sexta-feira, 27 de junho de 2008

TRIBUNAL EM POLVOROSA

Falta de protecção imperdoável

Casos de pancadaria em tribunal não são caso único, nem recente, como parece depreender-se das notícias hoje veiculadas pela Comunicação Social. Mesmo casos de agressões a juízes não são apenas de agora, nem fruto da época de depravação de costumes, como vai sendo hábito apelidar a actual, pelos guardas da moral pública.

Ainda era jovem, recordo perfeitamente que, numa povoação da Beira Alta cujo nome não vou dizer aqui, os viajantes da linha de caminho de ferro que passava na estação local tinham por hábito gritar a plenos pulmões, logo que o comboio se punha em andamento:

-Mataste o juiz!

Não era preciso repetir o grito, porque os aldeões presentes no cais corriam, de varapau erguido, na direcção da janela donde havia partido a invectiva, decididos a rachar a cabeça ao atrevido já protegido pela distância, cada vez maior...

A questão remontava a uns largos anos atrás, em que um juiz tinha sido morto por vingança, depois de haver proferido uma sentença condenatória que não fora do agrado da população local.

Longe de nós, nos dias de hoje, a existência de situações semelhantes, ou a antiga e muito usual coação sobre os juízes.

Outra coisa é, no entanto, a devida protecção da autoridade e da independência dos juízes, sem o que a Justiça não poderá existir, tal como a conhecemos, actualmente.

As notícias veiculadas sobre este triste caso do Tribunal de Santa Maria da Feira, com sessão atribulada após a leitura da sentença, podem, contudo, deixar-nos perplexos. Devido a condições deficientes do edifício do tribunal, ameaçando derrocada, foi o exercício legal transferido, provisoriamente, para o Salão dos Bombeiros Voluntários locais, até à conclusão das obras em curso.

Após a leitura da sentença, dois juízes foram agredidos sem cerimónia pelos condenados, ao que parece com ajuda de familiares presentes.

O acto em si é reprovável, sem qualquer desculpa.

Já as justificações apresentadas pelos diversos intervenientes têm o seu quê de caricato. O vice Procurador da República, como Mr. De la Palisse, disse à imprensa que «alguma coisa falhou», «num local que deveria estar protegido», que não há «protecções infalíveis», etc...

O secretário de estado da Justiça lamenta o «incidente grave ocorrido», mas que «não teve nada a ver com as condições do tribunal», etc...

Já «o juiz presidente A. C., um dos magistrados agredidos durante a leitura da sentença dos 18 arguidos no Tribunal de Santa Maria da Feira, reconheceu esta quinta-feira que a falta de condições da sala onde decorria o julgamento foi o principal motivo da agressão»...

«Segundo o juiz E.L. , coordenador do grupo de trabalho em representação do Conselho Superior da Magistratura, as instalações provisórias no quartel dos bombeiros têm "poucas condições de segurança” e chegam a registar “temperaturas de quase 40 graus"»...

Enfim, cada cabeça, sua sentença! Até parece que não estamos em presença de um Tribunal, onde estava previsto haver uma só. O que demonstra que a verdade, mesmo para os executores da Justiça como para o cidadão comum, pode ter vários matizes...ou até não ser verdadeira!

Por exemplo, a afirmação de que a culpa é das instalações ou da temperatura, deixa muito a desejar, pois coloca a Justiça na dependência do calor, do frio ou da chuva. O mesmo é dizer que não há Justiça a 40 graus, ou a dois negativos, ou até se chover um pouco mais que o costume...

Percebo, no entanto, que os queixosos ou declarantes queriam dizer apenas que a culpa era das condições, dos meios, ou melhor, da falta deles e de quem teria obrigação de fornecê-los na proporção devida, mas embrulharam-se nas conjecturas, como qualquer mortal, talvez para não parecerem tão cáusticos.

Verdade, verdadinha, o que sucedeu, muito simplesmente e com um pouco de bom senso, foi ter-se subestimado, dentro da sala de audiências, a vigilância aos arguidos ou condenados, incorrendo numa falta de protecção obrigatória, necessária, imperdoável à barra do tribunal. Mas a culpa morre sempre solteira, o povo bem sabe. E, entretanto, durante quinze dias, todo o mundo barafustará contra tudo e contra todos, a imprensa cumprirá a sua obrigação e acirrará os ânimos, nos intervalos.

Portanto, fazendo jus à antiga e rotineira burocracia portuguesa, depois de culpar o abstracto, só faltará o tradicional inquérito, porque ninguém assumirá culpa nenhuma fora do tribunal, e muito menos dentro dele, como se vê. E, se houver inquérito, dará em águas de bacalhau.

Para evitar chatices, o melhor será, como sempre, remeter a culpas para o D. Afonso Henriques que, segundo reza a História, foi perjuro, bateu na Mãe, mas fundou a Nação lutando contra mil e uma dificuldades, e não consta que se tenha queixado do clima, nem da falta de meios, mesmo na batalha de Ourique!

Quem terá dito já que o melhor é esquecer?

Até à próxima!

José Luís

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