terça-feira, 4 de março de 2008

VIOLÊNCIAS ARQUIVADAS…

Crónica de violadores inocentados…

«Maria Ilda Vinagre tem 57 anos e uma vida pautada pelo sofrimento. Suportou 39 anos de violência conjugal até que reuniu coragem e vontade para recomeçar do zero: denunciou o ex-companheiro à Justiça, após várias queixas na Polícia Judiciária (PJ) e na GNR. O tribunal diz que não há provas! Entre as várias queixas de Maria Ilda encontra-se uma de violação, na qual alega ter sido forçada a manter relações sexuais, formulada no início de Fevereiro de 1998. Só foi chamada para fazer exames no Instituto de Medicina Legal a 15 de Abril. Em 2000, o Ministério Público de Sintra pronunciou-se, dizendo que não tinha provas que permitissem atestar que Maria Ilda era vítima de violência conjugal ou que havia sido violada…. Sete anos depois, e após várias queixas junto das autoridades, o mesmo M. P. de Sintra, face a novas queixas, mandou arquivar o processo, dizendo que…não há provas…»

Está visto que a queixosa está agora mais queixosa que dantes, pois, após a acusação do violentador à Justiça, passa a queixosa da própria Justiça, em primeiro lugar, pela demora na condução das investigações, depois pela demora na decisão final, depois ainda pelo arquivamento do processo, após nove anos!

Finalmente, que poderá agora esperar a vítima, da parte do agressor, após o seu completo descrédito? Um pedido de perdão e, provavelmente, mais violência caucionada pela inédita ou ineficaz Justiça!

Já sei o que poderão dizer os magistrados ao ler esta notícia publicada no C. M. desta manhã: a decisão é correcta, porque as provas não foram concludentes, os meios à disposição do M. P. e da justiça são fracos, a legislação que temos foi rigorosamente aplicada e a eles cabe apenas aplicá-la com todas as vírgulas, tal como vem publicada e nada mais…

Há uns largos anos, ainda estava na minha juventude e era no tempo da «Outra Senhora», tive conhecimento de um caso verídico semelhante, com o seu quê de anedótico, de tal forma que nunca mais pude esquecê-lo. Escutei-o no comboio da Linha da Beira Alta, a caminho da Guarda, e das minhas férias de Verão.

Uma rapariga do campo, ainda menor, foi seduzida e violentada por um outro aldeão, já adulto e, por qualquer circunstância que agora me escapa, houve testemunhas. A família da vítima exigiu logo o casamento para preservar o bom nome da ofendida, ou uma indemnização que se supunha, naquela altura, de 30 contos, pelo crime de violação, numa época em que um professor primário, por exemplo, ganhava 1000 escudos mensais e a jorna para um cavador de enxada, de sol a sol, eram uns míseros 10.

O «criminoso» não aceitou o casamento nem a indemnização! E o caso foi levado a tribunal, tenho ideia de que na comarca de Mangualde ou de Fornos de Algodres (já não me recordo bem), com a apresentação das testemunhas e a ajuda dos advogados das duas partes.

Já quase no fim do julgamento, e para arrumar a questão, o juiz perguntou à testemunha principal, mais uma vez, se tinha visto a cena em causa e ela confirmou de novo que sim, que a cena tinha tido lugar num palheiro assim, assim, que o fulano tinha obrigado a fulana a despir-se à força e a entregar-se, tendo-se posicionado sobre ela, etc., etc.

A coisa estava feia para acusado. Mas, numa última intervenção, o advogado de defesa pediu ao juiz autorização para mais duas ou três perguntas à assanhada testemunha de acusação, e questionou-a mais ou menos assim, com estes termos ou outros parecidos:

-Diz o senhor que viu o réu desflorar a vítima?

-Sim, senhor doutor. Digo e repito!

-Em que posição estavam os dois, para poder afirmar isso?

-A rapariga estava deitada de costas na palha e o rapaz estava em cima, no meio dela, muito juntinho, muito coladinho…

-E estavam vestidos ou quê?

-Não senhor doutor, Já disse várias vezes que estavam nus, como Deus os trouxe ao mundo…Ela já não resistia, coitadinha…

-Então como pode o senhor provar que ele a desflorou?

-Ó senhor doutor, então não é uma coisa que se vê logo?...Tão juntinhos estavam, mesmo coladinhos um ao outro…

-E o senhor continua a afirmar que ele penetrou a moça com a moca?

-Claro! Eu não sou cego. Eu vi!…

-Nesse momento, o senhor passou uma linha entre os dois?

-Lá isso não passei…senão, descobriam-me logo…

-Então como pode…

O juiz suspendeu o interrogatório e mandou aguardar a sentença que não se fez esperar.

-Atendendo aos factos, não foi provado que o réu tenha desflorado a vítima, pelo que o absolvo da acusação…

Claro que, naquela época não existiam os exames periciais, nem os sistemas de protecção da mulher vítima de abusos sexuais que existem hoje e o homem saia quase sempre beneficiado com as leis vigentes mas, mesmo assim, este julgamento pode ser considerado uma caricatura.

D. Afonso Henriques não foi capaz de prever casos destes para a Justiça vindoura, na Nação que acabara de fundar. Nem ele, nem o honesto Egas Moniz, de corda ao pescoço…

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