terça-feira, 18 de março de 2008

A ENERGIA DO BAGAÇO

Crónica de transformações necessárias

«Alentejo: Empresa quer produzir energia com bagaço…»

Nos velhos tempos do mata-bicho, logo de manhãzinha, ninguém se lembrara de produzir energia eléctrica desta forma! Energia, sim, mas para dar umas cavadelas, para carregar às costas uns fardos pesados, para combater o frio dos dias gelados…tudo falácias para justificar um vício arreigado, já que os benefícios energéticos do álcool eram fugazes e o bagacinho era caro. Também uma certa classe média se habituou, com o tempo, à bagaceira tomada disfarçadamente nos cafés, para não parecer mal, primeiro em cálice e depois misturada na bica, sob o nome de cheirinho…

-Ti Manel, vem ou não a minha bica com cheirinho!?

-Macieira ou Aliança?

-Tanto faz. Da boa, da boa é que eu quero!

-Então pode ser da Velha…

-Essa não vale a pena. É cara demais. Fica para outra vez.

A aguardente misturada no café não dava tanto nas vistas como a tomada simplesmente, de um trago. Naqueles tempos de fraco poder aquisitivo e poucos prazeres à disposição das gentes, a bagaceira era quase uma bênção e tornava-se frequente, em conversa com alguém, ou num eléctrico, aspirar, sem querer, o bafo denunciador…que as senhoras finas acusavam, de dedo em riste:

-Até tomba! Não sei como podem…

-Não têm vergonha!

O café sempre dava para encobrir…e era agradável.

Foi a notícia sensacional, acabada de ler na net, que veio recordar-me esses tempos idos de que a Ginginha, nas Portas de Santo Antão, ao Rossio, e mais meia dúzia de outras por aí, são as resistentes, uma pálida amostra das centenas ou talvez milhares de tasquinhas existentes em Lisboa, há uns cinquenta anos atrás.

A notícia que li trata, porém, do bagaço da azeitona depois de retirado o azeite, nalgumas regiões popularmente conhecido por baganha, outro tipo de ciência em que o português se especializou, além do vinho e seus derivados. Depois de bem preparadas e espremidas as azeitonas no lagar, o bagaço resultante era armazenado e guardado para vender com outros fins, por último como adubo das terras, na altura própria. Não raramente, com o calor, dava-se a respectiva fermentação e sentia-se o odor fétido espalhado pelo vento a quilómetros em redor. Nunca me esqueci de um passeio a Trás-os-Montes, com o denunciador «aroma enjoativo» proveniente dos armazéns do Pocinho, à beira da ponte sobre o Douro, num cenário de incomparável beleza…e que me obrigou a fugir dali o mais rápido que pude.

Mas os tempos mudaram e agora uma empresa do Alvito, no Alentejo, vai investir em grande no aproveitamento do bagaço da azeitona para o fabrico de energia eléctrica, utilizando o conhecido processo da biomassa, tendo em vista o futuro aumento de matéria prima, com a plantação exaustiva de milhares e hectares de oliveiras que se verifica em diversas regiões alentejanas, graças principalmente... aos espanhóis.

Finalmente, depois das antigas candeias de azeite terem ido parar aos museus e das tasquinhas terem fechado portas, deixará de haver esses dois tipos de iluminação, familiar e individual…a azeite e a aguardente!

Ficaremos todos iluminados, dentro em pouco e finalmente, a lâmpadas eléctricas economizadoras. Já não era sem tempo. Viva a energia do bagaço…da azeitona!

Também descobri na internet outros encómios à dita empresa, amiga do ambiente, merecedora de um prémio de valor, pela sua especialização em transformar caca fedorenta em energia limpa e proveitosa, juntando o útil ao agradável.

É do que mais precisamos no país, de empresas destas que transformem a caca omnipresente e barata em electricidade, agora que o petróleo é de extracção cada vez mais difícil e atinge valores incomportáveis.

A ver se acabamos de vez, com tanta porcaria que há por aí…mesmo sem recorrer a interpretações maliciosas!

E no entanto, como foi agradável recordar, há pouco, a bica com cheirinho! …

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