Portuguesa, dispersos pelo mundo e pus-me a pensar quantos portugueses terão dez minutos de tempo livre, para apreciar tais obras de arte. As fotografias haviam sido tiradas por uma senhora estrangeira de nome arrevesado, mas de fino gosto e provavelmente de cultura acima da média.

No apanhado viam-se trechos de calçada de vários locais de Lisboa, Coimbra, Faro, Porto, Setúbal, Castelo Branco, Leiria, Évora, etc., e também de diversas cidades da Madeira, dos Açores, de Angola, de Macau, de Brasília, do Rio de Janeiro, na famosa praia de Copacabana…Com as representações das ondas, dos navios, dos brasões, de heróis, santos, igrejas, símbolos, flores e simples desenhos geométricos, a preto e branco, ou outras cores, as pedras aí estão, aguentando anos e anos de indiferença, mostrando a sua beleza irresistível a quem quer ver…

A Calçada à Portuguesa ganhou fama. Nas minhas deambulações e leituras pude apreciar muitos exemplares dessas obras de arte quase desconhecidas da maioria dos portugueses, mas que, episodicamente, vão aparecendo nos postais turísticos de meio mundo. E lembrei-me, entre outras coisas, de que, nos tempos da extracção da borracha na América do Sul, os barcos portugueses subiam o Rio Amazonas, transportando pedras cortadas em Guimarães, para as calçadas das cidades de Manaus, no Brasil e de Iquitos, no Peru.

E deve haver muitas, muitas outras localidades, no estrangeiro, com esta marca portuguesa bem impressa.

Pela minha parte, há uns anos a esta parte que, de máquina compacta presa no cinto, à japonesa, me entretenho, em passeios ocasionais, a tirar fotos das mais variadas coisas e, entre elas, de alguns trechos de Calçada à Portuguesa, a mesma calçada humilde e bela que os portugueses pisam todos os dias sem olhar sequer, sem pensar por um segundo apenas, no esforço exigido aos artistas que a fizeram e que souberam transformar barrocos em obras de arte as quais, ao contrário de tantas outras que são guardadas em museus, ali estão expostas às intempéries…no chão, humilhadas, mas resistentes, exuberantes, orgulhosas e sempre vivas…

Seria bem interessante que alguma entidade nacional se ocupasse de referenciá-la, fotografá-la, catalogá-la e divulgá-la, como a verdadeira, a suprema marca «made in Portugal», sem concorrência de ninguém. Mas seria descabido, também tentar saber a sua origem? Porque, nos tempos de hoje, é necessário o registo de uma patente, sobretudo para aquilo que não deve prescrever…

Desculpas pela minha ignorância da matéria.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

PRÓS E CONTRAS

Todos contra todos, ou a deseducação geral

Assisti ao «Prós e Contras» da RTP1, sobre Educação, no qual ouvi de tudo um pouco, mas nada de substancial. A maioria das intervenções teve por objectivo a badalada cena do telemóvel no Carolina Michaelis e, por tabela, a disciplina, a autoridade dos professores, a sua avaliação, o centralismo da administração escolar, as condições de ensino, os problemas laborais, etc., etc., um sem fim de temas, de constatações, de recriminações, de acusações a torto e a direito, mas sem aportar nada de positivo a qualquer desses problemas…os quais toda a gente conhece, de que toda a gente fala, que todo o mundo critica e, finalmente, na altura própria, sacode para o lado que dá mais jeito a água do capote.

Sim, porque a educação não se faz por decreto, nem depende apenas das leis em vigor, ou da sua alteração ou discussão que em Portugal é já uma forma caricata de passar o tempo. A educação depende dos pais, dos professores, da sociedade em geral, do civismo das gentes, muito mais que da acção governativa! E o que se tem visto, ao longo destas últimas dezenas de anos, é a baralhação das leis e das teorias educativas por parte dos sucessivos governos e a bagunça da sua aplicação e do seu cumprimento, por parte dos destinatários.

Já há uns dias eu tinha escrito que o assunto era uma verdadeira guerra de todos contra todos, com os pais a acusarem os filhos, os professores e o governo; os professores a acusarem o governo, os alunos e os pais; os alunos a acusarem os professores, os pais e o governo; e este a acusar os professores e os alunos…Não vale a pena falar dos aproveitamentos politiqueiros circunstanciais.

Mas agora o panorama ainda é mais «divertido», porque o centralismo da questão educativa foi transferido para a autoridade dos «profes», a indisciplina dos «boys» e o uso de telemóveis nas salas de aulas… com intervenções da Direcção Regional de Educação, do Procurador e do Presidente da República!

A que ponto isto chegou!?

Se a intervenção da Direcção Regional de Educação me parece natural, a do Procurador e a do Presidente são de todo desajustadas, não querendo com isto dizer que não devam preocupar-se com as palermices que ocorrem no país. Qualquer dia, alguém dá um «traque», o Procurador intervém e o vizinho do lado pede audiência ao Presidente da República. É a desresponsabilização geral!

Sem desvalorizar a questão suscitada pelo filme executado pelo aluno do Carolina Michaelis, parece-me que, como de costume, a montanha vai parir um rato, apesar dos milhares de páginas já escritas e do rotineiro vozear sem nível sobre o assunto.

Cenas, como esta e outras bem piores, acontecem todos os dias, nos milhares de escolas portuguesas, com centenas de milhares de professores e alguns milhões de alunos. E, bem vistas as coisas, o que choca em tudo isto é a insubordinação cada vez mais notória dos alunos e a incapacidade dos professores para gerir a situação. Nada que não fosse previsível à distância, desde que a família se foi desagregando e os pais, por desleixo ou por dificuldades da vida, se foram demitindo da educação dos filhos.

Restam os professores, no fim da linha!

Mas estes têm-se mostrado incapazes de fazer o duplo trabalho que agora a sociedade espera deles: ensinar e educar. E, se no ensino podemos discordar da sua actuação, neste ou naquele ponto, na educação os professores em geral não têm conseguido substituir os pais, desde a primária até ao ensino universitário. Era difícil e nem estavam preparados. Mas também nada fizeram para isso, nem os dirigentes se ocuparam desse «pormenor», privilegiando o ensino e baldando-se ao problema da educação, tal como os pais. Muitos pensaram mesmo que a tarefa dos professores era apenas ensinar e estavam dispensados de educar…Mas sem educação não há ensino que valha.

É fácil agora deitar a culpa aos telemóveis, à burocracia, ao governo, como no meu tempo se culpavam as fisgas artesanais de arame, os alfinetes metidos à socapa nas cadeiras e a inépcia dos reitores, já que do governo a Pide não deixava falar. Mas, mesmo antigamente, sempre houve professores pouco sábios que pedagogicamente eram uns ases a dominar as situações críticas e outros muito sabedores que eram um autêntico fiasco a manter a disciplina nas aulas.

Porque a verdade é que não se nasce professor competente, por geração espontânea, mas aperfeiçoa-se com esforço consciente, muita e permanente formação científica e pedagógica, bastante profissionalismo. Cada escola tem que ser auto-suficiente na resolução dos seus problemas internos, na formação dos seus mestres, no ensino dos seus alunos, na sua educação, no grau de autoridade democrática a impor, nos seus regulamentos internos, na observância e na aplicação da disciplina, no relacionamento com os pais e o exterior, etc. Deve mesmo caprichar nisso tudo com verdadeiro espírito de missão, e nunca baldar-se aos problemas ou procurar justificações para não actuar…

Na minha óptica, esta será a solução de todos os problemas da nossa educação ou da maior parte deles. Sem recorrer a métodos ditatoriais nem a leis esquisitas que alguns por aí já solicitam.

Mas com todos a falar ao mesmo tempo, a reclamar tudo de todos, e a negar a si próprios o menor esforço com as justificações mais inverosímeis, não iremos a lado nenhum.

Por muitos «Prós e Contras» que encham o tempo televisivo.