sexta-feira, 14 de março de 2008

O CRIME DE NUNO CRATO

Caricatura de um país sem matemática

O crime de Nuno Crato foi ter nascido em Portugal.

Nascer em Portugal não é já uma virtude; é uma fatalidade. Quando se cresce, aprende-se a ouvir o fado, a adorar a saudade destruidora de iniciativas, a estudar Letras, Direito, Artes, qualquer coisa que dê pouca ginástica à inteligência e o mínimo de trabalho, tudo menos Matemática!

A Matemática é chata, não tem gravuras bonitas, é feita de números, letras raras e sinalefas, obriga a pensar, às vezes custa a perceber, exige treino e persistência e, acima de tudo, é uma ciência exacta. Ora os portugueses têm horror às coisas exactas! Do que eles mais gostam é de dar voltinhas, discutir em paralelo até ao infinito, ou no vácuo, se possível com a ajuda de uns copos…a verdadeira matemática da boa vida.

Também as notícias que circulam por aí estão a condizer e não ajudam a contrariar esta situação. Referem essas discussões, ampliam-nas, se necessário, para arranjar clientes, pormenorizam os crimes de que se ocupa a polícia, as complicações dos tribunais, as faltas de pagamento ao fisco, as aldrabices da criminalidade oculta, as lacras da corrupção na vida corrente ou no futebol, e as fofocas dos noticiáveis, isto é, dos colunáveis…Por isso os inscritos em Cursos de Jornalismo estão em franco crescimento, enquanto os de Matemática se reduzem cada vez mais.

Hoje de manhã, travei conversa casual com uma senhora jovem, muito educada e culta, consultora de uma Companhia de Seguros. Queixava-se ela de que actualmente, pelo que lhe era dado conhecer no seu meio, ninguém produzia nada, em Portugal e os principais empregadores que conhecia entretinham-se a pedir gente para os seus modernos call centers.

Achei graça, no meio da profunda desgraça do nosso panorama de emprego do qual continuou a expor razões e situações, durante mais de meia hora. Como não percebo nada de Seguros, limitei-me a ouvir. Até porque os Seguros, ao contrário do que muita gente pensa, têm por base a Matemática em que eu também não sou forte.

Por alguma razão que os portugueses se obstinam em não querer compreender, os países de tecnologia mais avançada deram prioridade ao ensino e à prática da Matemática durante largos anos e agora estão a colher os frutos. Apressadamente, para recuperar terreno, os chineses e os indianos, incentivam a aprendizagem desta disciplina com todas as suas forças, enquanto os portugueses continuam a estimular as Letras, tornando-nos assim, cada vez mais, num país de letrados improdutivos, apesar disso dos mais iliteratos da Europa Comunitária.

Infelizmente nem para ler temos jeito, que não seja os títulos das fofocas com que nos brinda a imprensa corriqueira e venal, ou das ocorrências dos jogos de futebol! O resto, o que sobra para além disto, são as excepções à regra.

Nuno Crato, uma quase excepção no panorama da própria cultura universitária nacional, recebeu um prémio internacional de renome e foi pequena notícia de meia coluna da imprensa nacional que se diverte a encher páginas, diariamente, com a descrição pormenorizada dos crimes ocorridos na véspera, as festanças dos famosos e os jogos do último fim-de-semana…

Qual foi o crime de Nuno Crato, para não figurar em grande na Imprensa Nacional? Certamente o de se notabilizar no estudo, investigação e divulgação de coisas sérias, como a Matemática, cujo estudo deverá ser incentivado à exaustão, em Portugal, se quizermos que o país tenha um futuro menos sombrio.

Se fosse um bom futebolista, Nuno Crato veria o seu nome aproveitado e colocado em todo o lado, talvez até na base de uma estátua, quem sabe?

É esta a caricatura que faço deste país onde a Matemática ainda é, para a maioria, uma batata, apesar do merecido prémio seus esforços…e da minha singela homenagem.



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