sexta-feira, 28 de março de 2008

JOGOS OLÍMPICOS, EM PEQUIM

O atletismo político da era moderna

Agora que a China está a impor a sua ordem rígida e implacável no inconformado Tibete, com o pacífico Dalai Lama jogando com relativo sucesso a cartada da propaganda legítima da recuperação da independência da sua pátria, discute-se nalguns países ocidentais a ida ou não dos seus atletas aos Jogos Olímpicos de Pequim, uma forma de protesto exemplar pela intolerância do governo chinês e a brutalidade da intervenção das suas forças policiais.

Nada de novo, esta postura do Ocidente. Com o pretexto de lutar pela liberdade e pela democracia, vários boicotes foram feitos no século XX e também outros tiveram lugar, como represália da parte de países anteriormente boicotados…

Ficaram também particularmente célebres, pelos maus motivos, os Jogos Olímpicos de Berlim, com a democracia alemã a dar as últimas, nos preparativos hitlerianos para a segunda guerra mundial e, depois dela, os de Munique, com o atentado dos palestinianos aos atletas judaicos ali presentes. Puro atletismo politiqueiro, nas entrelinhas.

Muitas histórias podem ser contadas sobre os Jogos Olímpicos, de sucesso ou insucesso, com imensas querelas diplomáticas absurdas pelo meio, com prémios ou desespero de atletas, e de comemorações ou lutos vividos pelos naturais dos países concorrentes.

Uma coisa é certa. Os Jogos Olímpicos realizavam-se na Grécia, quinhentos anos antes de Cristo, num clima de tréguas entre cidades-estados que se guerreavam frequentemente, exaltando, deste modo, a disputa leal entre os atletas. A tirana Esparta e a democrática Atenas (com os respectivos partidários) faziam descansar as armas religiosamente, para essa comemoração.

Foi aqui, neste espírito de competição saudável, incentivando e exaltando a amizade do mundo grego acima das rixas tradicionais, que se inspirou o iluminado barão P.C. para fazer renascer esses Jogos milenares.

Apesar de tantos contratempos e dificuldades, as comemorações modernas atingiram dimensões nunca imaginadas pelo seu mentor e têm servido para cimentar a amizade dos povos ou, pelo menos, para fazer a propaganda dela. Já era tempo de esquecer vingançazinhas de estimação entre algumas nações e deixar os atletas competirem em paz, sem intervenção da política matreira que torna complicadas as coisas simples. Aos atletas o que é dos verdadeiros atletas. Os atletas da política não deveriam ser para aqui chamados.

Realisticamente falando, o Tibete há-de ter o apoio moral possível das Democracias Ocidentais e nada mais que isso, e a China fará os Jogos Olímpicos de 2008, com vivas ou críticas do Ocidente, tanto faz.

Em Pequim, os atletas autênticos baterão vários recordes, como é costume, nestas ocasiões. E, no entanto, mais uma mancha ficará gravada nos anais dos Jogos, sem vantagem para ninguém. Nem mesmo, infelizmente, para o infortunado Tibete e outros países vítimas de algumas ditaduras que se pavoneiam impunemente por aí…

quinta-feira, 27 de março de 2008

POLÍCIAS A MAIS E CRIMES A MENOS

Crónica da falta de segurança por aí

Em Portugal vislumbra-se sempre qualquer coisa irreal no horizonte, que um dia a nossa pequenez exalta até às nuvens ou mesmo engrandece até ao infinito, e na noite seguinte mete em alfurjas insondáveis. Há sempre qualquer coisa, por mais evidente que seja, que não funciona, qualquer coisa que, por mais intuitiva que se anteveja, necessita de ser explicada. Existem sempre factos extraordinárias ante os nossos olhos, muito acima do nosso entendimento os quais, na nossa arrogante insignificância e falta de bom senso, não conseguimos apreciar nunca na sua devida dimensão.

O Brasil também herdou de nós algumas desses contra-sensos. Contudo, pela enormidade do seu território e da população que o habita, poderá desculpar-se facilmente. Os brasileiros, na sua ânsia de progresso, dizem do seu país que é o maior, que já têm o maior isto e o maior aquilo… (claro que nunca falam nas maiores favelas!), enquanto os portugueses se vangloriam de ser os pais do Brasil e doutros povos mais…E também, de vez em quando, colocam alguns recordes caricatos no Guiness, como a maior árvore de Natal, a maior cataplana, o maior pão-de-ló…

Ao contrário dos brasileiros que propagandeam as coisas positivas e escondem as negativas, os portugueses passam o tempo a exaltar as suas misérias e a desvalorizar os seus merecimentos. Se não fosse assim, nem os nossos periódicos conseguiriam sobreviver!

Durante vários dias, a imprensa do país entreteve-se a explorar o filão da falta de segurança, apregoada a torto e a direito, a propósito de tudo e de nada, como se o país fosse o mais inseguro do mundo e os cidadãos nem pudessem por o pé fora da soleira da porta. Debalde o Ministro da Administração Interna se alargou em explicações e apresentou números e estatísticas porque, na ânsia geral demolidora que geralmente nos assoberba, ninguém já acreditava nele.

Logo os partidos da oposição, os mentores da opinião pública e os oportunistas de serviço começaram a aproveitar a onda de descontentamento circunstancial, cavalgando a exploração iniciada pela imprensa, pedindo soluções para a criminologia denunciada, o agrandamento das penas para os criminosos, o aumento imediato das forças policiais que as «medidas economicistas» do governo estava a travar, sem respeito pelos cidadãos…

Faltavam polícias! Os autarcas confirmaram, as associações profissionais de polícia corroboraram, acrescentando a fatal e consabida falta de meios. Finalmente os juízes, acusados de brandura e alguma permissividade perante os réus, clamaram, como qualquer pobrezinho pedindo misericórdia, inocência ante as «desastradas» leis existentes que se esfalfavam por cumprir, com todos os pontos e vírgulas que descobriam…

O Ministro estava a ficar esfrangalhado. Para se ver livre do alarido, pediu dinheiro às Finanças e lá prometeu o lançamento de mais dois mil polícias na bagunça, o que pareceu acalmar um tanto os reclamantes, não sem que alguém viesse a terreiro a constatar que esse número não era grande coisa, dividido pelas esquadras em funcionamento…

Ora, passada a espuma da onda, confirmou ainda a mesma imprensa alarmista, que o país era ainda, como se dizia, o tal de brandos costumes, a nível estatístico. Que não só a criminalidade em geral não tinha aumentado por aí além, como pedia meças à quase totalidade dos países da CE, para não falar de muitos outros por esse mundo fora.

A última do Diário Digital de hoje, diz apenas: «O governo anunciou esta terça-feira uma diminuição de 10,5% da criminalidade violenta e grave em 2007 e uma estabilização da criminalidade participada, relativamente a 2006.»

Mais notícias interessantes…e desconcertantes que essa mesma imprensa, a nossa imprensa, agora vem veiculando durante estes dias, merecem igualmente toda a nossa atenção.

Em primeiro lugar, sendo Portugal um país de baixa criminalidade é, na Europa, o que mais presos tem, nas suas cadeias!

E, finalmente, Portugal é o país da Europa com maior número de polícias, relativamente à população que protege, de acordo com as notícias seguintes:

« em Portugal, há 21 699 polícias, revela o «Diário de Notícias». Por cá, a média é de um polícia por cada 227 habitantes, enquanto a média europeia é de um agente para 350 pessoas.

«A TVI contactou as relações públicas da PSP, que confirmam o rácio de um agente para 227 habitantes, mas apenas na área de intervenção da Polícia de Segurança Pública e que abarca 4 milhões e 800 mil habitantes.

«A restante área é da responsabilidade da GNR. Aí, os números são diferentes, adianta a PSP, mas sempre acima da média europeia, garante esta força de segurança.»

Volto ao princípio. Em Portugal, nem tudo o que parece, é. E até as coisas mais comezinhas, ou as mais apregoadas necessitam, como estas que citei, de explicação cabal, competente e credível para poderem ser devidamente compreendidas pelo país das superficialidades bombásticas que somos.

Não sou eu a pessoa indicada para tal.

A mim só me apetece rir…para não chorar de vergonha.

segunda-feira, 24 de março de 2008

BAGUNÇA NA TV

Crónica do telemóvel indisciplinado

Não há muito tempo ainda que o prato forte da discussão do nosso sistema de educação era o número e tipo de disciplinas, nos respectivos cursos, o número de alunos por turma, as verbas disponíveis, temas retomados endemicamente, quase a cada mudança de governo.

Há dias, tudo mudou. Uma professora bem pequenina, leccionando não sei que disciplina, envolveu-se numa disputa com uma aluna grandota, indisciplinada, por causa de um telemóvel minúsculo, dentro de uma sala de aula em alvoroço. Puxa para aqui, puxa para ali -as palavras que não se ouviam não deveriam ter sido meigas -um aluno puxou de outro telemóvel e filmou a cena que, não sabemos porque artes mágicas, foi parar à Internet, como filme premiado, para gáudio da malta estudantil e respectivos paizinhos, e furiosa indignação dos mestres deste país de gente «culta», com montes de professores eventuais desempregados. Logo a Comunicação Social, depois de noticiar o facto em parangonas de primeira página, começou a desbobinar o seu habitual rol de pilhérias, conclusões e sentenças, dando conta igualmente dos truques dos politiqueiros de serviço a atirarem as pedras do costume, dos inquéritos a serem abertos para inglês ver, e dos comentadores do burgo a mandarem as patacoadas de recados àquela gente de que não gostam. Choveram protestos e lamúrias por todo o lado, pareceu que o mundo tinha desabado! E mais não passava de um facto comezinho, dentre tantos que ocorrem diariamente nas escolas portuguesas, quantos mais graves ou caricatos, mas que não mereceram tamanha propaganda!

Um facto não foi, no entanto comentado ou explorado por nenhum desses numerosos comentaristas ou críticos, quase tantos como os leitores da nossa minguada imprensa: a existência de vários telemóveis na sala de aula e de um, pelo menos, com tecnologia fotográfica relevante, sabiamente manobrado, com direito a futura transmissão na Internet, motivo pelo qual penso que alguma coisa está pervertida nesta história posta a circular e nas conclusões daí tiradas. O mote geral é a disciplina, ou a falta dela, ou a dificuldade da sua implementação, em que os intervenientes procuram bodes expiatórios, numa guerra de todos contra todos. Os professores acusam o governo, os alunos e os pais. Os alunos acusam o governo, os professores e os próprios pais. Os pais acusam o governo e os professores. O governo acusa os professores…E, como se não bastasse esta guerra absurda, os partidos políticos procuram, a todo o custo, tirar partido da situação, na ânsia politiqueira de captar votos, à custa de não apresentar qualquer solução credível para ela…E tudo isto num país de poucos recursos, pouca literacia, limitada cultura, onde mais se justificaria que todos unissem esforços para mudar para melhor aquilo que ainda é possível mudar…

Mas, como em tudo, na vida, há um começo e haverá um fim previsíveis.

Como é tradicional, ao fim de algum tempo todo o mundo se acalmará, ninguém conseguirá investigar nada, ninguém terá tido culpa do que quer que fosse, muito menos portanto pedirá desculpa de coisa nenhuma ou será castigado por algo. E tudo regressará à normalidade corriqueira, os telemóveis cada vez a serem mais vendidos, cada vez a entrarem mais pelas escolas dentro, pelas repartições, pelas casas de cada um, como piolho na costura que em todo o lado se intromete e não se deixa apanhar…e, pior ainda, de que ninguém já pode prescindir em parte nenhuma, em momento algum! É obra!

Por isso, embora muitos julguem que isto que vou dizer é um absurdo, a verdade é que já não é possível restringir o uso do telemóvel, seja lá onde for! Nem na Escola, nem no Hospital, nem na Assembleia da República, nem na Igreja, nem nos restaurantes, nem nos escritórios, nem mesmo nas casas de banho! Tanto faz que alguém se entretenha a fazer regulamentos, a por avisos, a passar palavra! Fazer o controlo, como nos aeroportos, sai caro. E mesmo assim…

O telemóvel escravizou-nos a todos, fez-nos seus dependentes integrais, para o bem ou para o mal, e não vejo como libertarmo-nos dele, por mais leis que sejam promulgadas, por mais castigos que sejam prometidos, por mais invectivas que sejam atiradas…por mais que os professores se esfalfem a proibi-lo nas aulas, ou a polícia se derreta a catrapiscá-lo ou confiscá-lo por aí…O caso é que, a partir dos seis anos, mal largam a chupeta e dão os primeiros passos, as criancinhas já andam de telemóvel à cinta, como os cowboys dos filmes do Farwest andam de revólver! Os pais exigem telefonar cada cinco minutos para os seus rebentos, eles que, ainda há bem poucos anos, saíam de manhã para o trabalho e regressavam à noite, sem poderem contactá-los, nem por sinais luminosos, bandeirinhas ou apitos…

Os professores, os conselhos directivos, as direcções de educação são todos, claro, uns ingénuos e os remédios que preconizam serão pura perda de tempo. A época em que vivemos é outra, que não aquela que eles próprios viveram na escola da sua meninice, e ainda não se deram conta disso! Acabar com os telemóveis nos recintos escolares é, actualmente, muito mais difícil que aplicar a lei anti tabaco em recintos fechados, embora algumas regras eficazes de controlo possam ser estabelecidas.

Mas a disciplina, ao contrário do que preconizam alguns comentaristas de nomeada, não se obterá com cacetadas ou a ajuda da PIDE de antigamente, nem com as expulsões das escolas a torto e a direito, nem com o aumento das penas de prisão! Da mesma forma que seria absurdo ditar leis drásticas para obrigar os pais a educar convenientemente os filhos!

Por muito que custe aos professores de hoje, como a disciplina não provem da força, têm que apostar em desenvolver ao máximo o interesse dos alunos pelas disciplinas de que dão aulas, como forma de evitar a falta dela, o desejo de utilizar o telemóvel e outras coisas que nenhum regulamento já é capaz de travar…

Cabe-lhes uma tarefa hercúlea, ingrata e nada fácil, como não o foi substituir a palmatória usada durante séculos, em que os telemóveis nem sequer eram miragem…

E podemos crer, da forma acelerada com que a tecnologia nos vai impregnando a vida, que muitas outras distracções aparecerão, além do telemóvel, a encher as aulas, como os Mp3, os mini computadores de bolso e o mais que seguirá…

Há, pois, que estimular e acarinhar os professores competentes. E apostar fortemente na formação.

Proibir apenas o telemóvel indisciplinado é que não vai dar nada.

Mas algum dia virá a descobrir-se tecnologia revolucionária que promoverá o ensino instantâneo, disciplinado e automático, dispensando de vez a milenar e paciente introdução das matérias, à força, na cabeça.

Até lá…

terça-feira, 18 de março de 2008

A ENERGIA DO BAGAÇO

Crónica de transformações necessárias

«Alentejo: Empresa quer produzir energia com bagaço…»

Nos velhos tempos do mata-bicho, logo de manhãzinha, ninguém se lembrara de produzir energia eléctrica desta forma! Energia, sim, mas para dar umas cavadelas, para carregar às costas uns fardos pesados, para combater o frio dos dias gelados…tudo falácias para justificar um vício arreigado, já que os benefícios energéticos do álcool eram fugazes e o bagacinho era caro. Também uma certa classe média se habituou, com o tempo, à bagaceira tomada disfarçadamente nos cafés, para não parecer mal, primeiro em cálice e depois misturada na bica, sob o nome de cheirinho…

-Ti Manel, vem ou não a minha bica com cheirinho!?

-Macieira ou Aliança?

-Tanto faz. Da boa, da boa é que eu quero!

-Então pode ser da Velha…

-Essa não vale a pena. É cara demais. Fica para outra vez.

A aguardente misturada no café não dava tanto nas vistas como a tomada simplesmente, de um trago. Naqueles tempos de fraco poder aquisitivo e poucos prazeres à disposição das gentes, a bagaceira era quase uma bênção e tornava-se frequente, em conversa com alguém, ou num eléctrico, aspirar, sem querer, o bafo denunciador…que as senhoras finas acusavam, de dedo em riste:

-Até tomba! Não sei como podem…

-Não têm vergonha!

O café sempre dava para encobrir…e era agradável.

Foi a notícia sensacional, acabada de ler na net, que veio recordar-me esses tempos idos de que a Ginginha, nas Portas de Santo Antão, ao Rossio, e mais meia dúzia de outras por aí, são as resistentes, uma pálida amostra das centenas ou talvez milhares de tasquinhas existentes em Lisboa, há uns cinquenta anos atrás.

A notícia que li trata, porém, do bagaço da azeitona depois de retirado o azeite, nalgumas regiões popularmente conhecido por baganha, outro tipo de ciência em que o português se especializou, além do vinho e seus derivados. Depois de bem preparadas e espremidas as azeitonas no lagar, o bagaço resultante era armazenado e guardado para vender com outros fins, por último como adubo das terras, na altura própria. Não raramente, com o calor, dava-se a respectiva fermentação e sentia-se o odor fétido espalhado pelo vento a quilómetros em redor. Nunca me esqueci de um passeio a Trás-os-Montes, com o denunciador «aroma enjoativo» proveniente dos armazéns do Pocinho, à beira da ponte sobre o Douro, num cenário de incomparável beleza…e que me obrigou a fugir dali o mais rápido que pude.

Mas os tempos mudaram e agora uma empresa do Alvito, no Alentejo, vai investir em grande no aproveitamento do bagaço da azeitona para o fabrico de energia eléctrica, utilizando o conhecido processo da biomassa, tendo em vista o futuro aumento de matéria prima, com a plantação exaustiva de milhares e hectares de oliveiras que se verifica em diversas regiões alentejanas, graças principalmente... aos espanhóis.

Finalmente, depois das antigas candeias de azeite terem ido parar aos museus e das tasquinhas terem fechado portas, deixará de haver esses dois tipos de iluminação, familiar e individual…a azeite e a aguardente!

Ficaremos todos iluminados, dentro em pouco e finalmente, a lâmpadas eléctricas economizadoras. Já não era sem tempo. Viva a energia do bagaço…da azeitona!

Também descobri na internet outros encómios à dita empresa, amiga do ambiente, merecedora de um prémio de valor, pela sua especialização em transformar caca fedorenta em energia limpa e proveitosa, juntando o útil ao agradável.

É do que mais precisamos no país, de empresas destas que transformem a caca omnipresente e barata em electricidade, agora que o petróleo é de extracção cada vez mais difícil e atinge valores incomportáveis.

A ver se acabamos de vez, com tanta porcaria que há por aí…mesmo sem recorrer a interpretações maliciosas!

E no entanto, como foi agradável recordar, há pouco, a bica com cheirinho! …

segunda-feira, 17 de março de 2008

ANACRONISMOS IMPORTANTES

Setas envenenadas

Enquanto a Sra. Ministra da Educação utiliza o seu tempo a estudar a melhor forma de atirar as suas setas envenenadas aos professores esquivos, estes, apoiados pelos partidos da oposição, defendem-se jogando às manifestações, e respondendo também com as suas…

É uma forma de entretenimento bastante em voga, nestas últimas semanas. Par quem está de fora, seria jocoso, se não fosse triste.

Setas para aqui, setas para ali, eis que um senhor médico nortenho resolve mudar, sem dizer nada a ninguém, o emblema das três setas laranja simbólicas do seu clube de estimação, metendo duas delas, sem qualquer contemplação, no lixo, e plantando a única restante em campo azul, com a mesma facilidade e rapidez com que os arqueiros de antigamente as metiam e tiravam das respectivas aljavas, em horas de luta.

Não sei por quê, nem para quê…Talvez para mostrar serviço aos eleitores incrédulos.

Porque, com o andar do tempo, as setas foram dando lugar a outros projécteis cada vez mais eficazes, até chegarmos, nos dias de hoje, à guerra do botão, travada a partir dos gabinetes, com precisão exemplar, acertando mesmo em alvos colocados a milhares de quilómetros de distância.

Anacronismos nossos.

Como vemos, ainda existe muito boa gente, em Portugal, que se entretém a jogar com setas fazendo a pontaria aos vizinhos do lado…pensando ou tentando mesmo o regresso do país à Idade Média. Outros utilizam foices cortantes, martelos duros, enxadas agrestes, rodas dentadas furiosas e até rosas…apertadas em punhos, para não destoar do bárbaro conjunto.

Bem sei que se trata de símbolos e brincar com coisas simbólicas tem o seu quê de perigosidade. Apesar da mudança dos tempos, existem ainda muitos radicais com os quais não se pode, nem deve brincar.

Lá bem no fundo, quem há que consiga viver sem símbolos? Até os norte americanos, que não primam pela ideologia e insistem no seu lado prático e agressivo de ver as coisas, adoptaram o plácido elefante e o burro paciente como símbolos dos seus principais partidos políticos!

Aqui, não! Vingou o punho cerrado, a foice, o martelo, a enxada e a roda dentada, a seta ou as setinhas, indicadores de ferocidade, violência e força bruta…num país de brandos costumes.

Mais outro anacronismo.

Ainda gostava de saber porque raio de motivo os portugueses se colaram a símbolos desta natureza, já que não passam, afinal de trinta e um de boca! Digo bem, de boca, porque lá é que reside a força, a violência, a ferocidade da nossa gente.

Mas não é mau que assim seja. Enquanto toda essa agressividade que por aí se apregoa não passar da boca para fora, estamos salvos!

Ainda que uns quantos se ocupem a brincar com as setas, por não descobrirem coisas mais importantes que fazer…

Já agora, uma pergunta simples, a quem tiver a pachorra de ler este pequeno texto:

-Que seria dos candidatos Republicanos ou Democratas, nos Estados Unidos, se resolvessem mudar apenas as cores do elefante ou do burro que representam os seus partidos?


Alguém me está a soprar do lado:

-É lá com eles! Aqui para nós, que ninguém nos ouve, cada um que se amanhe…

Fiquei sem coragem para continuar.

domingo, 16 de março de 2008

O CRIME DE NUNO CRATO-II

Portugal é uma maravilha!

Pouco depois de publicar «O crime de Nuno Crato», alguém resolveu perguntar-me muito simplesmente, se eu trocaria este país por outro…

Respondi imediatamente que não! Ou, como alguém diria, nunca, jamais, em tempo algum!...

Este é o país que eu amo, que todos amamos apesar de dizermos mal dele todos os dias e a todas as horas. Se assim não fosse, nem sequer éramos verdadeiros portugueses! Além de sermos especialistas da má-íngua, somos derrotistas como não há mais ninguém em país nenhum do mundo, o que é ainda pior.

Mas há coisas boas e belas, em Portugal, mais maravilhosas que em mais nenhuma parte desse mundo que tanto enaltecemos.

Puras contradições de portugueses!

Como disse antes, Nuno Crato não foi divulgado nem suficientemente aclamado…porque não é especialista de pontapé na bola, onde a Matemática, ciência exacta…e chata, cede lugar à magia das fintas que distraem e encantam! Já estamos fartos de saber que, com a Matemática, é difícil, em Portugal, alguém ficar encantado!

Mas também não quero tirar mérito aos grandes artistas que são os jogadores de futebol. O que é preciso é ser bom em qualquer coisa…menos na maldade!

Ora, no jornalismo, de tão vulgarizadas que são as vulgaridades em que o vulgo gosta de estar mergulhado, perdoem-me as redundâncias, torna-se muito difícil promover o que é correcto, em prejuízo do acessório e fútil.

Dizer todos os dias que Portugal é o melhor que há, não dá gozo a ninguém. É uma premissa que gostamos apenas de guardar económica e ciosamente bem dentro de nós. O que dá gozo é o bota-abaixo! Quando muito, o passar por cima, distraidamente…ou de propósito. Ou escrever três ou quatro linhas numa página de terceira escolha…

Por isso é que achei Nuno Crato deslocado, no seu próprio país. Não que me passe pela cabeça que ele não devesse fazer a obra a que se tem esforçadamente dedicado e só merece os melhores encómios. Mas porque está fora do contexto jornalístico dos nossos dias, apanhado na fofoca que domina a imprensa «séria», em Portugal, a mesma que bem poderia ser deixada apenas para os tablóides da especialidade.

Na realidade, em vez de ter escrito que o crime do professor Nuno Crato foi ter nascido no país do fado, deveria ter dito apenas, como o poeta: «esta é a ditosa Pátria minha amada»…

sexta-feira, 14 de março de 2008

O CRIME DE NUNO CRATO

Caricatura de um país sem matemática

O crime de Nuno Crato foi ter nascido em Portugal.

Nascer em Portugal não é já uma virtude; é uma fatalidade. Quando se cresce, aprende-se a ouvir o fado, a adorar a saudade destruidora de iniciativas, a estudar Letras, Direito, Artes, qualquer coisa que dê pouca ginástica à inteligência e o mínimo de trabalho, tudo menos Matemática!

A Matemática é chata, não tem gravuras bonitas, é feita de números, letras raras e sinalefas, obriga a pensar, às vezes custa a perceber, exige treino e persistência e, acima de tudo, é uma ciência exacta. Ora os portugueses têm horror às coisas exactas! Do que eles mais gostam é de dar voltinhas, discutir em paralelo até ao infinito, ou no vácuo, se possível com a ajuda de uns copos…a verdadeira matemática da boa vida.

Também as notícias que circulam por aí estão a condizer e não ajudam a contrariar esta situação. Referem essas discussões, ampliam-nas, se necessário, para arranjar clientes, pormenorizam os crimes de que se ocupa a polícia, as complicações dos tribunais, as faltas de pagamento ao fisco, as aldrabices da criminalidade oculta, as lacras da corrupção na vida corrente ou no futebol, e as fofocas dos noticiáveis, isto é, dos colunáveis…Por isso os inscritos em Cursos de Jornalismo estão em franco crescimento, enquanto os de Matemática se reduzem cada vez mais.

Hoje de manhã, travei conversa casual com uma senhora jovem, muito educada e culta, consultora de uma Companhia de Seguros. Queixava-se ela de que actualmente, pelo que lhe era dado conhecer no seu meio, ninguém produzia nada, em Portugal e os principais empregadores que conhecia entretinham-se a pedir gente para os seus modernos call centers.

Achei graça, no meio da profunda desgraça do nosso panorama de emprego do qual continuou a expor razões e situações, durante mais de meia hora. Como não percebo nada de Seguros, limitei-me a ouvir. Até porque os Seguros, ao contrário do que muita gente pensa, têm por base a Matemática em que eu também não sou forte.

Por alguma razão que os portugueses se obstinam em não querer compreender, os países de tecnologia mais avançada deram prioridade ao ensino e à prática da Matemática durante largos anos e agora estão a colher os frutos. Apressadamente, para recuperar terreno, os chineses e os indianos, incentivam a aprendizagem desta disciplina com todas as suas forças, enquanto os portugueses continuam a estimular as Letras, tornando-nos assim, cada vez mais, num país de letrados improdutivos, apesar disso dos mais iliteratos da Europa Comunitária.

Infelizmente nem para ler temos jeito, que não seja os títulos das fofocas com que nos brinda a imprensa corriqueira e venal, ou das ocorrências dos jogos de futebol! O resto, o que sobra para além disto, são as excepções à regra.

Nuno Crato, uma quase excepção no panorama da própria cultura universitária nacional, recebeu um prémio internacional de renome e foi pequena notícia de meia coluna da imprensa nacional que se diverte a encher páginas, diariamente, com a descrição pormenorizada dos crimes ocorridos na véspera, as festanças dos famosos e os jogos do último fim-de-semana…

Qual foi o crime de Nuno Crato, para não figurar em grande na Imprensa Nacional? Certamente o de se notabilizar no estudo, investigação e divulgação de coisas sérias, como a Matemática, cujo estudo deverá ser incentivado à exaustão, em Portugal, se quizermos que o país tenha um futuro menos sombrio.

Se fosse um bom futebolista, Nuno Crato veria o seu nome aproveitado e colocado em todo o lado, talvez até na base de uma estátua, quem sabe?

É esta a caricatura que faço deste país onde a Matemática ainda é, para a maioria, uma batata, apesar do merecido prémio seus esforços…e da minha singela homenagem.



terça-feira, 11 de março de 2008

A HIPERTENSÃO E OS BOEING-747

Um certo terrorismo jornalístico…

Hoje, ao ler o jornal Público, fui surpreendido por uma notícia sensacionalista, com origem na Lusa e retirada de uma frase infeliz de um médico, especialista de hipertensão. Mas é destas frases infelizes ou bombásticas que se vai alimentando a imprensa, toda ela, na mira de cativar o espírito de coscuvilhice doentia que anima os cidadãos de agora. Aqui vai o título e a notícia:

«AVC provoca tantas mortes em Portugal num mês como a queda de um Boeing-747

« 11.03.2008 - 18h11 Lusa

«O número de vítimas mortais de acidentes vasculares cerebrais (AVC) num mês em Portugal equivale à queda de um Boeing-747, alertou hoje o médico Pedro Marques da Silva. Durante a apresentação de um livro sobre hipertensão, o especialista lembrou que esta patologia é o primeiro factor de risco para um AVC.»


Ora aqui está uma maneira terrorista de dar uma notícia, comparando as mortes por AVC às 500 mortes da queda de um Boeing-747, o conhecido Jumbo. E, como num ano morrem doze vezes mais pessoas de hipertensão, devem cair, pelo menos, doze Jumbos anualmente!

A Al qaeda deve estar feliz com os resultados. Doze Boeings num ano, é obra! Mas já ninguém faz caso disto. Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que um dia se parte.

E nem só de Boeings se alimenta o jornalismo sósia da Al qaeda. Durante o Verão, as notícias dão-nos conta da grandeza dos incêndios no país do Apito Dourado, dizendo sempre que «arderam X hectares de floresta, igual a Y campos de futebol…»Com mil diabos! Já nem aqui se pode estar sossegado!

Mas tem a sua graça. Há muitos outros primores no estilo, que agora não recordo, mas prometo trazê-los aqui, logo que me venham à memória.

Piores, no entanto, são certos lapsos ocorridos nos noticiários dos diferentes canais de TV, como os que se referem aos incêndios de Verão:

«É trágico! Está a arder uma vasta área de pinhal de eucaliptos…»

«As chamas estavam a arder…»

Mas a TV não se contenta só com os incêndios e os ataques aos Boeing. Pesquiza assassinatos que são relatados assim:

«Foi assassinado, mas não se sabe se está morto…»

«O assassino matou 30 mortos…»

Também chama assim a atenção para os aquaparques:

«Os aquaparques têm feito, durante este ano, muitas vítimas, que o digam os dois mortos registados este mês…»

E, comentando os dados do Boletim Meteorológico:

«Estão zero graus negativos…»

Tenho estado a brincar com coisas sérias, mas a verdade é que deveria exigir-se um pouco mais de prudência na escolha de certos títulos e de cuidado na leitura dos noticiários da TV que vão para o ar e são vistos por milhões de espectadores.

Deveria?

Pensando bem, este terrorismo jornalístico de competição com a Alqaeda é que nos salva. Ela deve ter medo de atacar em Portugal, onde nunca conseguiria identificar os alvos, tão baralhados se encontram: florestas em campos de futebol, boeings em consultórios médicos, vítimas em aquaparques, assassinos que atacam mortos, chamas a arder…Certamente, a estas horas, já escolheu alvos mais apetecíveis e menos complicados, em climas mais amenos e agradáveis que os nossos primaveris zero graus negativos anunciados na TV.

E ainda bem para nós!

segunda-feira, 10 de março de 2008

PROFESSORES E «SETORES»

A manifestação dos 100.000

Não se trata da célebre retirada dos dez mil, de Xenofonte, perdidos num território inimigo longínquo. São 100.000 «setores», de megafone em punho, à invasão e ocupação do bem conhecido Terreiro do Paço!

E tudo por quê? Pela defesa inquestionável ao seu bom nome de «setores» com currículo e trabalho eficiente comprovado por eles próprios…

Será que a democracia em Portugal, é só para inglês ver? Será que se elege um governo, não para governar, mas para apoiar os interesses ou os benefícios de uns quantos? Se não é assim, se governa, está perdido! Fazem-se manifestações, grita-se com megafones, convocam-se advogados e metem-se providências cautelares a torto e a direito, no geral falaciosas e condenadas depois por tribunais superiores, mas que têm o condão de atrasar as medidas tomadas, dificultar ao máximo a sua aplicação, desgastar o mais possível o governo reformista que todos puseram no poder (quase 70%), exigindo-lhe reformas…reformas…reformas…rápidas, profundas, eficazes. Esqueceram-se de dizer, no boletim de voto, que queriam essas reformas rápidas, profundas, eficazes… para os outros e superficiais, lentas e ineficazes para si próprios! Eles imaginaram, erradamente, que as reformas profundas e eficazes não iriam tocar nos privilégios acumulados em vinte ou trinta anos de laxismo, que os impostos requeridos pelas normas da CE não lhes caberia a eles pagar, que as avaliações e o mérito reclamados no período pré-eleitoral seriam, como de costume, simples passagens administrativas copiadas do PREC de 74…

Mas enganaram-se.

A fuga aos impostos começou a ser eficazmente combatida, e então esses mesmos apelaram para a brutalidade da fiscalização, rigorosa mas sem bom senso, que até cometia erros…

Nos hospitais e noutros serviços públicos, foi implantada a verificação electrónica das presenças a horas, por imposição do polegar…e logo esses tais reclamaram imediatamente que o sistema tinha defeitos e depois, lembraram o direito ao antigo livro de presenças onde a falsificação de dados era conhecida e aceite, desde séculos!

Na Justiça, acabaram as férias de três meses…e imediatamente os próprios juízes fizeram ver que trabalhavam durante esse período e punham em dia as sobras do trabalho normal…

Acabaram-se as escrituras sem registo, e logo os apoderados do sector bramiram indicando possíveis erros de informática, possíveis contratempos…mas nunca a real perda de proventos, em benefício do contribuinte, o cidadão comum…

Nas escolas, por outro lado, ampliou-se o horário de trabalho, obrigaram-se os «setores» a dar aulas de substituição, para acabar com os furos endémicos, para benefício dos alunos e dos pais que trabalham e logo se inventou que era uma violência e que as aulas eram uma fantochada…

Inauguraram-se as colocações por três anos, coisa sempre ansiada, e rapidamente os «setores» questionaram os concursos…

Estabeleceram-se normas de cumprimento de horários e um regime de faltas justificadas, e invocaram-se imediatamente os regimes fascistas…

Alteraram-se as direcções das escolas, antepondo a um conselho pedagógico inadequado e ineficaz, um reitor escolhido, pela primeira vez na História, entre professores, pais e autarcas, supremo crime de lesa autonomia dos «setores» laxistas…

Já eram crimes a mais!

Quando, por fim, entrou em vigor a avaliação dos professores, discutida sempre, é claro, mas finalizando sem a colaboração e a aprovação dos sindicatos, aqui d´el rei! Que não houve diálogo, que os «setores» nunca recusaram a avaliação, não aceitam é a avaliação estapafúrdia que querem impor-lhes sem a sua concordância, isto é, autorização...Onde é que já se ouviu isso? Quem manda, afinal?

Por último, não conseguindo a anulação das avaliações, resolveram fazer várias manifestações, culminando na dos 100.000.

Interessantes foram algumas entrevistas feitas então a «setores» em luta, mostrando à saciedade a ignorância dos motivos, das regras da avaliação, o fraseado utilizado por alguns entrevistados, por vezes ao nível mais baixo de alguns dos infelizes alunos de bairro de lata…num espectáculo degradante, a que não faltou o enquadramento da direcção da CGTP e as palavras de ordem saídas do baú bolorento do PREC onde permaneciam religiosamente guardadas desde os anos gloriosos de certa esquerda ultrapassada…

Há dias, recebi um mail, dessas cadeias que circulam na Internet, em que um «setor» se queixava amargamente da falta de reconhecimento dos governantes pelo seu esforço e citava umas dezenas de frases absurdas escritas pelos seus educandos, não sei se para rir ou chorar…

Outro mail mostrava excertos de alguns decretos de 2005, com a confusa linguagem advocacial e burocrática em vigor num Secretariado da Educação, apelando à sua leitura crítica, pelo «setorado» culto…

Dezenas de mails foram passados, em cadeia, com caricaturas da ministra, mais ou menos agressivas, mais ou menos grotescas, e até alguém descobriu que no Diário da República fora publicado um subsídio de 20.000 euros à Federação de Associações de Pais…fazendo subentender que era uma ajuda para esta lutar contra os sindicatos e as manifestações….

Por último, lançou-se a atoarda da PSP estar a coagir os possíveis manifestantes, a desencorajá-los de irem à grande manifestação, coisa que a que têm direito pleno e ninguém se atreve a discutir…

É o vale tudo! E a orquestração ficou bem visível, tratando de capitalizar algum desconforto ou até alguma preocupação ou descontentamento naturais. Primeiro, pelos sindicatos e depois por todos os partidos da oposição, incluindo a extrema-esquerda e a extrema-direita! Mas isto é próprio de politiquice oportunista, não de política séria.

Quanto aos «setores», apetece-me passar aqui as breves linhas do comentário que enviei a um oportuno artigo de um periódico desta manhã:

«Se não têm medo de ser avaliados, porque se preocupam tanto? Ou desejavam uma avaliação tipo passagem administrativa? Muitas outras profissões são avaliadas todos os dias; porque haveriam os «setores» de ser a excepção? Quem não deve, não teme!!!»

Os verdadeiros professores ensinam e não temem!

domingo, 9 de março de 2008

ANDAR A PÉ, EM PORTUGAL

É fácil, mas quem se atreve?

Vale a pena ler e pensar sobre a notícia que os jornais de hoje nos oferecem:

«Cada português anda menos de um quilómetro a pé por dia. A distância percorrida por ano por cada um fica-se pelos 342 quilómetros, contrastando com os 457 dos luxemburgueses e os 382 da média europeia. Por cá, hábitos saudáveis e ecológicos, como andar a pé ou de bicicleta, ainda são raras excepções…..»

Tem toda a razão o articulista. E sobre isso, que dizem ou como procedem os portugueses? Apenas o seguinte:

Faz bem andar a pé, mas é mais cómodo andar de carro. Por isso, andamos de carro.

A gasolina está cara mas, paciência, corta-se na alimentação ou no vestuário, pois ainda é mais cómodo andar no seu carro particular que em transportes públicos.

Os comboios poupam energia e são menos poluentes, é certo, mas os carros levam-nos de porta a porta e poupam-nos a chatice de nos deslocarmos à estação. Viva o comodismo!

A Espanha fica a alguns quilómetros, mas dá mais gozo ir até lá meter gasolina que às bombas nacionais. O desgaste do carro é irrelevante.

O Protocolo de Quioto estabeleceu a baixa de CO2 nas emissões para a atmosfera, mas os portugueses acham que andar de carro vale mais, é muito melhor do que cumprir as legislações, nacionais ou internacionais.

Os carros, enfim, estão estacionados ao sair da porta, levam-nos às portas que pretendemos e, quando, no fim do mês, já não há dinheiro para gasolina, mete-se baixa, ou dá-se uma falta de artigo 4º.

Além de tudo, e para cúmulo, em Portugal, o uso do carro é ainda uma questão de status social, mais que uma necessidade de vida ou de trabalho.

Por essa Europa fora, existem duas alternativas ao uso do automóvel: os transportes públicos, geralmente eficientes, e a bicicleta. Em Portugal também existem, mas os portugueses passam a vida a queixar-se das deficiências desses transportes públicos e guardam as bicicletas para o lazer dos filhos, ao fim de semana, nas férias ou nos dias de verão. Algumas câmaras municipais ainda se aventuraram a colocar estacionamentos públicos para bicicletas…mas estão às moscas!

Os portugueses tomaram o gosto ao carro próprio. Ainda há poucas dezenas de anos, nem sabiam o que isso era, e limitavam-se a palmilhar quilómetros sem fim para ir à escola, ao emprego, ao médico, à tasca…

Agora deslocam-se de carro até à esquina mais próxima para tomar a bica ou comprar tabaco, por que não ao médico, à escola, ao emprego, ao centro comercial mais perto de casa, quer chova, quer faça sol?…

As cidades estão transformadas em parques de estacionamento gigantescos, grande parte deles pagos pelos utentes sem um queixume, os mesmos que discutem e reclamam contra tudo e contra todos, pelos motivos mais fúteis!

Só os mendigos, os parvos e uns quantos valentes gastam solas, neste país. Já nem há sapateiros, mas apenas os Bota-minuto, que também fazem chaves, consertam carteiras e vendem isqueiros…

E por último, alguns pseudo desportistas compram a passadeira da ordem no Decathlon para experimentar alguns minutos, arrumar no sótão e mostrar aos amigos curiosos que vão lá a casa, na festa de aniversário…

Nada do que eu escrevi é novidade para ninguém.

Quem disse que andar a pé, em Portugal, é fácil, é barato e dá milhões?

HUMILDADES MATREIRAS

Crónica da Guerra da Restauração

Ontem ouvi alguém dizer, na TV, que os portugueses eram humildes em excesso, quando não excessivamente optimistas. É já um lugar comum, mas nada mais verdadeiro. Tão depressa caímos no desespero mais profundo, como engalanamos em arco. Rapidamente caímos no fundo do poço e logo subimos ao sétimo céu… O meio-termo, em Portugal é apenas uma figura de retórica que, na prática, não leva a parte nenhuma.

Os romanos, que por aqui passaram, ensinaram-nos que «in medio virtus» -a virtude, a verdade, está no meio -mas entre nós o provérbio mais conhecido é outro, provavelmente inventado pelos impagáveis portugueses que para isso têm um jeito insuperável: «in vino, veritas» ou seja, a verdade está no vinho! E quando a verdade, a realidade da maioria dos portugueses assenta em tal provérbio, pouco ou nada de valor pode fazer-se. O vinho é a maior riqueza nacional, sob todos os pontos de vista! Ele está em todo o lado. Há que aproveitá-lo, usá-lo, vendê-lo, abusar dele…Meio-termo, pois, além do vinho, para quê?

Claro, quando algum felizardo sobe às alturas, imediatamente outro comenta que um pouco de humildade não lhe faria mal. E o inverso também é verdadeiro. Se alguém está no fundo, logo outro comenta: coitadinho, porque não se anima?

Pura conversa de «chacha»! O mal está em que nós, portugueses, nunca ou muito dificilmente passamos das palavras aos actos. Nem colocamos os poderosos no seu devido lugar, nem ajudamos os pobrezinhos a erguer-se até um lugar decente. Contentamo-nos em palrar da desigualdade social que por aí vai e cada um que se amanhe!

Um por todos e todos por um? Isso é que era bom mas, mesmo no Benfica, só serve para enfeitar o emblema.

Quando protestamos de indignação, como as claques do futebol, apregoando insultos ou jurando mortes, tudo não passa de conversa fiada. Amolecemos dali a pouco com um copito, ou com um simples rebuçado, como crianças grandes, e imediatamente fazemos o acto de contrição, com muitas desculpas, muitos salamaleques…até à próxima.

É a tal humildade matreira que vive da prudência ou do medo de quem não tem força para mais, umas vezes, e pressente a oportunidade do aproveitamento da situação, outras tantas.

-Ó senhor João,

Então

Como vai

A sua mão?

Ainda dói,

Ou não?

-Olá, dona Teresa,

Pois esta beleza

Está presa,

Não sai

Com reza,

Mas mói…

Os grandes rasgos da nossa História que tanto elogiamos aos nossos antepassados, não se compadecem com as pequenas dores do momento, que moem… moem… e nunca conseguimos ultrapassar, por falta de tratamento, de vontade ou de simples imaginação. O tempo se encarregará, sozinho, de sarar as grandes feridas que sofremos com humildade infinita e as pequenas que aguentamos sem piar, mas lamentando sempre e empolando a sua dimensão ou os seus efeitos, logo que alguém nos pergunta por elas.

Fazem-nos falta grandes objectivos, mobilizadores, para dar a volta a esta «apagada e vil tristeza» de que falava Camões, esta só parcialmente invertida ao fim de sessenta anos de dominação filipina, nas Guerras da Restauração. (Estou a falar a sério e não das guerras da restauração e da ASAE que passam nos jornais todos os dias, para encher páginas!)

Não faço ideia de quanto tempo será ainda preciso para dar a volta, desta vez, ao apertar do cinto, à desmoralização geral destruidora que por aí vai…apenas ultrapassada por essa vulgar humildade matreira, à espreita, servilmente, da oportunidade do ressurgimento automático ou à custa do subsídio, sem esforço, sem imaginação, sem a criatividade que traz a riqueza, o bem estar, o orgulho de conseguir ser alguém pelo seu trabalho e persistência…

Também é certo que ainda não chegamos ao ponto de exigir uma nova Guerra da Restauração. Por outro lado, os nossos maiores já lá vão há muitos anos, todos os enaltecemos, é verdade, mas ninguém se atreve a imitá-los. Heróis não aparecem todos os dias.

Entretemo-nos a enaltecer as nossas feridas, as nossas mazelas. No mínimo dos mínimos, dizemos delas que não matam, não doem, mas moem. Com jeito passa...

E talvez apareça um milagre a salvar-nos, como em Ourique.

Vale mais estar quietinho!...

sexta-feira, 7 de março de 2008

COISAS DO ARCO-DA-VELHA

Proposta de uma solução acessível

Logo de manhã, ao abrir a caixa de correio electrónico, encontrei uma foto esclarecedora do mau estado da Educação em Portugal, em especial no que toca ao ensino da disciplina de Português, mesmo agora que os senhores professores estão na rua, em polvorosa.

Tratava-se de uma placa informativa colocada por um desconhecido funcionário da Câmara de Mafra, numa zona de obras ou melhoramentos em determinada via de acesso a um lugar qualquer. A «melhoria de assecibelidades» indicada pela placa com o nome da Câmara Municipal de Mafra em cabeçalho, com emblema e tudo, é um desconchavo total!

Mas não é só em Mafra que se encontram disparates destes. Um pouco por todo o país poderão encontrar-se placas como estas, em que o português foi atirado às ortigas. Por exemplo, numa enorme placa, numa das salas do Museu de Electricidade, em Lisboa, escreve-se em título, como pode ver-se na foto que eu próprio tirei:

«A disbuição de energia à saída dos alternadores»

com a transcriçã em inglês, para que não restem dúvidas:

«The Distribution of Energy from the Alternators»

Não sei como poderia corrigir-se, de uma vez por todas, esta ignorância ou descuido tradicionalmente expostos, a que o laxismo geral também já nem dá a mínima importância, nos dsias de hoje. Pois, imaginando que as chefias sejam cultas e cuidadosas e os soldados rasos do município ou outros, não, trata-se de uma permissividade ou falta de profissionalismo a toda a prova, da parte daqueles, ante os erros que estes possam cometer. A menos que…sejam tão ignorantes ou descuidados como eles!

Ocorreu-me um método para acabar de vez com todas estas barbaridades que são constantemente expostas ao «pagode», nas instituições e lugares públicos, já que os respectivos sábios responsáveis não conseguem corrigir e ensinar os profissionais seus alunos que têm a cargo.

Proponho que, daqui para o futuro, todas as placas, avisos, simples informações aos utentes dos serviços camarários ou públicos, em geral, sejam assinadas pelos seus autores. Deste modo se implementaria a sua responsabilidade, se acabaria com o laxismo e a exposição pública dessa, repito, ignorância tradicional.

Julgo, é claro, que ainda há um mínimo de sentido de vergonha nas pessoas deste país e que ninguém gostaria de colocar o seu nome a subscrever textos como o citado ou o fotografado que acima fiz imprimir, ou quaisquer outros semelhantes que abundam por aí.

A menos que eu esteja errado…

quinta-feira, 6 de março de 2008

O REI VAI NU, DE CALÇÕES E CAMISOLA…

Crónica de pontapés à toa

Hoje apeteceu-me escrever sobre futebol. Não porque o futebol me delicie sobremaneira, mas porque ele tem sido, e continua a ser, o rei deste país da treta, como dizem para aí, um rei a quem todos rendem vassalagem durante as tardes e serões dos dia úteis, e durante o dia inteiro nos fins-de-semana.

Os jornais desportivos, os diários noticiosos e os ecrãs de TV enchem o espaço de frivolidades como a dor do joelho do Tal, a pouca sorte do Outro, o castigo do Terceiro, a transferência do Quarto, o estado da relva, os árbitros escolhidos, as picardias dos treinadores, dos presidentes dos clubes e até o estado das investigações do Processo do Apito Dourado…

Ainda pensei refugiar-me na Internet…mas até na Internet se torna difícil escapar a esta onda que submerge tudo e todos. Porque seria eu uma excepção a conseguir escapar, se ninguém consegue?

Ontem foi o Porto a arrebatar multidões de furiosos ao Estádio do Dragão, depois de uma semana inteira de conjecturas, projectos, contas…até que, cerca das dez da noite, todo o país se encheu de tristeza e os olhos de muitos nortenhos se marejaram de lágrimas. No Porto, parecia o fim do mundo!

Agora, durante dias, não se falará de outra coisa senão dos golos falhados, dos penaltyes que foram mal marcados e o guarda-redes adversário defendeu, enfim, do resultado injusto para o Porto que jogou melhor, que não merecia ter perdido…

Hoje, entram em acção o Benfica e o Sporting. Este também arrebata milhões de portugueses, mas o Benfica, se ganhar, dará de beber a uns milhões de adeptos. Se perder…Deus nos acuda e ilumine os jogadores para o desafio da segunda mão, em Espanha. Até Nossa Senhora de Fátima estará metida nesta salada.

Há que ter em conta, claro, que o Benfica é ainda a marca de Portugal! E lá diz o refrão, utilizado desde que me conheço:

«Quem não é do Benfica e pelo Benfica, não é bom português nem bom chefe de família!»

Mas longe vão já os tempos em que os furiosos do clube eram conhecidos, orgulhosamente pelos homens do garrafão que enchiam as camionetas e os comboios especiais de antigamente. Agora andam, como os «tifosi» de outros clubes, de garrafinha de cerveja na mão e, por causa das coisas, a polícia não os deixa entrar no estádio, nesse preparo.

Um certo comentarista que muito me apraz ouvir e cujos artigos desportivos de crítica desportiva leio com prazer, dizia, a propósito das muitas traficâncias e irregularidades que se verificam no desporto do pontapé na bola, que o rei vai nu…e eu até concordo cem por cento com ele.

Bem, cem por cento, não. O rei vai bem disfarçado, de calções e camisola, dando pontapés à toa! Mesmo assim, algumas vezes até mete golo, de copo na mão e olhos fixos nos ecrãs de TV.

Desta vez não ouço barulho na vizinhança, o que significa, quase de certeza, que o Benfica deve estar a perder, no desafio de futebol com o Getafe. Não importa, ganha moralmente.

Chorar de pena ou de raiva, só no Norte.

O povo português, 70% do Benfica, tem sempre, para grandes males, grandes remédios…

terça-feira, 4 de março de 2008

50 ANOS DE FISCAIS E NOTÍCIAS

Crónica do antes e do depois...

Um dos meus prazeres favoritos é a leitura do jornal, de manhã, acompanhada de um cafezinho, numa esplanada ou num salão amplo, mesmo que cheio de barulho indistinto. Não o ouço. Leio o jornal tranquilamente, algumas vezes de trás para diante, sem prestar atenção ao que se passa à minha volta.

É fantástico! Em casa, não posso abstrair de um ruído mínimo, não consigo ler o jornal atentamente, não consigo abstrair das conversas circundantes, não consigo fixar a atenção nas linhas do periódico...

1955. Quando era estudante universitário, nos meados da década de 50, gostava de ir ao café e permanecer ali até me fartar. Mas levava comigo um caderno de apontamentos, entretinha-me a lê-los, no meio de toda aquela barulheira de fundo, da qual abstraía totalmente. No café Golo, por exemplo, havia uma aparelhagem de discos caça níqueis e era frequente os clientes meterem a sua moedinha para ouvir, em altos berros, os últimos êxitos de Dean Martin, Frank Sinatra, Diana Dors e Elvis Presley… Isso tinha uma vantagem: acabava com a individualização de alguma conversa da mesa mais próxima que, para mim, era fatal.

Assim, de café em café, tirei o curso com boas classificações. Claro, passava a maior parte do tempo fora de casa.

Outra das minhas técnicas de estudo baseava-se em andar de carro eléctrico. Como tinha passe, saía da faculdade, percorria a cidade em todos os sentidos, cronometrava os tempos que os eléctricos demoravam entre os pontos de cruzamento ou de finalização das linhas e aproveitava para estabelecer um mapa-roteiro com horários, coisa que a Carris não facultava aos utentes. Não utilizava os autocarros, por serem mais caros os passes e, além disso, balouçarem imenso, o que dificultava a leitura e podia provocar qualquer traumatismo oftálmico. Quando chegava a casa, depois das aulas da tarde, trazia as lições estudadas e entretinha-me a ler literatura diversa, ouvir peças de música clássica, etc.

Também estudava ao som de música erudita…

Uma vez, resolvi adquirir um rádio portátil – que naquela altura não era tanto – que consumia um ror de pilhas, com as suas válvulas todas (ainda não havia transistors) e, para que não houvesse tropeços com a lei, apressei-me a registá-lo, como era obrigatório fazer. Oito dias depois da compra, estava eu muito feliz a ouvir na Emissora Nacional um qualquer Rigoletto, bateram à porta e fui abrir, pressuroso. Eram dois fiscais.

-Sabemos que o senhor comprou um aparelho de rádio portátil de marca TKD e queremos ver a sua licença.

-Façam favor de entrar.

Fui à minha gaveta privativa, tirei o comprovativo do registo e mostrei aos inspectores.

-Queremos ver também o rádio, se faz favor!

Lá fui buscar o aparelho e então, com todos os pormenores, confrontaram os números de série de fabrico com os do papel de registo provisório, olharam um para o outro e um deles virou-se para mim e disse:

-Está tudo em ordem! Dentro de oito ou dez dias receberá a licença definitiva. Não se esqueça de que não pode vender, trocar ou mesmo destruir o aparelho sem avisar. Caso contrário, poderá ser incriminado e até preso. Não se esqueça de pagar a respectiva licença, anualmente, de acordo com a lei. Boa tarde!

-Boa tarde!

Estas cenas de fiscalização nem sempre eram assim tão pacíficas. Numa das minhas viagens rotineiras de estudo no eléctrico, um vizinho de banco resolveu acender o cigarro – que então ainda não era proibido nos meios de transporte – com o isqueiro que guardou, rapidamente, no bolso do casaco do lado da janela. Logo um fiscal apareceu e exigiu:

-A sua licença de isqueiro?

-Qual isqueiro?

-O seu isqueiro. Não se faça de parvo, que eu bem vi.

-Que é que o senhor viu? Eu não uso isqueiro, só tenho fósforos!

-Faça o favor de se levantar. A multa é de duzentos e cinquenta escudos e a devolução do isqueiro. Dê-me já o aparelho!

-Qual aparelho? Faça o favor de me revistar. Se o encontrar, é seu. Se não o encontrar, não pago multa nenhuma e exijo que o senhor me peça desculpas por este equívoco. É o mínimo.

E o fulano levantou-se, revirou os bolsos, expôs tudo o que trazia e virou-se com ar triunfante para os circundantes:

-Eu não minto. Estes senhores fiscais, eu compreendo-os, têm que apresentar serviço mas, desta maneira, não!...

E o fiscal:

-Não me convence, apesar de tudo. Não tardarei a apanhá-lo em flagrante, noutra ocasião. Não me escapará! Pagará com língua de palmo!...

-Até lá!...

Eu bem vira o fulano, no momento de revirar o bolso, lançar o isqueiro, sub-repticiamente, pela janela fora. E não fora só eu. Mas a licença de isqueiro era uma taxa tão impopular que não havia ninguém que a pagasse e muito menos que denunciasse a sua posse!

Já na década de sessenta, o aparecimento da televisão trouxe ao governo mais uma fonte de receita, com o estabelecimento de uma nova licença. Ninguém escapava! E os fiscais apareciam com grande frequência. Então os utentes, com o passar do tempo, engendraram a forma de dar a volta ao texto: uma licença era mostrada sempre, com o mesmo televisor, embora, por vezes, houvesse em casa três ou quatro aparelhos ocultos!

Até que o 25 de Abril acabou com todas essas licenças e as respectivas habilidades.

E a partir daqui, ler, ver e ouvir notícias passou a ser uma coisa banal, não paga e não censurada…

2005. Vou comprar o jornal, logo depois do pequeno-almoço, e delicio-me com a sua leitura, no café de uma esplanada perto de casa. Mas faço eu próprio a minha crítica das notícias. Estou no meu direito! Faz parte da minha liberdade.

Uma coisa me custa, na apreciação que faço das notícias dos periódicos: a falta de ética – direi mesmo de seriedade – que cada vez mais se nota, na apresentação das mesmas. Será que o fim da censura e a liberdade de imprensa dá aos jornalistas o direito de publicarem por vezes notícias tendenciosas, falsas, distorcidas, eivadas de truques, sem o mínimo respeito pelos leitores? Quem autoriza – ou obriga – um jornalista a publicar um título garrafal em completa discordância com o sentido do texto subjacente? Ou a caluniar, ou mesmo acusar alguém sem julgamento e até mesmo sem provas? Ou… ou… ou…

De tempos a tempos, alguém ganha uma causa a um jornal e envia um desmentido para ser publicado. E o informativo procede à sua desinformação, publicando a notícia em letra miudinha, numa página de interior, disfarçada o mais possível, por vezes adicionada de comentários de interpretação duvidosa para que ninguém dê conta do falhanço, que o jornal tem sempre razão...

A honestidade, nos dias de hoje, será já um acto de heroísmo?

A liberdade é, em si mesma, uma coisa maravilhosa. Mas, mal utilizada, é uma coisa terrível.

Quando abro o jornal e descubro algum desses maus aproveitamentos da liberdade por parte de quem tem a obrigação de informar com verdade e isenção, até o café me sabe mal!...

VIOLÊNCIAS ARQUIVADAS…

Crónica de violadores inocentados…

«Maria Ilda Vinagre tem 57 anos e uma vida pautada pelo sofrimento. Suportou 39 anos de violência conjugal até que reuniu coragem e vontade para recomeçar do zero: denunciou o ex-companheiro à Justiça, após várias queixas na Polícia Judiciária (PJ) e na GNR. O tribunal diz que não há provas! Entre as várias queixas de Maria Ilda encontra-se uma de violação, na qual alega ter sido forçada a manter relações sexuais, formulada no início de Fevereiro de 1998. Só foi chamada para fazer exames no Instituto de Medicina Legal a 15 de Abril. Em 2000, o Ministério Público de Sintra pronunciou-se, dizendo que não tinha provas que permitissem atestar que Maria Ilda era vítima de violência conjugal ou que havia sido violada…. Sete anos depois, e após várias queixas junto das autoridades, o mesmo M. P. de Sintra, face a novas queixas, mandou arquivar o processo, dizendo que…não há provas…»

Está visto que a queixosa está agora mais queixosa que dantes, pois, após a acusação do violentador à Justiça, passa a queixosa da própria Justiça, em primeiro lugar, pela demora na condução das investigações, depois pela demora na decisão final, depois ainda pelo arquivamento do processo, após nove anos!

Finalmente, que poderá agora esperar a vítima, da parte do agressor, após o seu completo descrédito? Um pedido de perdão e, provavelmente, mais violência caucionada pela inédita ou ineficaz Justiça!

Já sei o que poderão dizer os magistrados ao ler esta notícia publicada no C. M. desta manhã: a decisão é correcta, porque as provas não foram concludentes, os meios à disposição do M. P. e da justiça são fracos, a legislação que temos foi rigorosamente aplicada e a eles cabe apenas aplicá-la com todas as vírgulas, tal como vem publicada e nada mais…

Há uns largos anos, ainda estava na minha juventude e era no tempo da «Outra Senhora», tive conhecimento de um caso verídico semelhante, com o seu quê de anedótico, de tal forma que nunca mais pude esquecê-lo. Escutei-o no comboio da Linha da Beira Alta, a caminho da Guarda, e das minhas férias de Verão.

Uma rapariga do campo, ainda menor, foi seduzida e violentada por um outro aldeão, já adulto e, por qualquer circunstância que agora me escapa, houve testemunhas. A família da vítima exigiu logo o casamento para preservar o bom nome da ofendida, ou uma indemnização que se supunha, naquela altura, de 30 contos, pelo crime de violação, numa época em que um professor primário, por exemplo, ganhava 1000 escudos mensais e a jorna para um cavador de enxada, de sol a sol, eram uns míseros 10.

O «criminoso» não aceitou o casamento nem a indemnização! E o caso foi levado a tribunal, tenho ideia de que na comarca de Mangualde ou de Fornos de Algodres (já não me recordo bem), com a apresentação das testemunhas e a ajuda dos advogados das duas partes.

Já quase no fim do julgamento, e para arrumar a questão, o juiz perguntou à testemunha principal, mais uma vez, se tinha visto a cena em causa e ela confirmou de novo que sim, que a cena tinha tido lugar num palheiro assim, assim, que o fulano tinha obrigado a fulana a despir-se à força e a entregar-se, tendo-se posicionado sobre ela, etc., etc.

A coisa estava feia para acusado. Mas, numa última intervenção, o advogado de defesa pediu ao juiz autorização para mais duas ou três perguntas à assanhada testemunha de acusação, e questionou-a mais ou menos assim, com estes termos ou outros parecidos:

-Diz o senhor que viu o réu desflorar a vítima?

-Sim, senhor doutor. Digo e repito!

-Em que posição estavam os dois, para poder afirmar isso?

-A rapariga estava deitada de costas na palha e o rapaz estava em cima, no meio dela, muito juntinho, muito coladinho…

-E estavam vestidos ou quê?

-Não senhor doutor, Já disse várias vezes que estavam nus, como Deus os trouxe ao mundo…Ela já não resistia, coitadinha…

-Então como pode o senhor provar que ele a desflorou?

-Ó senhor doutor, então não é uma coisa que se vê logo?...Tão juntinhos estavam, mesmo coladinhos um ao outro…

-E o senhor continua a afirmar que ele penetrou a moça com a moca?

-Claro! Eu não sou cego. Eu vi!…

-Nesse momento, o senhor passou uma linha entre os dois?

-Lá isso não passei…senão, descobriam-me logo…

-Então como pode…

O juiz suspendeu o interrogatório e mandou aguardar a sentença que não se fez esperar.

-Atendendo aos factos, não foi provado que o réu tenha desflorado a vítima, pelo que o absolvo da acusação…

Claro que, naquela época não existiam os exames periciais, nem os sistemas de protecção da mulher vítima de abusos sexuais que existem hoje e o homem saia quase sempre beneficiado com as leis vigentes mas, mesmo assim, este julgamento pode ser considerado uma caricatura.

D. Afonso Henriques não foi capaz de prever casos destes para a Justiça vindoura, na Nação que acabara de fundar. Nem ele, nem o honesto Egas Moniz, de corda ao pescoço…

sábado, 1 de março de 2008

GUERRAS DE PODER E DE PENACHO

Caricaturas de Gente Culta

As Guerras são sempre um mal desnecessário! Já lá vai o tempo das Guerras, como mal necessário. A de 39-45 deu, como resultado da necessidade imperiosa de um doido histérico, a morte de cinquenta milhões de pessoas. Mas também há pequenas guerras por aí que não entram na contabilidade geral das grandes guerras e que vão fazendo também os seus estragos. E até entre estados se estabelecem, incrivelmente, escalas de guerras, da sua legal ou ilegalidade, da sua justeza ou não…

Dantes, era habitual os poderosos comprarem guerras que nem sempre venciam. Depois, já na nossa era, vieram as guerras dos gangs, dos cartéis da droga, dos grandes bancos, dos grandes interesses…até do futebol, com motos e feridos, de vez em quando. Agora, baixando de escala, até os mais pequenos fazem as suas guerras entre si, umas para obtenção de puro protagonismo, quando não são requisitados para as guerras dos maiores, ou para aquisição de algumas migalhas para mitigar a fome…

Há dias, vinha referenciada na Comunicação Social, uma guerrinha entre magistrados, coisa caricata e impensável ainda na semana anterior. E hoje, para que não ficassem atrás, os advogados iniciaram uma guerra civil, por motivos também caricatos na óptica do cidadão comum.

Certo que existe cada vez mais na sociedade portuguesa, nos últimos tempos, alguma crispação que não vai ficar por aqui. As dificuldades económicas que consomem uma boa parte da população vieram juntar-se à proverbial falta de civismo que infelizmente acompanha a liberdade democrática, para tudo e para nada invocada e nem sempre bem aproveitada.

Mal vai o País se as classes mais responsáveis, como os magistrados e os advogados não sabem aproveitar a liberdade que tanto apregoam! Pouco importa se aqueles se entretêm com «birras» e estes apelam aos tribunais para dirimir «bocas» ou «desbocas» que o cidadão comum resolveria com um simples encolher de ombros, se não quisesse dar-se ao trabalho de aplicar duas simples «chapadas» ao adversário. Como a Justiça não tem mais nada que fazer, dá ocupação à sua poderosa e grandiosa máquina…

No caso dos advogados, tantas vezes chamados pelos clientes para assessorar em tribunal questões de alegados insultos, são os três últimos bastonários que se acusam ou se perdoam, dizem e desdizem, trocam insultos entre si, contam os apoiantes, falam para os jornais em entrevistas cheias de recados, metendo igualmente ao barulho o Conselho Jurisdicional da Ordem, numa guerra de todos contra todos, num espectáculo deprimente que promete...

O cómico desta cena, se não fosse triste, é que provavelmente, um pouco de razão cabe a cada um deles!

O cidadão comum tirará daqui as suas conclusões. Certo é que a advocacia não sairá prestigiada desta guerra, por enquanto só de palavras, mas que vai durar, dada a testa dura dos sábios intervenientes, para gáudio da imprensa oportunista e fofoqueira.

APANHADOS DE ECONOMIA BARATA

Crónica de um ignorante às aranhas

Não percebo nada de economia, isto é, cá me vou desenrascando com a minha economia caseira….e por vezes nem acerto. Sempre tive muita dificuldade em entender as conclusões dos sábios do ramo, não porque ache que o seu blá-blá-blá seja totalmente indecifrável, mas porque me dou conta, frequentemente, que elas são contraditórias e nunca permitem chegar a qualquer solução real directa dos problemas vividos pelas populações. Socorrem-se constantemente das estatísticas, dos históricos, das previsões mais ou menos falaciosas, dos «ratios» tão teóricos quão impenetráveis à compreensão dos restantes mortais que, como eu, só entendem de receitas básicas e despesas correntes, com o respectivo saldo. Por isso, os economistas de gema deveriam escrever os seus artigos em forma simples, de forma a serem compreendidos pelas populações e até pelos igualmente simples leitores vulgares da nossa imprensa. Escrever coisas complicadas para gente complicada, faz-me lembrar os articulistas dos jornais do século XIX que escreviam pomposamente, criando até, por vezes, guerras fantásticas de cultura discutível e inócua, entre si, na realidade destinadas a uns míseros leitores de uma época de população analfabeta na sua quase generalidade…

Já há muito me tinha apercebido de duas coisas:

A primeira é que a Economia, utilizando a Matemática para os seus estudos, cálculos, estatísticas ou previsões, não é, apesar disso, uma ciência exacta!

A segunda é que, por isso mesmo, permite uma coisa incrível, isto é, tirar diversas conclusões, de uma mesma solução encontrada!

Bizarro? Nada bizarro. Basta ver uma discussão político-académica entre economistas, possuidores dos mesmos dados, na televisão. Experimentem e verão que tenho razão.

Mas outra apreciação pode ser feita também, com grande realismo: as conclusões são sempre adaptadas à sensibilidade política do sábio, coisa que é impensável num físico, num químico, num matemático puro, etc.

Era o que faltava se qualquer ciência que se preze estivesse sujeita à política! A política conseguiu tapar a boca ao Galileu, mas não conseguiu inverter a marcha dos planetas em torno do sol!

Ora o que acontece com os comentaristas de economia, em Portugal, é que são eles próprios a politica! Mas, se não quisermos ser maledicentes com a política, podemos dizer que são eles próprios origem e vítimas da própria politiquice nacional!

Numa curta sequência de parágrafos publicada por um «economês» no Diário Digital, por exemplo, refere-se, no primeiro parágrafo, a tecla da «propaganda» sobre a recuperação da economia nacional e, logo a seguir, incentiva-se o investimento como a salvação da Pátria. No segundo, desvaloriza-se o crescimento obtido no PIB (1,9%) e o eventualmente previsto para o futuro próximo (2-3%). Como a carga fiscal não aumentou, desvaloriza-se, fazendo ênfase no corte de benefícios. E no último, ao contrário do primeiro, desvaloriza-se o geral dos investimentos, foca-se o provável investimento público em obras, um dos grandes motores, que sempre foi, da economia nacional, só porque é ano de eleições…e portanto conduzirá a um crescimento artificial!

É a tal economia com letra pequena que dá para tudo o que se queira!

Como eu disse acima, por vezes, certos comentadores querem fazer de uma ciência respeitável, uma falsa ciência, uma economia ao sabor da politiquice ou dos seus interesses do momento…muito fácil de praticar e transmitir à plebe, mas difícil de encobrir a quem lê com cuidado...

Falta acrescentar por último, no que ao citado artigo se refere, e para ser ainda mais explícito, que um economista comentarista de outra cor, afirmaria simplesmente o contrário, com os mesmos dados…ou, se quiser ser simpático, diria provavelmente a mesma coisa, susceptível de ser interpretada às avessas!!! Extraordinário!

Para que estava guardado este povo humilde e sofredor ao qual pertenço e não está enfeudado a nenhum loby, como agora se diz!

Mas isto é apenas mais um aspecto do país que temos, ou que certa classe de iluminados nos tenta mostrar: a capacidade inesgotável de baralhar, como num jogo de cartas, as coisas sérias e simples, para poder aplicar, na altura própria, o trunfo que têm guardado na manga!